O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, afirmou nesta quinta-feira (14) que a nacionalização das refinarias que a estatal mantém na Bolívia pelo governo de Evo Morales inviabiliza os investimentos da empresa naquele país. Segundo o dirigente, além da possível perda do capital investido pela estatal brasileira, a medida representa um "enorme risco tributário".
"Esse decreto das refinarias inviabiliza as atividades da Petrobras na Bolívia", afirmou Gabrielli, em coletiva no Rio de Janeiro. A estatal detém as duas únicas refinadoras do país andino, sendo responsável por quase 100% da gasolina consumida pelos bolivianos e por 22% dos impostos arrecadados pelo governo.
O presidente da Petrobras disse que vai entrar com recurso revogatório no Ministério de Hidrocarbonetos da Bolívia para questionar a legalidade do decreto. Caso não obtenha resposta, a alternativa será recorrer ao tratado entre Bolívia e Holanda para investimentos em recursos minerais no país andino. "Vamos recuperar os recursos que foram investidos", garantiu.
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Com o decreto, regulamentado na terça-feira, o controle acionário delas e as receitas passaram para a YPFB, estatal de hidrocarbonetos da Bolívia. A Petrobras tem direito agora a receber apenas uma porcentagem dos lucros, a critério do governo boliviano.
Com isso, eles teriam de assumir também os impostos da empresa, mas Gabrielli alertou que esse ponto representa um risco tributário para o Brasil. "Nós perdemos o caixa, a YPFB diz que vai pagar os impostos. Porém, a responsabilidade desse impostos é nossa", disse. O dirigente assegurou, no entanto, que os investimentos da Petrobras na Bolívia são pequenos em relação ao patrimônio da empresa. "Representa pouco para a Petrobras e muito para a Bolívia."
Gabrielli questionou também o argumento para tomar conta das refinarias sem indenizar a estatal brasileira. Segundo o governo da Bolívia, a Petrobras já teria obtido lucros de US$ 320 milhões acima do permitido pela lei com as refinarias, adquiridas em 1999 por US$ 100 milhões (US$ 180 milhões se fosse hoje).
"É um número (US$ 320 milhões) que nós rejeitamos integralmente. Não tem fundamento técnico nenhum", refutou o presidente da estatal. Segundo ele, o lucro da empresa margeou a casa dos US$ 14 milhões ao ano.
Recurso
A Petrobras boliviana é subordinada à Petrobras Holanda e está submetida às regras comerciais européias. Se o governo de Evo Morales contestar os recursos da estatal brasileira, pode sofrer sanções do Banco Mundial, em Washington. O processo, no entanto, pode levar mais de seis meses.
"O tratado (Bolívia/Holanda) não tem poderes para revogar o decreto, portanto a soberania da Bolívia está garantida, mas pode exigir o ressarcimento dos investimentos", garantiu o dirigente.
Gabrielli disse que não compreende qual é, de fato, o posicionamento do governo boliviano em relação às transações comerciais com o Brasil. "Nós consideramos que há uma certa imprecisão, uma certa indefinição de quais são os rumos reais e de para onde quer ir o governo boliviano nas negociações com a Petrobras", disse.
Ele lembrou que a decisão de Morales foi divulgada às vésperas de sua viagem ao país vizinho para negociar o preço do gás natural vendido para o Brasil. "Na véspera de nossa viagem, o presidente faz esse ato unilateral e inadequado para a situação do refino boliviano."
Abastecimento de gás
O dirigente da Petrobras afirmou que o abastecimento de gás no Brasil está garantido porque a estatal não vai boicotar a Bolívia. "Não tem absolutamente nada a ver com o abastecimento de gás. As negociações em relação ao preço (do gás) continuam sendo feitas normalmente", explicou.
Segundo Gabrielli, a Bolívia tem um contrato de fornecimento de gás com o Brasil até 2019 que não está sendo contestado por Evo Morales. Ele afirmou ainda que a idéia é evitar maiores conflitos porque metade do gás natural consumido por aqui vem do país vizinho. "Temos que garantir o contrato."
Questionado se a Petrobras deveria deixar a Bolívia frente ao risco de o Brasil, sem aviso prévio, ter a distribuição de gás suspensa, Gabrielli ironizou: "O que significa sair? Colocar a refinaria na cabeça e fechar a porta? Nós não somos irresponsáveis", concluiu.
Reação do Planalto
O ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, afirmou hoje que o governo vai reagir de maneira firme à decisão de Evo Morales porque a Bolívia rompeu o acordo de negociação da exploração dos hidrocarbonetos no país. Depois da nacionalização do gás natural boliviano, em maio, partiu do país andino a iniciativa de procurar o Brasil para negociar o preço do combustível vendido para cá.
Rondeau disse que o presidente Lula foi surpreendido pelo decreto pois as negociações com os bolivianos caminhavam para um entendimento nas últimas semanas. Ele admitiu que o cancelamento da viagem teve o apoio direto do Planalto. "O presidente reagiu, porque o assunto surpreendeu. Sinto uma postura firme do presidente de que as coisas não podem ser desse jeito", afirmou.
A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, declarou hoje (14) que o governo está atento e preocupado quanto à decisão do governo boliviano. "O governo está olhando com cuidado para essa questão, está preocupado e avalia como algo grave que é a resolução do governo boliviano. Havia um processo em andamento e não esperávamos (a decisão da Bolívia), mas o governo vai se posicionar", disse.
Na época da nacionalização das refinarias de gás natural, o governo brasileiro agiu de forma diplomática. Sustentou que a Bolívia era um país pobre e, por isso, procuraria resolver o impasse por meio do diálogo, sem recorrer a sanções internacionais.