O capitão da Polícia Militar de Goiás Augusto Sampaio de Oliveira Neto, que deixou o estudante Mateus Ferreira da Silva em estado grave após acertá-lo na cabeça com um golpe de cassetete durante manifestação em Goiânia, já se envolveu em pelo menos outros quatro casos de agressão, inclusive contra menores em situação de rua. Segundo a TV Anhanguera, afiliada da Rede Globo, que teve acesso à ficha do policial, as denúncias ocorreram entre 2008 e 2010. Mesmo assim, a ficha dele reúne 34 elogios e nenhuma punição em seus 12 anos na corporação.
Subcomandante da 37ª Companhia Independente da Polícia Militar, em Goiânia, o capitão recebeu duas medalhas do governo de Goiás, em 2016, pelo “desempenho de suas funções” e por “prestar relevantes serviços visando à preservação da ordem pública”.
Em entrevista à emissora goiana, o comandante-geral da PM de Goiás, coronel Divino Alves de Oliveira, reconheceu que o policial reagiu de maneira desproporcional contra o manifestante. “Houve excesso, não há como fugir a esta situação, houve o excesso na ação praticada por esse policial militar e, em decorrência disso, o comando da instituição instaurou o inquérito policial militar que irá apurar as responsabilidade”, declarou.
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Augusto Sampaio ficará afastado das ruas enquanto responder ao processo disciplinar interno. O capitão, que foi transferido para atividades administrativas, ainda não se manifestou sobre o assunto. Aluno de Ciências Sociais na Universidade Federal de Goiás (UFG), Mateus está internado em estado grave na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo). O estudante paulista, de 33 anos, também foi submetido a sessões de hemodiálise nessa segunda-feira (1º).
PublicidadeFotos e vídeos que registraram o momento da agressão mostram que o cassetete do policial chegou a quebrar com a força do golpe na cabeça do estudante, que caiu ensanguentado e foi socorrido por colegas. Mateus participava de manifestação contra as reformas da Previdência e tributária no Centro de Goiânia quando foi atingido pelo capitão da PM.
Veja o vídeo da agressão:
A ação do policial foi criticada pelo secretário de Segurança Pública de Goiás, Ricardo Balestreri. Em nota publicada nas redes sociais, Balestreri ressaltou que todo PM sabe que não deve atingir ninguém na cabeça durante tentativa de imobilização. Segundo ele, nem sempre os policiais recebem os equipamentos e os treinamentos necessários para progressão da força.
Veja a nota do secretário de Segurança Pública:
“Hoje, um jornal local, exercendo com tranquilidade o seu direito democrático a opinar, questionou a condenação pública, por parte da nossa Secretaria e também do MP, da atitude do policial que feriu gravemente um estudante de sociologia, durante as últimas manifestações.
Com o cuidado de não fazer um juízo particular do estudante, o jornal amplia para uma análise generalizada e argui que um pequeno grupo de mascarados vandalizava e cometia violência e que é um erro limitar a intervenção da polícia, esperando que tudo se resolva candidamente com discursos de “paz e amor”.
Diante disso, é preciso deixar claro o que segue:
1. A polícia tem, sim, o direito e o dever de reprimir atos delinquenciais, sempre utilizando a boa técnica e o uso progressivo e proporcional da força, conforme estipulado pela ONU e por todos os bons procedimentos operacionais padrão;
2. Tal intervenção nunca tem como objetivo ferir as pessoas, mas imobiliza-las e conduzi-las a autoridade encarregada do processo de responsabilização;
3. Há sobradas técnicas de imobilizar e sabemos, realisticamente, que algumas delas podem causar ferimentos superficiais e traumatismos de pequena monta, às vezes inevitáveis. Muitas vezes isso é incontornável, mas difere radicalmente das práticas causadoras de traumatismos profundos e ferimentos com potencial mortal;
4. Todo policial tem o conhecimento elementar de que para imobilizar alguém não pode atingir a cabeça ou os genitais. Aliás, qualquer pessoa adulta e racional tem esse conhecimento;
5.Contudo, nem sempre a polícia recebe o nível sofisticado de capacitação que requer e os equipamentos não letais necessários para a progressão racional da força.
É preciso municiar o policial desses recursos que ele necessita. Estou há um mês e meio como secretário e lutando muito para melhorarmos o nível do equipamento e da capacitação. Há, sim, muitos gaps aí e a polícia precisa também ser cuidada com a merecida atenção.Não tenho o poder messiânico de resolver imediatamente mas tenho disposição firme de lutar por melhores condições de trabalho para a polícia.
A discussão, portanto, além de moral (o papel nobre do policial como operador do estado democrático de direito), é iminentemente técnica. Não se trata de “amarrar” a polícia, de impedi-la de agir. Nem de “dar razão ao outro lado”. Precisamos superar esse tipo de raciocínio polarizado, que hoje limita tanto a capacidade intelectual da nação brasileira.
A polícia tem que agir, e tem que agir com rigor e força contra as transgressões da lei.Mas a força e o rigor não podem gerar mais “ocorrências”, às vezes piores do que o ato delinquencial justamente combatido. Têm que ser técnicos, objetivos, legais, resolutivos e não agravadores do fato que transcorre.
É preciso, aliás, lembrar que é exatamente dessa forma correta que se porta a imensa maioria dos policiais.
A PM, todos os dias, salva vidas, garante direitos, cuida da população, especialmente da população mais humilde. E faz isso sob enorme risco da própria vida. É em defesa também desses bons policiais que precisamos isolar e condenar as más práticas. A polícia não merece ser contaminada pelo erro. É meu dever, como gestor público, preservar, promover e reconhecer o valor da polícia que dirijo. E mostrar que o erro não se confunde com todo o bem social que a polícia produz.
Não há, portanto, nenhuma contradição entre uma polícia forte e uma polícia respeitadora da boa técnica, da moralidade, da legalidade.
O corporativismo com o erro, ao contrário do que possa superficialmente parecer, não defende e não preza a instituição policial. O corporativismo com o erro é apenas uma forma de não honrar o trabalho dos bons policiais, dos cuidadores do povo, a imensa maioria.”
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