Aline Paz
“Na boa, política é um saco".
A autora da frase, Bruna Pastuk, 22 anos, aluna de Publicidade na Universidade de Brasília (UnB), não pode ser carimbada com o antigo chavão de “alienada”. Motivada pela crise do mensalão, ela passou a acompanhar o noticiário político nacional. Mas revela desânimo em relação ao mundo povoado por políticos ou aspirantes a político.
Bruna não é exceção. Há inúmeros sinais de que as atitudes predominantes das pessoas mais novas em relação à política brasileira variam entre o ceticismo, a impaciência e um forte sentimento de repulsa.
Uma busca realizada com a palavra “política” no site de relacionamentos Orkut, muito difundido entre os jovens, permite identificar 68 comunidades, com mais de 7.400 membros, que ostentam nomes como “Eu odeio a política do Brasil”, “Brasil, a política que te pariu” ou até “A política é uma merda”.
Os grupos de discussão tratam essencialmente do desprezo pelo cenário político nacional. A corrupção, certamente, está entre os fatores que os distanciam do universo em que petistas, tucanos, peemedebistas e tantos outros atores partidários disputam o poder. “É muita sujeira junta. Decepciona”, afirma Bruno Sousa, estudante de Agronomia da UnB.
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Pesquisa do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), feita com jovens entre 15 e 24 anos, confirma a decepção. Intitulado “Juventude brasileira e democracia”, o estudo ouviu 8 mil jovens, de classes sociais diferentes, no Distrito Federal e nas sete maiores regiões metropolitanas do país. Os entrevistados revelaram profundo descrédito nos políticos: 64,7% não acreditam que eles representem os interesses da população.
Apenas 4,3% dos jovens ouvidos pelo Ibase se dedicam a atividades político-partidárias. O administrador João Marcos Costa, 25 anos, explica por que não acredita em partidos: “Existem 300 milhões de partidos. Os integrantes brigam internamente, trocam de legenda como trocam de roupa, depois falam mal dos antigos colegas. O PT, por exemplo. O Lula passou a vida toda criticando o PSDB pelo pagamento da dívida brasileira. E faz o que agora? Paga a dívida! No fundo, os partidos são a mesma coisa. É puro jogo de interesses”, desabafa.
Caminho de mudanças
Para a pesquisadora do Ibase Patrícia Lanes, a juventude não se reconhece nos partidos políticos, mas enxerga a política como um caminho de mudanças. “Os jovens vêem a política como meio importante de se alcançar a democracia. Mas não se vêem nesse espaço de política formal, nem se consideram aptos para ocupá-lo. Eles se sentem inseguros por não conhecerem pessoas que integrem esse espaço, por não conhecerem a forma de agir, os hábitos. E claro, para eles, a política formal, partidária, está sempre vinculada à corrupção”, sintetiza Patrícia.
É interessante observar que o levantamento foi realizado entre outubro de 2004 e maio de 2005. Portanto, muito antes da crise do governo atual ser deflagrada com a entrevista do deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ). “A sensação de corrupção não é conjuntural, de hoje. É situação de cultura política. Vem de muito antes da crise atual”, ressalta a pesquisadora.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), ex-reitor da UnB e ex-ministro da Educação, reforça: “O jovem não encontra no governo um projeto de nação e vê corrupção em todos os segmentos. É claro que gera apatia. Lutar pra quê?”.
Narciso Portela, estudante de Comunicação Social, chega a dizer: “A juventude não se interessa por política, nem gosta de discuti-la. E quem se interessa é visto como errado, como alguém que quer utilizá-la para fins pessoais”. Bruno Sousa acrescenta: “Assistir ao jornal na televisão, eu até faço. Tenho que estar minimamente informado. Mas me interessar de verdade por política… é outra história”.
Problemas complexos, ensina um velho provérbio, costumam ter causas igualmente complexas. É exatamente este o caso do fenômeno do distanciamento entre os jovens e a política. Segundo os especialistas, ele, certamente, está relacionado com a desilusão em relação à ação concreta dos políticos e seus inacreditáveis partidos. Mas o tema passa por questões mais profundas. Entre elas, o fato de sermos uma democracia em processo de consolidação; a atitude imediatista dos jovens, que estão sempre na expectativa de ver rapidamente os resultados de qualquer ação; a falta de ídolos ou referências; o individualismo e outros valores difundidos pela chamada pós-modernidade; e, ainda, pelo comportamento da mídia, que tenderia a potencializar o peso da corrupção na atividade política.
Da desilusão ao fetiche
Ao analisar o assunto, o doutor em Comunicação e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB (Nemp), Luiz Gonzaga Motta, lembra que os brasileiros – e não apenas o segmento jovem da população – tendem, em geral, a deslocar a visão global da política para a figura do homem político e para as instituições.
E o que ocorre, conforme o professor, é que a política partidária e os homens políticos são vistos como inoperantes: “Existe uma desilusão com o sujeito político, o Congresso Nacional e as instituições. O momento atual, marcado por denúncias de corrupção, pelo chamado mensalão, é apenas um episódio numa história que vem se consolidando. As pessoas hoje acreditam muito pouco nas instituições políticas”.
Motta aponta a falta de ética e o fato de não se vislumbrarem possibilidades de mudança como fatores da baixa credibilidade da política partidária no Brasil. Ele cita o PT, partido do presidente Lula, como exemplo paradigmático de não realização de suas propostas idealistas. Exemplos como esse, sustenta, sedimentam a descrença. “A política partidária corrompida prejudica o exercício da cidadania e da representatividade”, afirma.
A sensação de corrupção generalizada, prossegue ele, é potencializada pelos meios de comunicação. Os grampos telefônicos, as câmeras escondidas, as falsas identidades revelariam o denuncismo da imprensa quando se trata de política nacional. Nosso jornalismo contemporâneo teria desenvolvido uma espécie de fetiche pela denúncia de corrupção.
“Por exemplo, o caso Palocci tem pautado a mídia nos últimos dias”, analisa Luiz Gonzaga Motta. “Todos querem saber se ele foi à casa do Lago Sul, se participava das festas com prostitutas. É a grande questão do momento. Porém, é apenas um fato dentre tantos outros importantes. Mas a mídia gosta da espetacularizar. O que ele fazia na casa? É fofoca. A mídia tem o hábito de eleger mocinhos e bandidos. Isso reduz a política com ‘p’ maiúsculo. E a juventude percebe que há outras questões importantes que não são discutidas pela mídia. Tudo isso colabora para o afastamento”.
A tese do professor é corroborada pela aluna de Artes Cênicas da UnB, Ana Paula Carvalho: “A gente perdeu o enfoque da revolução, o espírito de luta. Vemos o tempo todo essa sujeirada nos jornais, na televisão, nos sentimos impotentes e acabamos aceitando”.
Tempo, tempo, tempo
Corrupção e descrença nos partidos políticos não são os únicos fatores que explicam o desinteresse do jovem pela política. Existe também o fator temporal. O cientista político Henrique Salles explica que os jovens, por característica, são imediatistas e os fenômenos políticos palpáveis acontecem a médio e longo prazo. “Podemos vislumbrar esse fato especialmente em democracias em processo consolidação, como é o caso dos países da América Latina”, explica.
Salles acredita que a redemocratização no Brasil já avançou bastante, mas o país ainda continua em relativo atraso comparado à Europa: “Temos avanços importantes na área de processo eleitoral, informatização das eleições, mas ainda assim temos muito a caminhar. A nossa política hoje traz, de fato, muitos poucos benefícios de efeito imediato para sociedade. Ou seja, pode-se ter uma política pública direcionada para um grupo social específico, de resultados visíveis imediatamente. Mas na macro-política, só veremos avanços daqui a dez, 15 anos. Tempo demais para o jovem”.
Tempo demais mesmo, pensa Rafael Guedes, 20 anos. “Nós precisamos de um programa voltado para a juventude. E precisamos ver resultados concretos na política econômica e social. Não adianta só falar que os indicadores melhoraram. A gente precisa sair e ver que tem menos gente passando fome. O problema é que geralmente essas coisas precisam de tempo. E com esse monte de desvio de verba…”
Entradas, bandeiras e saídas
Além de apresentar um comportamento imediatista, o jovem brasileiro é corporativista quando se trata de política. Da luta pela libertação nacional das amarras da ditadura, quando se buscava liberdade de expressão, passou-se para uma luta setorial.
Rosemiro Cândido, aluno de Pedagogia e integrante do Diretório Central de Estudantes Honestino Guimarães (DCE) da UnB diz que, em geral, as discussões do movimento estudantil sobre política ficam no campo teórico, acabando por não gerar interesse na maioria dos estudantes. “São temas abstratos, que não têm ligação direta com a vida universitária. Os estudantes são bastante pragmáticos. Só se interessam quando o tema da discussão reflete diretamente no cotidiano deles, como é o caso das manifestações contra o aumento da passagem de ônibus (realizadas em janeiro no Distrito Federal)“.
Cristovam Buarque também fala desse comportamento corporativista: “O grêmio de uma escola pública luta pela melhoria da escola do bairro e não pela melhoria da educação do país. E a culpa não é dos jovens. Eles ficaram sem bandeira de luta porque os mais velhos deixaram de propor novas utopias. Sem ídolos e bandeiras, então eles defendem o que está mais perto da sua realidade”.
Para Ana Paula, o jovem é egoísta, individualista. “Cada um acaba se fechando no seu mundinho e fazendo vista grossa para o coletivo. É mais um problema trazido pelo sistema capitalista. Não existe mais o sonho de eu vou mudar o mundo”, constata a estudante.
O individualismo citado por Ana Paula é outra característica que leva o jovem a esquivar-se da política. O coordenador do Nemp diz que essa é uma tendência da pós-modernidade, assim como o hedonismo, a valorização de atividades lúdicas e o isolamento. A sociedade do espetáculo e do entretenimento delega o fazer político a um grupo que nem sempre está em sintonia com os anseios da população.
“Temos hoje jovens e adultos individualistas. A sociedade está assim, cultuando a beleza, a visibilidade externa, o voyeurismo. Os valores pessoais encontram-se em franca decadência”, acredita Motta.
Porém, não se deve acreditar que a juventude brasileira seja alienada por estar desgostosa com a política nacional. Por meio dos grupos de discussão da pesquisa do Ibase, constatou-se um comportamento pendular: os jovens questionam, culpam, responsabilizam, mas também reconhecem que têm parcela de responsabilidade na solução de problemas.
Nos grupos de discussão, eles também deixaram recados aos políticos. Querem governantes mais responsáveis e honestos. Exigem o fim da corrupção e investimentos maciços em educação. Querem ser ouvidos e pedem renovação das formas de se fazer política. As eleições de outubro estão aí, oferecendo-lhes uma boa oportunidade de transformar num grito sonoro aquilo que hoje murmuram entre eles ou em comunidades na internet.