Em sessão plenária desta quarta-feira (7), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram derrubar a liminar de Marco Aurélio de Mello, que determinou o afastamento do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) do cargo de presidente do Senado na última segunda-feira (5). A partir da indagação feita pelo advogado-geral do Senado, Alberto Cascais, que questionou “a ausência do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório”, três ministros votaram a favor da deliberação de Marco Aurélio e seis votaram contrariamente à liminar.
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As maiores críticas durante o debate foram à recusa de recebimento do mandado de notificação sobre a decisão liminar do ministro. O oficial de justiça que tentou entregar o ofício com a decisão do Supremo ao peemedebista relatou, em carta, as inúmeras tentativas de fazer com que Renan Calheiros recebesse a notificação de afastamento. Durante a leitura do texto, feita por Marco Aurélio, o oficial citou, inclusive, ter visto o senador se despedir do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no interior da residência oficial da Presidência do Senado. Minutos depois, um dos funcionários da Casa foi até a porta e informou que Renan não estaria no local. Depois, a nova tentativa foi na Presidência do Senado. Mais uma vez, o oficial disse ter sido evitado por Renan.
“Ante o quadro presente, o impensável, o desrespeito à uma decisão judicial, a um pronunciamento do Supremo, propõe o referendo da medida cauteladora. Consideradas as posturas adotadas pelos destinatários das notificações, com sinalização de prática criminosa. É como voto”, destacou o ministro ao referendar, mais uma vez, a sua posição sobre o afastamento de Renan Calheiros da Presidência do Senado.
Logo no início da reunião, o ministro Marco Aurélio destacou a sessão realizada no dia 3 de novembro, em que o pleno do STF já havia votado, em sua maioria, pela impossibilidade de réus se manterem em cargos da linha sucessória da Presidência da República na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 402). A votação não foi referendada porque o ministro Dias Toffoli pediu vistas para analisar as argumentações apresentadas por mais tempo. Marco Aurélio também citou a decisão da Corte quando decidiu pelo afastamento do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), à época réu em dois inquéritos instaurados do STF e, hoje, preso no âmbito da Operação Lava Jato.
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“O processo não tem capa, tem conteúdo. O mesmo tratamento dado pelo plenário com idênticas Constituição e composição à situação jurídica do presidente da Câmara, cumprem-se e implementado ao presidente do Senado. Fora isso, é uma variação inconcebível. O total desprestígio ao Supremo aos olhos da comunidade jurídica, acadêmica e política. Ao fim, da sociedade. Hoje, encontra-se desafiado no que sequer conseguiu notificar o presidente, o vice-presidente e o primeiro-secretário da decisão proferida. Que não se fizeram em lugar incerto e não sabido. Ficando um triste exemplo para o jurisdicionado em geral. O Supremo não pode despedir-se do dever de tornar prevalecente a ótima já adotada. O foi no corrente ano, sem que isso importe, provocação ao Poder Legislativo”, questionou o ministro autor da liminar.
“Caso provocação haja, esta está na inconcebível, intolerável, grotesca postura de desrespeitar o extremo órgão judicial. Recusado, até mesmo, o simples ciente nos mandados de notificação espedidos. Receio o amanhã caso prevaleça visão acomodadora dando-se o certo, por errado. O dito, pelo não dito. O abandono total do princípio básico constitucional segundo o qual, o réu, em processo crime, não pode ocupar cargo na linha de substituição do presidente da República, seja presidente da Câmara, quando já foi proclamada em uma só voz. Seja do Senado, ou mesmo do Supremo. A Constituição é uma”, detalhou Marco Aurélio.
Daniel Sarmento, advogado da Rede Sustentabilidade, autora do pedido de afastamento, destacou que a alternativa que vem sendo debatida, pelo afastamento do peemedebista apenas da linha sucessória, mantendo-o na Presidência do Senado, não é “satisfatória sobre o prisma constitucional”. Daniel também avaliou que, ao se tornar réu, Renan passou a representar um “grave risco” para a continuidade do trabalho realizado pelo Senado. Ele explicou também que o pedido de vista de Toffoli sobre a análise do caso que impede que réus assumam cargos da linha sucessória perde a validade uma vez que ao acolher a denúncia sobre peculato, a demora na decisão causaria um “perigo” real para o Legislativo.
“Quando se tem um presidente do Senado envolvido em uma ação penal, admitida por essa Corte, será que subsiste essa ideia? Será que a legitimidade de decisões tomadas pelo Congresso e pelo Senado, será que isso não é abalado? Então, se nós temos leis tão importantes em tramitação e se discute até a mudança da Constituição em emendas controversas, não é exatamente nesse cenário não é fundamental que haja uma atmosfera de normalidade que gere na sociedade a crença de que o processo Legislativo é absolutamente legítimo? Então, essa circunstância de haver questões tão importantes pendentes de deliberação no Senado reforça o periculum in mora (perigo na demora)”, ressaltou.
Os votos
O ministro Celso de Mello, decano do STF, foi o primeiro a se manifestar e votou pela impossibilidade de réus ocuparem a Presidência da República. Entretanto, afirmou que a decisão não abrange as chefias do Senado, Câmara e Supremo Tribunal Federal, não enxergando, portanto, justificativa para afastar o peemedebista da presidência do Senado. Essa foi a mesma posição tomada durante a sessão do dia 3 de novembro, quando a ADPF 402 foi analisada pelo plenário. Apesar disso, Celso de Mello não deixou de criticar a dificuldade de notificar Renan Calheiros sobre a decisão liminar de Marco Aurélio.
“No estado democrático de direito não há espaço para o voluntário e arbitrário desrespeito ao cumprimento de decisões judiciais. Pois a recusa de aceitar o comando emergente dos atos cetenciais, sem justa razão, fere o próprio núcel conformador, e legitimador, da separação de Poderes”, detalhou. Em seu voto, o decano descatou ainda que “desobedecer sentenças do Poder Judiciário significa praticar gesto inequívoco de desprezo inaceitável pela integridade e pela supremacia da lei fundamental de nosso país”, disse. O ministro Dias Toffoli acolheu o mesmo pensamento.
Já o ministro Edson Fachin, de forma breve, declarou que “entende que não pode ser presidente do Senado, e não deter, diante da condição de réu, a prerrogativa de substituir o presidente da República”, ao reiterar o voto que proferiu quanto ao mérito do julgamento da ADPF 402, quando acompanhou o relator da matéria.
O ministro Teori Zavascki citou que o presente julgamento remeteu ao voto relatado por ele quando a decisão foi sobre a permanência de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na Presidência da Câmara. “Naquela oportunidade eu defendi que diante da imposição constitucional de que quem exerce a Presidência da República, não pode ser réu em ação penal com denúncia recebida no STF. A consequência, para mim, indubitável, é que fica esse exercente desse acusado, também inibido de exercer a presidência do seu próprio órgão de origem”, explicou. Entretanto, destacou que a liminar não permitiu a ampla defesa e, por isso, votou junto ao decano Celso de Mello.
Rosa Weber também seguiu o relator. Ela destacou que “aquele que não reúne os requisitos subjetivos para o exercício desse cargo, tão pouco pode assumir, ou permanecer, em qualquer dos cargos inscritos na respectiva linha de substituição [da Presidência da República]”.
Luiz Fux afirmou que o periculum in mora (perigo na demora) que existe é ligado ao possível afastamento. “Tendo em vista a inexistência de previsão constitucional de afastamento e tendo em vista uma agenda política nacional que clama por socorro e deliberação imediata, nós estamos vivendo, quer queira quer não, uma anomalia institucional”, destacou. “O momento atual é de anormalidade institucional. É um momento que, de alguma forma, há uma perplexicidade quanto à harmonia e independência entre os Poderes”, finalizou.
“Verifico que, embora significativos, os seis votos já proferidos na ADPF 402 ainda são provisórios. […] Eu referendo a liminar, só que em menor estensão, apenas para impedir a substituição do presidente da República por alguém que responda a processo criminal perante essa Corte”, declarou o ministro Ricardo Lewandowski.
A ministra realçou que está de acordo “com a liminar deferida no que se refere que àquele que, estando em condição de réu, e que portanto, na condição de eventual substituto, não pode exercer o cargo que tenha, entre as suas atribuições, esta”, e seguiu o voto de Celso de Mello. “Entretanto, como foi destacado aqui, o deferimento de uma liminar antes do término daquele julgamento e antes da finalização do inquérito no qual, se tornou réu o interessado no caso, faço com que, nos estritos termos da lei, eu não possa deferir nesta parte, a liminar, pela circunstância de que a lei exige requisitos muito estritos para que se possa, desta forma, fazer com que o afastamento seja imediato determinado sem o cumprimento dos prazos fixados no regimento”, disse ao defender a independência e a harmonia dos Poderes.
Crise entre os Poderes
Enquanto isso, o advogado-geral do Senado, Alberto Cascais, avaliou que é “indubitável que há um atrito institucional entre os Poderes”. “E diante de situações extremas ocorre, também, fatos e medidas extremas”, ponderou. De acordo com Alberto, a reação dos parlamentares da Casa foi de “surpresa extrema”, uma vez que o Senado não pôde se manifestar sobre a liminar.
“Surpreende, enfim, a ausência do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Diante de tudo isso, a Mesa do Senado quer a anulação do processo da ADPF 402 para que seja promovida a notificação do Senado Federal para apresentar suas razões. Alternativamente, como medida menos drástica, como a que se adotou, requer-se o simples afastamento do presidente Renan Calheiros da linha sucessória da Presidência da República”, questionou.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, discordou, e afirmou que não existe “nenhum atrito entre os Poderes”. “O que acontece é que, os Poderes estão trabalhando, estão operando, cada um dentro dos seus limites, isso não pode ser visto como atrito”, explicou. Ainda segundo Janot, o que se discute no momento é a liminar do ministro Marco Aurélio, e por isso, não cabe o pedido de nulidade da ADPF 402.
Janot também fez duras críticas à “recusa de um chefe de Poder do Estado” de receber uma intimação expedida pela “mais alta Corte” do país em “dribles sucessivos, registrados e certificados pelo senhor oficial de justiça”. Para Janot, “houve a recusa expressa de um dos Poderes da República em cumprir uma ordem judicial por horas”.
“Desafiar uma decisão judicial é como que desafiar as noções fundamentais de um estado democrático de direito. Aceitar que uns poucos cidadãos podem o mais, podem escolher, arbitrariamente, quando, e se, se submeterão aos mandamentos legais e jurisdicionais. Como tenho dito desde a minha primeira sabatina no Senado, exige a República, não mais aqui, que pau que dá em Chico, dê em Francisco”, disse o procurador-geral.