Reportagem de O Globo revela que a Polícia Federal não flagrou apenas conversas entre assessores parlamentares e os responsáveis pelas fraudes identificadas pela Operação Sanguessuga. Relatório reservado em poder da CPI que investiga o esquema mostra que pelo menos 17 parlamentares também foram fisgados em comprometedoras conversas com Darci José Vedoin e Luiz Antônio Vedoin, apontados como chefes da organização acusada de vender ambulâncias e ônibus escolares superfaturados.
Nas conversas, deputados e acusados de envolvimento com a máfia da ambulância conversam sobre as fraudes, emendas parlamentares e projetos políticos pessoais, entre outros delicados assuntos que, mais tarde, se tornariam o centro de um dos maiores escândalos dentro do Congresso Nacional desde a CPI do Orçamento, no início da década passada.
A matéria, de Jailton de Carvalho, diz que, nos diálogos, deputados e empresários economizam palavras, usam códigos e, em alguns casos, deixam para tratar em encontros pessoais de algumas questões não declaradas. Desde o ano passado, a máfia dos sanguessugas sabia que estava sendo grampeada pela Polícia Federal.
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Num dos diálogos mais inusitados, o deputado Neuton Lima (PTB-SP) manda Luiz Vedoin, a quem chama de Luizão, levar oito ambulâncias de uma frota de 17 recém-adquiridas para um barracão em Indaiatuba, cidade do interior de São Paulo. “O deputado diz que já pode mandá-las para Indaiatuba e guardá-las em barracão dele”, informa o relatório. Numa conversa posterior, Luiz Vedoin comenta com o pai, Darci Vedoin, sobre o “pagamento de R$ 10 mil ao deputado”, acrescenta o documento. Em resposta, Darci diz que “negociará retribuição”.
O deputado Fernando Gonçalves (PTB-RJ) é mais cauteloso. Ele telefona para Darci e chama o empresário para uma conversa no gabinete. Mas o cuidado foi em vão. Num diálogo com o filho, Darci Vedoin revela tudo o que teria falado com o deputado e pergunta se ainda “tem alguma coisa” que poderia ser feita para ele. Um dos dois diz que “já deram R$ 250 mil” ao deputado e que, se Gonçalves apresentar algumas emendas, em duas semanas seria possível ampliar a ajuda financeira. “Luiz conclui dizendo que depois de carimbar as emendas, ele manda de R$ 20 mil a R$ 30 mil para o deputado”, diz o relatório.
O deputado Nilton Capixaba (PTB-RO), segundo-secretário da Mesa, considerado um dos mais próximos aos Vedoin, é o mais demorado nos diálogos. Capixaba foi flagrado em conversas com Darci e Luiz Vedoin. O deputado reclama do vazamento de informações sobre as fraudes e demonstra preocupação com as investigações do Ministério Público Federal. Capixaba alerta a Darci que “se forem feitas vistorias, vai dar pepino”. Com experiência no ramo, o empresário ensina o deputado a dizer que “as ambulâncias chegaram com defeito”.
O relatório reservado apresenta ainda várias outras conversas em que, embora não tratem de dinheiro, emendas ou ambulâncias, deputados e sanguessugas demonstram extrema intimidade. Numa dessas séries de conversas, o deputado João Caldas (PP-AL) chama Darci Vedoin de amigo. O empresário trata Caldas, quarto-secretário da Mesa, como “patrão”. As conversas, mencionadas no relatório, foram gravadas pela Polícia Federal com autorização judicial durante a Operação Sanguessuga.
Veja os trechos das conversas reproduzidos por O Globo:
Dezessete deputados foram flagrados pela PF em conversas por telefone com Darci José Vedoin, Luiz Antônio Trevisan Vedoin e Maria da Penha Lino, entre outros chefes da máfia dos sanguessugas, segundo relatório em poder da CPI dos Sanguessugas. Algumas conversas são vagas, outras cifradas e algumas muito comprometedoras:
Fernando Gonçalves (PTB-RJ)
Liga para Darci Vedoin e o chama para conversar em seu gabinete.
Isaías Silvestre (PSB-MG)
Diz a Darci Vedoin, em código, que algo “deu certo”. Vedoin confirma o “recebimento de valores”.
João Caldas (PL-AL)
Quarto secretário da Mesa, o deputado chama Darci Vedoin de amigo. Vedoin chama o deputado de patrão.
José Divino (PRB-RJ)
Pede a Raquel, funcionária de Luiz Antônio Trevisan Vedoin, para avisar o empresário que ele ligou.
Lino Rossi (PP-MT)
Atualmente licenciado, pede a Darci Vedoin que fale com uma mulher identificada como Célia sobre compra de ambulâncias pela Assembléia Legislativa de Mato Grosso. O deputado também conversa sobre emendas com Maria da Penha Lino.
Nélio Dias (PP-RJ)
Conversa com Darci Vedoin sobre problema na compra de carro em Ipanguassu, que teria sido descoberto pelo Tribunal de Contas da União.
Neuton Lima (PTB-SP)
Chama Luiz Vedoin de Luizão e manda o empresário guardar oito de 17 ambulâncias compradas com verbas federais num barracão em Indaiatuba (SP).
Nilton Capixaba (PTB-RO)
Em longos diálogos, fala com Darci e Luiz Vedoin sobre os riscos de uma investigação sobre as licitações para as compras de ambulâncias. Num determinado momento, o deputado diz que “se forem feitas vistorias, vai dar pepino”. Darci Vedoin ensina Capixaba a dizer que as ambulâncias chegaram com defeito.
Osmânio Pereira (PTB-MG)
Conversa com Ivo, genro de Darci Vedoin. O deputado diz que “o ministro quer pagar o processo”, mas o projeto do Hospital São Francisco estaria irregular. Deputado diz que preços estão superfaturados e “ficou chato”.
Pedro Henry (PP-MT)
Liga para Maria da Penha Lino e pede que ela interceda para agilizar a tramitação um processo de construção de um ambulatório. O projeto estaria no Ministério da Saúde.
Irapuan Teixeira (PP-SP)
Ele e Darci Vedoin falam por telefone e marcam uma conversa para “tomar um café”.
Eduardo Gomes (PSDB-TO)
Combina com Darci Vedoin doação de ambulância para Figueirópolis.
Eduardo Seabra (PTB-AP)
Fala com Darci Vedoin sobre projeto político ambicioso em alguns munícípios. Vedoin diz não querer falar muito naquele número de telefone.
Elaine Costa (PTB-RJ)
Cobra de Luiz Antônio Trevisan Vedoin dois carros. Vedoin fala da dificuldade de entregar carros licitados pagos com um único cheque.
Enivaldo Ribeiro (PTB-PB)
Conversa com Ronildo Medeiros, um dos sócios dos Vedoin, sobre a vitória nas eleições de Campina Grande.
Jeferson Campos (PTB-SP)
Fala com Darci Vedoin e marca encontro com o empresário para o dia seguinte.
Benedito
Darci Vedoin diz ao deputado, identificado apenas como Benedito (a Câmara tem dois parlamentares chamados Benedito), que mandou 20 das 40 ambulâncias. Darci ressalta amizade e favores que teria feito ao deputado.
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