Antonio Joaquim *
Os tribunais de contas do Brasil enfrentam dois grandes problemas: 1) são instituições praticamente desconhecidas pela sociedade no geral e mal compreendidas pelos que formam opinião e pelos políticos que decidem os destinos das nossas instituições; 2) funcionam como um arquipélago composto por 34 “ilhas” independentes em um cenário que exige o funcionamento pelo conceito de continente.
A solução existe e precisa sair da boa intenção: é a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas (CNTC), ente estatal correcional e, principalmente, responsável pela consolidação do sistema nacional de controle externo. As principais atribuições do sistema são a fiscalização planejada e harmonizada da gestão dos recursos públicos, o combate articulado da má utilização do dinheiro público e o enfrentamento institucional, efetivo e sumário da corrupção.
A culpa pelo primeiro problema é dos próprios tribunais de contas. Por décadas foram instituições fechadas, berço esplêndido de muitos políticos em fim de carreira e, em muitos casos, braços gentis e ineficientes dos governantes responsáveis pela indicação dos seus integrantes. Realidade que se alterou drasticamente neste século, mas que, infelizmente, passa despercebida. A qualidade na composição melhorou muito, seja pelo maior cuidado nas indicações em respeito à importância constitucional da instituição, seja pelo cumprimento do modelo constitucional, que obriga a presença, entre os indicados, de representantes egressos das carreiras públicas de conselheiro substituto e de procurador de contas.
Nesse período, praticamente todos os TCs investiram maciçamente em quadros técnicos qualificados. A maioria julga com rapidez os processos, alguns analisando 100% dos processos do ano anterior. Muitos auditam segundo critérios de relevância e concomitância, fiscalizam resultados dos investimentos, não ficam presos apenas na regularidade e na legalidade dos atos e procedimentos. A maioria investe em transparência, em comunicação, tecnologia, no diálogo com a malha de relacionamento obrigatória. E todos se abriram para a sociedade, compreendendo que o cliente final é o cidadão que paga o imposto fiscalizado.
A má compreensão sobre os tribunais de contas advém do vício nacional da superficialidade nas análises. Poucos entenderam que o mosaico republicano brasileiro idealizado na Constituição de 1988 trouxe as estruturas do Executivo, Legislativo e Judiciário e inovou criando dois órgãos totalmente independentes, que não pertencem ao “guarda-chuva” tradicional, mas a exemplo dos três Poderes, pertencem e respondem à sociedade. São o Ministério Público e o Tribunal de Contas.
Da mesma forma como o Ministério Público não é nem parte do Executivo, nem Judiciário e nem Legislativo, o Tribunal de Contas não pertence a nenhum dos três. Nem ao Legislativo, pois a Carta Magna especifica como órgãos do Congresso Nacional apenas e tão somente o Senado Federal e Câmara dos Deputados. O Tribunal de Contas, no âmbito técnico compartilha a atividade de controle externo com o Poder Legislativo, que por sua vez realiza a fiscalização no âmbito político. O Tribunal de Contas também difere do Judiciário, pois tem a iniciativa nos processos e os julga, além de realizar atividade de orientação, capacitação e consultas ao público alvo, entes e gestores públicos. A Justiça não treina as partes, o que pode fazê-lo os TCs, na perspectiva de melhoria da gestão e por ter quadros qualificadíssimos para tanto.
O segundo problema pode ser resolvido sem que se perca a autonomia e a independência garantidas pela Constituição Federal, mas que provocou o efeito arquipélago. Com a criação, o CNTC será o órgão central de planejamento estratégico, definindo e cobrando a execução de metas nacionais de fiscalização, normatizando e harmonizando procedimentos; terá autoridade para contrapor as indicações de integrantes que não atendem aos requisitos exigidos para serem membros de tribunais de contas; e vai realizar a mesma e necessária atividade correcional que praticam o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Soma-se à criação do CNTC, com solução do segundo problema, a aprovação de uma Lei Nacional para julgamento de processos de contas.
Em resumo: precisamos urgente da criação do CNTC.
* Antonio Joaquim é presidente da Associação dos Membros de Tribunais de Contas do Brasil e conselheiro e corregedor-geral do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT).