A Lava Jato, nos seus dois primeiros anos (2014 e 2015), parecia que iria atacar apenas a corrupção individual e empresarial. No máximo, dizia-se, ela chegaria à corrupção petista, que tinha o domínio das entranhas putrefatas da Petrobras. As elites corruptas chegavam a afirmar que se o grande líder petista fosse preso, tudo estaria de bom tamanho.
Em maio de 2016 divulgou-se o famoso áudio gravado pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, onde se ouvia o alerta de alguns velhos coronéis da política brasileira: “é preciso estancar a sangria”. Pelo estrondo dos relâmpagos os caciques com larga experiência na arte da rapinagem do dinheiro público sabem bem a força energética dos raios que se aproximam das suas cabeças.
O sistema corrupto atordoado, que nos rouba R$ 600 milhões por dia (R$ 200 bilhões por ano), contentou-se no princípio com as combatentes defesas individuais dos réus. Os criminalistas espernearam de todas as maneiras, defenderam a integridade do Estado de Direito e protestaram contra o fim da “omertà” (que é o silêncio da máfia).
A mídia repercutia as inflamadas censuras contra o novo sistema jurídico e probatório, inaugurado com as sequenciadas e contundentes delações premiadas.
Leia também
Publicidade
Vimos, a partir daí, o sepultamento definitivo do mito de que a corrupção emana exclusivamente do Estado e dos seus agentes. A velha tese do patrimonialismo só do Estado (sustentada por Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro etc.) caiu por terra. A corrupção sistêmica envolve tanto o mercado (grandes empresários e bancos) como agentes do Estado, cujas fortunas, em grande medida, provêm do surrupiamento do dinheiro de todos em favor de poucos (das oligarquias).
Desde o último trimestre de 2016, depois de já consumada a troca do governo, iniciou-se a defesa sistêmica da corrupção enraizada nas vísceras fétidas das elites dirigentes e governantes. As defesas individuais, fundadas no direito processual regido pelo liberalismo clássico, tornaram-se insuficientes para a preservação da corrupção sistêmica.
Para se alcançar a impunidade das classes dirigentes corruptas do País, todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) foram acionados para o desencadeamento de uma grande operação abafa, capaz de assegurar o “status quo”.
Em 7/12/16 o STF, curvando-se à pressão do poder político, manteve o réu Renan Calheiros na presidência do Senado. Depois assegurou-se o foro privilegiado em favor de quem fora protegido pela criação de um ministério especial.
A colonização do TSE, evidenciada no escandaloso julgamento em favor da chapa vitoriosa em 2014, foi a senha definitiva para a continuidade da operação abafa, que viria a estarrecer a nação com os privilégios concedidos a um senador gravado pedindo propinas a uma grande empresa um dia chamada de “campeã nacional”.
No âmbito dos poderes Executivo e Legislativo muita coisa já foi feita para a sobrevivência da corrupção sistêmica: corte orçamentário da polícia federal, desmantelamento da força-tarefa de Curitiba, escolha e nomeação de ministros e procuradores “de confiança”, troca do diretor-geral da polícia federal, discussão da nova lei de abuso de autoridade, proposta legislativa que proíbe as delações premiadas para presos, congelamento da emenda que acaba com o foro privilegiado, preservação da morosidade do STF para permitir que corruptos disputem as eleições de 2018 etc.
A luta Lava Jato “versus” sistema corrupto não será ganha por nocaute, e sim, por pontos (diz o ministro Ayres Britto). Daí a importância da cidadania vigilante, seja para apoiar a Lava Jato, seja para promover afaxina geral dos corruptos que nos governam nas próximas eleições.
Quem não confia na capacidade emancipadora do povo brasileiro tem ao menos o dever de fazer sua parte, para que o futuro do País não seja mera continuação do seu nefasto passado colonizador.