Renata Camargo
A Procuradoria Geral da República entrou nesta quinta-feira (9) com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de liminar contra artigos da lei que resultou da polêmica MP 458, conhecida como MP da Amazônia. A lei trata sobre o processo simplificado de regularização fundiária de terras ocupadas na Amazônia Legal e os questionamentos da PGR recaem sobre três artigos que, para a Procuradoria, devem ser considerados inconstitucionais.
O primeiro deles é o item que trata sobre as terras ocupadas por comunidades quilombolas. O texto inicial da medida encaminhada pelo Executivo ao Congresso previa que não seriam passíveis de alienação ou concessão de direito real de uso terras “tradicionalmente ocupadas por populações indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais”.
No texto aprovado pelo Congresso, as terras ocupadas por populações remanescentes quilombolas foram retiradas do rol de terras que não passíveis de regularização. O texto traz apenas uma ressalva de que essas terras serão regularizadas conforme normas específicas. Segundo a PGR, a mudança possibilita que terras consideradas quilombolas sejam regularizadas em nome de terceiros.
Vistoria
A Procuradoria também critica fortemente a dispensa de vistoria prévia para verificar as áreas ocupadas em imóveis rurais de até quatro módulos fiscais. Essa previsão, vinda do Executivo, que acatou ponderações do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), é embasada no argumento de que a vistoria prévia nesses imóveis retardaria ou mesmo inviabilizaria um processo de regularização fundiária simplificado na Amazônia.
Para a PGR, no entanto, a dispensa de vistoria “constitui verdadeiro convite à fraude, ao permitir que títulos de propriedade ou concessões de direito real de uso sejam outorgadas a pessoas que não ocupam diretamente as áreas reivindicadas”.
A Procuradoria argumenta que “a falta de vistoria impedirá o Poder Público de verificar se há no local conflitos fundiários” e que “a economia de trabalho e tempo dos órgãos e servidores públicos que deixarão de fazer as vistorias nem de longe compensa a gravíssima lesão ao patrimônio público.
Meio ambiente
Outro ponto questionado é o dispositivo que traz as condições resolutivas que devem ser cumpridas para que o posseiro regularize sua terra. A cláusula que dispõe sobre as condições ambientais é considerada pela PGR como uma “violação do dever estatal de proteção do meio ambiente amazônico”.
De acordo com a PGR, o legislador errou ao não condicionar “a regularização fundiária à recuperação das áreas já degradadas no passado pelo próprio ocupante” e ao prever que “apenas o desmatamento irregular realizado na área de preservação permanente ou de reserva legal daria ensejo à reversão da área em favor da União, mas não o desmatamento irregular em outros trechos das terras regularizadas”.
Na avaliação da Procuradoria, “o legislador falhou gravemente no seu dever de proteção em relação ao meio ambiente, premiando aqueles que lesaram a floresta Amazônica no passado, ao não lhes impor, como condição para fruição da benesse legal, sequer a recuperação da degradação a que deram causa”.
Prazos
A Adin sugere ainda a inconstitucionalidade do artigo que prevê prazos diferenciados para a venda das terras regularizadas. De acordo com o texto aprovado no Congresso, proprietários de imóveis rurais com área de até quatro módulos fiscais só poderão transferir o título da terra após o prazo de dez anos. Mas proprietários de terras acima de quatro até 15 módulos fiscais podem vender as terras no prazo de três anos.
Para a Procuradoria, o dispositivo fere o princípio da isonomia previsto na Constituição e não há justificativa para “tratar de maneira muito mais favorável os que adquirem terras maiores em relação àqueles que recebem áreas menores”. “Além da ofensa à igualdade, verifica-se um nítido desvio de poder legislativo, já que não se vislumbra na diferenciação adotada qualquer resquício de interesse público, mas apenas o indisfarçado propósito de favorecer os mais poderosos”.
Entre os argumentos utilizados para defender no Congresso prazos diferenciados, está o fato de que, de acordo com o texto da proposta, posseiros de terras acima de quatro módulos terão que pagar pela área, enquanto posseiros de terras abaixo desse limite terão suas posses regularizadas de maneira gratuita.