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Este é o primeiro inquérito aberto contra o deputado peemedebista no Supremo para apurar se ele tinha conhecimento do golpe. Em uma segunda apuração, Mabel foi inocentado. Laudo de exame grafotécnico da Polícia Federal atestou que eram falsas as assinaturas atribuídas ao parlamentar em 28 dos 29 documentos onde havia movimentação de funcionários fantasmas em seu gabinete. Como não havia indícios consistentes contra o parlamentar, o caso voltou à Justiça Federal.
A assinatura verdadeira – uma em um universo de 84 firmas – está num documento que altera o salário do pasteleiro Severino Lourenço dos Santos, utilizado como laranja do esquema. É este caso específico que é investigado pelo Supremo no Inquérito 3421, no qual agora o Supremo determinou novas apurações. Severino e o ex-motorista de Mabel Francisco José Feijão de Araújo, o Franzé, também são investigados.
A contratação do pasteleiro também fez a Procuradoria da República no Distrito Federal abrir uma denúncia na 10ª Vara Federal, no final de fevereiro, contra Franzé e outros suspeitos sem direito a foro privilegiado no Supremo. Severino foi considerado vítima do esquema, pois foi enganado ao assinar documentos que pensou servirem para receber benefícios do Bolsa Família para suas filhas. A Procuradoria da República no DF não investigou Mabel porque, como deputado federal, ele só pode ser alvo de apuração no Supremo.
Procurado pela reportagem, o gabinete do deputado não prestou novos esclarecimentos. No ano passado, porém, negou qualquer participação no esquema e afirmou ser “vítima de uma quadrilha”. “As investigações trarão a verdade à tona e continua se colocando sempre à disposição para elucidação deste infeliz episódio”, afirmou Mabel em nota ao site.
Ex-motorista enrolado
Em manifestação que consta do Inquérito 3421 no STF, o procurador da República no Distrito Federal Bruno Calabrich afirma haver “indícios de que o deputado federal Sandro Mabel foi o responsável, pessoalmente ou por intermédio de seu motorista Francisco José Feijão de Araújo, pela contratação irregular de Severino como servidor ‘fantasma’ de seu gabinete, tendo, naturalmente, pleno conhecimento do pagamento indevido das correspondentes vantagens”. Com base nessa manifestação, a juíza Pollyanna Kelly Martins Alves, da Justiça Federal de Brasília, remeteu o caso para o Supremo, onde a investigação caminha desde 2012.
Na denúncia à 10ª Vara, que só envolve personagens sem foro privilegiado, Bruno Calabrich diz que Franzé, sua esposa, Abigail Pereira, a chefe de gabinete de Mabel, Maria Solange Lima, e mais duas pessoas “subtraíram, em proveito próprio ou alheio, valores correspondentes às remunerações” do pasteleiro Severino. Como mostrou o Congresso em Foco, o pasteleiro recebia até R$ 7 mil por mês, entre salários e benefícios, como auxílio-creche e vale-transporte.
Mas ficava apenas com um valor de R$ 100 para cada um de seus filhos, referentes ao suposto “benefício social”. O salário de Severino como caixa e garçom da pastelaria é de apenas R$ 800 por mês para manter a família, incluindo a ex-mulher e os quatro filhos. Era R$ 100 para cada um [filho]. Era uma espécie de um bolsa-escola”, disse o pasteleiro ao site há dois anos, quando passou a ser investigado pelo Supremo junto com Mabel e Franzé. “Os outros fazem a bagaceira e quem se lasca é o pobre. Eu caí como laranja nisso aí. O que é que eu tenho a ver com isso?”
De acordo com a denúncia de Calabrich, recém-apresentada à Justiça de primeira instância, pessoas como o pasteleiro “eram arregimentadas sob a promessa de que poderiam obter um ‘auxílio governamental’ que beneficiaria seus filhos menores”. Mas na verdade não sabiam da fraude. “Eram orientados a assinar diversos documentos, inclusive procurações, abrir contas bancárias e apresentar documentos pessoais para poderem receber o ‘auxílio’.”
Franzé fez Severino assinar os papéis, mas reteve o cartão bancário da conta-corrente pela qual o pasteleiro recebia os salários da Câmara.
Lavagem
Para usar o dinheiro produto do crime sem deixar vestígios, Franzé usou técnicas de lavagem de dinheiro, segundo Calabrich. Ele recebeu valores das mãos de Solange Lima para pagar despesas do gabinete de Mabel. Mas usou a do pasteleiro na Caixa Econômica para quitar as despesas. Em depoimento, Solange disse que Franzé “fazia ‘serviços gerais’ no gabinete do deputado, sendo comum que os funcionários lhes entregassem contas a pagar e solicitações de depósitos diversos”.
Aproveitando-se disso, narra o Ministério Público, o então motorista do parlamentar ficava com os valores em espécie e fazia os pagamentos com transferências bancárias a partir da conta do pasteleiro. “Fazia ‘favores bancários’ para colegas que trabalhavam com ele”, disse Calabrich na denúncia.
Conheça os denunciados, os investigados e o que eles dizem
O que dizem os investigados e denunciados no caso
Aliada do deputado
Além de favores aos colegas, Franzé pagou R$ 50 de uma dívida do gabinete de Mabel com Clayton Fonseca e fez depósitos na conta de Andreza Batista, que era encarregada de comprar presentes para aniversariantes do gabinete e ser reembolsada posteriomente.
O motorista ainda fez depósitos mensais à filha da prefeita de Flores de Goiás (GO). O objetivo era pagar a faculdade da moça cuja mãe era aliada política do parlamentar. “Fez depósitos em benefício de Débora Ferreira Leal para, segundo informado por Maria Solange, custear a faculdade de Débora, a pedido do deputado Sandro Mabel”, narra o procurador.
Apesar de pedir a condenação de Maria Solange por peculato, Calabrich pede que a Justiça analise a hipótese de ela ser beneficiada com o mecanismo da delação premiada, já que colaborou “significativamente” com as investigações que permitiram narrar a lavagem de dinheiro. Entre os benefícios que pode obter, estão a redução da pena e a absolvição do crime imputado pela Procuradoria.
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