Inês Castilho *
“Calma, calma! Tem criança aqui! Calma! Calma! Tem criança!”
A voz angustiada de uma mulher sobrepõe-se ao tumulto diante dos disparos de arma de fogo pela polícia na manhã de sexta-feira (4), quando cerca de 10 viaturas da polícia civil cercaram e policiais invadiram, sem mandado, a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) do MST, em Guararema, a 70 km da capital paulista.
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Vídeo com imagens captadas por uma câmera do circuito interno de segurança da escola, divulgado pelo MST, mostra o momento da invasão.
As imagens revelam: por volta das 9h30, policiais fortemente armados pularam o portão da escola e a janela da recepção e entraram atirando, instaurando pânico entre os 250 pessoas, das quais 15 crianças, que se encontravam ali. As balas recolhidas não são de borracha, mas letais, como mostra a foto divulgada pelo MST (veja abaixo).
Gilmar Mauro, um dos líderes do movimento presente no momento da invasão, relatou à Carta Capital que dez viaturas da polícia civil chegaram à escola sem a presença de um oficial de Justiça. “Os policiais apresentaram num celular um mandado de prisão de uma mulher, mas ela não se encontrava no local, era do Paraná.”
Em seguida entraram na escola e dispararam três vezes contra o chão, num solo com muitas pedras. “Poderia ter ricocheteado em alguém. Criou um alvoroço muito grande, pois há uma creche ao lado da escola”, disse Gilmar Mauro.
Duas pessoas foram presas – uma voluntária e um voluntário com problemas de saúde – e, acompanhadas de advogados, prestaram depoimento e foram liberadas.
Lá dentro, o músico Lirinha, ex-integrante do grupo pernambucano Cordel do Fogo Encantado, dava uma palestra sobre cultura popular a jovens de vários países, quando ouviu os tiros. O músico gravou em vídeo o seu protesto, falando sobre o “estado de suspensão da democracia” em que vivemos. O ator Wagner Moura também repudiou a ação: “Se alguém tinha dúvidas de que o Brasil vive um estado policialesco de exceção, a invasão da Escola Florestan Fernandes pela policia é uma demonstração covarde de truculência típica de regimes de exceção”.
Há mais de 10 anos a Escola Florestan Fernandes realiza cursos de formação para representantes de movimentos sociais, do Brasil e vários países do mundo. Cerca de 5 mil pessoas frequentam a escola anualmente, sendo os educadores voluntários de vários de estados e de outros países. Na manhã de hoje havia 15 educadores, brasileiros e estrangeiros, com representantes de 30 países. Eles reuniram-se em assembleia e protesto, após a invasão policial.
Paulo Almeida, um dos coordenadores da escola, informou ao Portal Vermelho que os cursos seguiram normalmente porque a polícia não conseguiu entrar na escola, cujas salas de aula ficam a uma distância de 130 metros da entrada. Mas o espaço reservado às crianças, filhos dos participantes dos cursos, fica próximo à entrada, o que as deixou extremamente vulneráveis.
Um ato contra a Criminalização dos Movimentos Populares e em Solidariedade à Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) está sendo convocado para amanhã, sábado, às 15h, na própria ENFF, em Guararema, em resposta à ação policial.
Operação Castra
A ação policial é parte da chamada Operação Castra, deflagrada pela Polícia Civil no Paraná e Mato Grosso do Sul, além de São Paulo. Policiais cumprem 26 mandados judiciais, sendo 14 de prisão, inclusive de lideranças do MST, que são acusadas de diversos crimes. A tentativa de criminalizar os movimentos sociais vem sendo repudiada por organizações de Direitos Humanos.
Um dos alvos da operação policial, no Paraná, é o vereador Claudelei Torrente de Lima (PT), o mais votado em Quedas do Iguaçu (PR) este ano. Ele e outros sete integrantes do MST foram detidos acusados de roubo, invasão de propriedade, incêndio criminoso, cárcere privado e porte ilegal de arma.
Em nota denominada “Mais Reforma Agrária e fim da criminalização do MST”, o movimento denuncia a “escalada da repressão contra a luta pela terra, onde predominam os interesses do agronegócio associado a violência do Estado de Exceção”.
“Lembramos que sempre atuamos de forma organizada e pacifica para que a Reforma Agrária avance. Reivindicamos que a terra cumpra a sua função social e que seja destinada para o assentamento das 10 mil famílias acampadas no Paraná”, afirma a nota.
“É um abuso de autoridade, uma violência desnecessária, ilegal”, afirmou Giane Alves, advogada do MST.
Paraná e Mato Grosso do Sul
O telejornal da Globo do Paraná noticiou a caçada aos integrantes do MST, com imagens da polícia saindo para a ação. No Bom Dia Brasil, da Rede Globo de Televisão, o âncora Chico Pinheiro já informava às 7h30 sobre a ação policial contra o MST no Paraná.
A investida policial aconteceu em Quedas do Iguaçu, Francisco Beltrão e Laranjeiras do Sul, com cerca de 70 policiais civis – segundo informações da polícia.
A investigação teria começado em março na Delegacia de Cascavel, após a invasão da Fazenda Dona Hilda, em Quedas do Iguaçu, quando empregados da propriedade teriam sido mantidos em cárcere privado e sob a mira de armas de fogo. Segundo o dono da terra, ele teve um prejuízo de R$ 5 milhões em danos à propriedade e após a invasão teriam sumido 1.300 cabeças de gado.
Em nota o MST relembrou o histórico de ocupações de terras na região de Quedas do Iguaçu, onde cerca de 3 mil famílias estão acampadas desde maio de 2014, e aponta para possíveis perseguições contra trabalhadores e líderes do movimento.
O advogado Claudemir Torrente Lima, que defende os investigados do MST, afirmou que “todas essas prisões são políticas”. Os presos ficarão detidos por trinta dias na Penitenciária Industrial de Cascavel.
O diretório estadual do PT, partido do vereador eleito preso, pede esclarecimentos das ações. “O PT-PR apoia a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por reforma agrária e por um País mais justo e solidário. Também repudia toda e qualquer tentativa de criminalização dos movimentos sociais. Por isso, exige das autoridades competentes um sério e criterioso esclarecimento a respeito dessas operações.”
Já no Mato Grosso do Sul, três viaturas policiais com placas do Paraná entraram no Centro de Pesquisa e Capacitação Geraldo Garcia (Cepege), em Sidrolândia, procurando por militantes do MST do Paraná que, supostamente, estariam naquele centro. O mesmo que aconteceu em São Paulo.
* Reportagem publicada originalmente no site Outras Palavras.