Eduardo Militão*
Além conceder aumentos de até 40% e custar, segundo as primeiras projeções, R$ 500 milhões no ano que vem, o novo plano de carreira dos servidores da Câmara agora gera confusão. O plano, que afeta 3.582 servidores efetivos da Câmara e 1.315 ocupantes de cargos de natureza especial (CNEs), está dividindo a categoria. Os técnicos legislativos, funcionários de nível médio, reclamam do percentual de aumento recebido em relação a alguns analistas, os colegas de nível superior. Mais: alguns dizem que sofreram redução no salário no último contracheque, valor que pode significar R$ 1.500 a menos no orçamento.
O Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo (Sindilegis), que trabalhou pela aprovação do plano, admite que há “distorções” na lei e que o plano não é “o paraíso” (veja entrevista). O Congresso em Foco acompanhou na segunda-feira (23) tensa reunião da entidade com 400 funcionários indignados. Na reunião, o presidente do sindicato, Nilton Paixão, pediu desculpas aos representados, e disse que não era bom haver divisão entre a categoria.
A assessoria da Câmara informou ao Congresso em Foco que apenas três pessoas foram prejudicadas com a mudança no plano, mas nenhuma chegou a perder R$ 1.500. Disse ainda que ninguém teve o salário reduzido. Houve apenas ajuste na função comissionada (FC), um dos itens do contracheque dos funcionários.
Na segunda-feira (23) à tarde, 400 dos 1.800 técnicos legislativos fizeram uma reunião no auditório Nereu Ramos da Câmara para reclamar da redução da remuneração de alguns deles. Estavam presentes Paixão e representantes dos técnicos, seguranças e aposentados. “Até 30 de junho, eu era feliz. A partir do contracheque de julho, eu me senti humilhado”, discursou Vagner Padilha, um dos muitos técnicos que subiram à tribuna para se queixarem da situação.
Uma servidora com 35 anos de Casa reclamava que sua remuneração tinha diminuído em R$ 1.500. “Eu pago três faculdades, para uma filha e duas sobrinhas. Uma vai ter que parar o curso”, afirmou ela, que pediu para não ser identificada.
O tesoureiro da Associação dos Técnicos (Astec), Paulo Sérgio Santos, disse que alguns colegas perderam R$ 500 na remuneração mensal. Agora, os servidores ratificam o que o Congresso em Foco dissera quando o plano foi divulgado: que ele tramitou sem transparência. “Ninguém teve acesso ao plano. Não houve divulgação e publicidade”, afirmou ele ao site.
Não faltaram palavrões e críticas nominais aos diretores da Câmara na reunião. Os técnicos criticavam a “elite” e “os barões” da Casa. “Fiquei com saudade do Adelmar Sabino [ex-diretor-geral da Casa, afastado na gestão de Aécio Neves na presidência da Câmara e considerado superpoderoso]. Ele fazia planos faraônicos, mas pelo menos nos dava migalhas”, protestava Filon Curado.
Compensação
Para muitos servidores, os aumentos de até 40% foram feitos em compensação a reduções salariais de outros. “Um plano de carreira feito para agradar uma elite da Câmara. Distorção para beneficiar um grupo pequeno”, reclamou outro, na tribuna.
Paixão completou o raciocínio do colega ao dizer que “certamente” há outras distorções a serem verificadas. Ele disse que a negociação do plano foi “profundamente difícil”. “Me desculpem, fomos omissos. Confesso que agora é que a gente está tomando pé da situação”, afirmou o presidente do Sindilegis, que, após a aprovação, elogiava o plano de carreira.
Ao final da reunião, os servidores resolveram fazer nova reunião, “exigindo” a presença da direção da Câmara e dos analistas. “O que não pode acontecer aqui é dividir a categoria”, alertou Paixão. Os servidores prometeram aumentar a temperatura dos protestos, recorrendo ao Ministério Público e fazendo atos públicos contra o plano de carreira.
Novatos
Em linhas gerais, a remuneração dos funcionários da Câmara é composta pelo vencimento básico, a Gratificação de Atividade Legislativa (GAL), a função comissionada (FC), caso o servidor exerça algum cargo de chefia, e vantagens pessoais – como incorporações obtidas no passado e experiência na Casa.
A assessoria da Câmara disse que apenas três servidores foram prejudicados com a mudança no plano. A assessoria do primeiro secretário, deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), disse que ele não se ateve a detalhes do projeto e que houve participação do Sindilegis na discussão da lei.
Um dos membros do comitê que elaborou o plano, o chefe de gabinete de Rafael Guerra, Flávio Alencastro, afirma que as reduções se devem também aos vetos da Presidência da República ao texto aprovado no Congresso. Além disso, ele lembra que o valor das FCs baixou, o que atingiu principalmente os funcionários novatos, admitidos em 2009. E Alencastro lembrou que retirar o valor da FC é normal, quando a pessoa deixa de exercer certo trabalho.
“Remuneração envolve tudo”, disse Alencastro. “Hoje, eu estou chefe de gabinete. Amanhã, se eu não estiver, minha remuneração será menor.”
Alencastro lembrou que o paradigma que norteou a elaboração do plano era aumentar a remuneração final dos analistas de R$ 13 mil (sem incluir as vantagens pessoais) para R$ 19 mil por mês, e equiparar os salários à Esplanada.
Mas o veto da Presidência ao adicional de especialização atrapalhou esse objetivo. Segundo Alencastro, isso atingiu todos os funcionários, analistas e técnicos. Ele diz que hoje apenas sete servidores conseguiram obter o adicional máximo, que garante uma renda extra de R$ 1.900 por mês.
* Colaborou Fábio Góis.
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