Em pleno clima de revolta popular com o reajuste salarial dos congressistas, a proposta soa popular: reduzir em 21% o número de deputados federais e estaduais e vereadores, e em um terço o de senadores. Mas, em sete anos de tramitação, as quatro proposições que tratam do assunto, apresentadas pelo senador Alvaro Dias (PSDB-PR), não conseguiram sequer passar de uma comissão a outra. Por causa disso, com o fim da atual legislatura, seguirão diretamente para o arquivo.
Enquanto não consegue o apoio dos colegas, o senador pretende aproveitar a pressão da opinião pública contra o reajuste para reapresentar essas propostas no início de 2007. “De nada vale termos tantos parlamentares no país se eles estão desvalorizados, desmoralizados, desconsiderados pela sociedade. É melhor reduzir, perder em quantidade, ganhar em qualidade e recuperar a credibilidade”, defende o senador.
Corte pela raiz
Alvaro Dias quer reduzir de três para dois o número de senadores por estado, baixando de 81 para 54 o número de cadeiras no Senado. Na Câmara, os 513 deputados seriam reduzidos a 405. Já nas assembléias legislativas, as vagas cairiam de 1.059 para 837, enquanto nas câmaras municipais os atuais 60.320 vereadores não passariam de 48 mil. “Eu terei que atualizar esses projetos, porque os cálculos foram feitos com base na população daquela época (em 1999)”, observa.
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O número de cadeiras por estado é distribuído, na Câmara dos Deputados, conforme a população de cada unidade da federação. Entretanto, essa proporcionalidade é limitada a um mínimo de oito deputados – casos, por exemplo, de Roraima, Acre e Rondônia – e a um máximo de 70 deputados – caso único de São Paulo.
O atual critério é questionado pelos políticos dos estados mais populosos. Enquanto, numa ponta, Roraima tem um deputado para cada 49 mil de seus habitantes, na outra, São Paulo aparece com um representante para cada 571 mil habitantes. “O teto será 70, que é exatamente o atual número de deputados em São Paulo. Eles não terão mais parlamentares”, afirma Álvaro Dias.
Vencedor do Prêmio Congresso em Foco como o melhor senador, segundo os leitores deste site, o tucano diz que não há mais clima para se discutir qualquer aumento salarial dos parlamentares. “A imagem do Congresso nesse período é a pior possível. Aliás, temos os piores índices de popularidade da história. É o Congresso mais enxovalhado, comprometido pelos escândalos, contaminado pela corrupção”, considera.
Críticas à oposição
Crítico implacável do governo Lula, o senador também dispara contra os colegas da oposição, da qual é líder hoje no Senado. Para o tucano, os oposicionistas falharam por não ter organização, estratégia nem o “timing” necessários para sair vitoriosa das urnas.
“Acho que nós nos comunicamos mal, não só na campanha, mas durante todo o mandato do presidente Lula. Eu proponho que se organize melhor, que se profissionalize melhor a comunicação do partido para que se abram espaços na mídia e a gente possa se comunicar melhor com a sociedade”, avalia.
Seguindo o tucano, a história poderia ter sido outra se a oposição tivesse tomado, por exemplo, a iniciativa de pedir o impeachment de Lula no auge do escândalo do mensalão. “Nós tínhamos razões de sobra para propor a instalação de um processo de impeachment. Não posso assegurar que o impeachment ocorreria, mas a oposição cumpriria o seu papel se defendesse a instalação de um processo de impeachment naquela época”, considera.
Natural de Quatá (SP), Alvaro Dias tem 62 anos. Formado em História pela Universidade Estadual de Londrina (PR), em 1968 foi eleito vereador de Londrina, onde foi líder do então MDB. Deputado estadual de 1971 a 1975, foi eleito deputado federal em 1975, permanecendo no cargo até 1983. Governou o Paraná entre 1987 e 1991. Chegou ao Senado nas eleições de 1998 e conseguiu a reeleição este ano. Atual líder da oposição no Senado, foi reeleito em outubro para mais oito anos de mandato.
Leia a íntegra da entrevista concedida pelo senador ao Congresso em Foco:
Congresso em Foco – O senhor disse, durante a entrega do Prêmio Congresso em Foco, que a discussão, neste momento, não deveria ser sobre quanto os parlamentares devem ganhar, mas quantos eles devem ser. Há deputados e senadores demais no Brasil?
Senadores, deputados federais, estaduais e vereadores. Há uma enorme distorção da proporcionalidade desde o pacote de abril de 1977, que atendia aos interesses do autoritarismo. Alguns estados têm, proporcionalmente, mais representantes do que outros. E a representação popular deve ser autêntica e compatível com o número de habitantes de cada unidade da federação. O parâmetro para a definição do número de parlamentares em cada unidade da federação é a população. É preciso reduzir isso para que o poder legislativo seja mais enxuto, e, portanto, mais econômico, ágil, eficiente e qualificado. Com isso, além da economia, haveria um ganho de qualidade.
O senhor tem uma proposta nesse sentido. Como seria isso na prática?
Eu apresentei há mais de sete anos, no início deste mandato, três emendas à Constituição, uma referente à Câmara dos Deputados, outra às assembléias e outra aos municípios, e um projeto de lei complementar. O objetivo era reduzir cerca de 21% da Câmara, em quatro eleições consecutivas. A redução também seria semelhante nas assembléias e nas câmaras de vereadores, reduzindo o número de parlamentares em todos os estados com a exceção de São Paulo, porque esse está já sub-representado, em função de sua população, na Câmara dos Deputados. Eu terei que atualizar esses projetos, porque os cálculos foram feitos com base na população daquela época, e para incluir também o Senado Federal. Eu quero propor que ocorra a redução de um terço do Senado. Com a mudança nós teríamos a eleição de um senador por estado a cada quatro anos. Passaríamos a ter dois senadores por estado, como é nos Estados Unidos, por exemplo.
O senhor vai reapresentar essas propostas?
Vou reapresentá-las no início da legislatura até porque elas devem ser arquivadas, uma vez que não passaram por nenhuma das comissões. Essas propostas ficaram enterradas. Eu vou atualizá-las. De nada vale termos tantos parlamentares no país se eles estão desvalorizados, desmoralizados, desconsiderados pela sociedade. É melhor reduzir, perder em quantidade, ganhar em qualidade e recuperar a credibilidade.
Os paulistas reclamam que são subrepresentados na Câmara. Na sua proposta, seriam mantidas as 70 vagas para os deputados federais do estado?
O teto será 70, que é exatamente o atual número de deputados em São Paulo. Eles não terão mais parlamentares. Agora, a representação do estado é no Senado, e não na Câmara. Na Câmara é a representação da população. É por isso que não importa o tamanho do estado, a quantidade de senadores é igual para todos os estados. Roraima tem o mesmo número de senadores que tem São Paulo.
O senhor tem apoios de parlamentares para essa proposta?
Da opinião pública. No parlamento, pouco. Há aqueles que, no próprio parlamento, defendem. Há poucos dias mesmo eu vi o senador Jefferson Péres defendendo a nossa iniciativa. Nós temos que promover um reequilíbrio da representação popular. Isso é essencial. O Ulysses Guimarães tentou fazer isso na Constituinte de 1988, mas não conseguiu. Foi a única vez em que ele deixou a presidência da Constituinte, ocupou a tribuna para defender esse reequilíbrio da representação. E não foi bem sucedido.
Mas não é preciso também reduzir o número de assessores a que cada parlamentar tem direito hoje?
Isso é uma questão administrativa. Depende de quem assume o comando da gestão. Eu acho que é possível reduzir sim. Eu não posso interferir, mas é claro que sugerir é possível.
Na disputa à presidência do Senado, o PSDB vai mesmo apoiar a candidatura de José Agripino?
Não há ainda uma decisão fechada. Isso ainda está sendo avaliado. Se o Agripino for candidato realmente, deve contar com a nossa solidariedade, mas isso ainda está sendo avaliado.
E existe possibilidade de o PSDB ter um candidato ao cargo?
Não. Eu particularmente tenho muito receio de que a tradição seja desrespeitada, porque ela abre um precedente que pode se voltar contra nós mesmos.
No caso, a disputa ficará mesmo entre o PMDB e o PFL?
Pela tradição, a maior bancada indica o presidente. Nós só validamos a indicação do partido.
O ônus pela tentativa de aumento do salário recaiu muito sobre a Câmara. Os senadores não foram poupados disso? Por que se expuseram menos?
A pressão maior pelo salário se dá na Câmara. O início do processo também. Está aí o motivo de o desgaste ser maior lá. O Senado realmente é a Casa revisora. O Senado deveria ter aguardado, não deveria ter se pronunciado, deveria se resguardar, inclusive, para atuar como casa revisora.
O PSDB admite apoiar a reeleição de Renan Calheiros caso o PMDB tenha a maioria no Senado na posse?
Não é que eu admita. Eu sou solidário ao José Agripino pela qualificação do mandato que ele exerce, pela lealdade dele como oposicionista, pelo brilho dele do parlamentar excepcional que é. Mas há que se considerar que não cabe à oposição promover nenhum tipo de aventura. É preciso avaliar se há condições de enfrentamento. Se não houver, melhor respeitar a tradição e deixar que o PMDB, tendo a maior bancada, indique. Mas isso tem que ser avaliado pelo próprio José Agripino. E o que ele decidir terá nossa solidariedade.
Como que deveria ser abordada essa questão do reajuste?
Eu creio que não é uma questão de mérito. É questão de oportunidade. Nesse período, o Congresso não fez por merecer um reajuste salarial. É claro que não se pode generalizar. Mas a imagem do Congresso nesse período é a pior possível. Aliás, temos os piores índices de popularidade da história do Congresso. É o Congresso mais enxovalhado, comprometido pelos escândalos, contaminado pela corrupção. Então não é esse o momento de discutir salário, se é 0,1% ou se é 91%. Não importa. Não é hora. Não quero discutir quanto é justo receber um parlamentar. Acho que temos de discutir essas questões, que dizem respeito à recuperação da credibilidade. Quando o Congresso se afirmar melhor diante da opinião pública, aí sim poderemos discutir a questão salarial. E um dos quesitos que eu coloco é este: quantos devemos ser para depois avaliar quanto merecemos receber.
Há uma espécie de divórcio entre a sociedade e o parlamento hoje. O que o novo Congresso precisa fazer para se reaproximar da sociedade?
Agindo com austeridade, cortando na própria carne, promovendo a reforma estrutural que se exige. Nós trabalhamos a reforma do Judiciário e não procuramos reformar a nossa própria casa. A reforma política é fundamental também para se instituir uma nova instituição pública no país, mais respeitada, valorizada e acreditada pela população.
Numa autocrítica, quais foram os erros da oposição nos últimos quatro anos?
A oposição cometeu muitos equívocos. O resultado alcançado foi conseqüência muito mais do esforço pessoal de cada opositor do que de estratégia e organização. Faltou organização e estratégia à oposição. Essa autocrítica nós temos que fazer e trabalhar no próximo ano planejando a nossa ação, produzindo cenários que possam permitir uma melhor repercussão dos nossos atos diante da opinião pública.
Em que momento o senhor acha que isso ficou mais claro?
Acho que nós nos comunicamos mal, não só na campanha, mas durante todo o mandato do presidente Lula. Eu proponho que se organize melhor, que se profissionalize melhor a comunicação do partido para que se abram espaços na mídia e a gente possa se comunicar melhor com a sociedade.
O presidente Lula vai começar o mandato com a popularidade em alta. Isso ocorre menos por mérito dele e mais por falta de comunicação entre a sociedade e a oposição?
Exatamente. A oposição não teve a noção de timing em determinados momentos. Eu defendi o impeachment do presidente da República quando o seu desgaste chegou a ser significativo diante de denúncias seriíssimas, com provas cabais de corrupção no governo e participação direta e indireta do presidente, sobretudo quando Duda Mendonça prestou depoimento. Nós tínhamos razões de sobra para propor a instalação de um processo de impeachment. Não posso assegurar que o impeachment ocorreria, mas a oposição cumpriria o seu papel se defendesse a instalação de um processo de impeachment naquela época. Hoje, é evidente, esse assunto está superado, ninguém fala mais nisso. Mas acho que devemos aprender a lição.
No Senado, em 2007, a tendência é que governo e oposição baixem as armas?
No começo, embora seja continuidade, é um novo mandato. Então, no início sempre há uma contemporização, passa-se um voto de confiança e espera-se. Naturalmente nós temos que continuar cumprindo o nosso dever. Acho que devemos ter competência para distinguir o que é errado e o que é correto no governo. Combater de forma implacável a corrupção, ser contundente em relação a erros visíveis e ter grandeza para apoiar e até aplaudir o governo quando ele estiver correto.
E, neste mandato, em que momento o senhor acha que o governo acertou?
Há poucos dias, o presidente lançou uma medida que eu aplaudi, quando manifestou a vontade política de conceder a trabalhadores de baixa-renda a oportunidade da casa própria assumindo dois terços das prestações com recursos do FGTS. Mas até agora não houve implementação dessa medida. No momento do anúncio eu aplaudi da tribuna e através da imprensa a iniciativa do governo. Quando ocorre um fato como esse, nós temos que apoiar. E depois cobrar a execução. Não basta anúncio.
Nem no plano econômico o governo acertou?
No plano econômico, a meu ver, o governo é um desastre. Consegue fazer o país crescer mais só do que o Haiti e comemora. Nós estamos desperdiçando uma oportunidade preciosa de crescimento porque a economia mundial viveu nesse período um ótimo momento e nós temos de estabelecer parâmetros de comparação com a realidade em que estamos vivendo e analisando o crescimento dos outros países. A política econômica não permite que o Brasil cresça. O país está amarrado, a estrutura está superada. Daí a importância das reformas. O fato de estarmos amarrados a estruturas esclerosadas é que impede o país de crescer como os demais países emergentes crescem. E o governo não tem como justificar esse estado de apatia da economia. Nós estamos plantando para colher a médio prazo conseqüências imprevisíveis. A ausência de investimentos em infra-estrutura, por exemplo, sinaliza a possibilidade de um apagão logístico a médio prazo. O país produzindo, vendendo e não conseguindo entregar. É claro que a execução orçamentária é uma lástima e o governo não conseguiu cria mecanismos que alavancassem o crescimento econômico como a Argentina, o Chile e outros países.
O senhor foi um dos vencedores da primeira edição do Prêmio Congresso em Foco. Qual a importância desse tipo de premiação para a melhoria da atuação parlamentar?
Eu acho fundamental que uma instituição com a credibilidade do Congresso em Foco promova a valorização do Congresso por parlamentares que procuraram dignificar o mandato. Para não fazer da minha afirmação uma avaliação suspeita, mas os parlamentares premiados se dedicaram – Pedro Simon, Heloisa Helena, Suplicy, Jefferson Péres, Gabeira, Gustavo Fruet, José Eduardo Cardozo. Todos aqueles que foram eleitos pelos jornalistas e depois pelos internautas procuraram dignificar a função parlamentar. Esse tipo de premiação trabalha contra a generalização negativa, que é injusta e pouco inteligente porque desestimula. Essa iniciativa estimula, porque combate a generalização e distingue uns dos outros. Isso é fundamental. Na verdade, aqueles que generalizam combatem a instituição e não o parlamentar. O Congresso em Foco está na contramão dessa tentativa, procurando valorizar a instituição em que pese o fato de existirem parlamentares que à enxovalham. Não podemos, de forma alguma, comprometer o processo democrático destruindo uma instituição que é essencial para a democracia. É evidente que para valorizar a instituição é preciso distinguir e valorizar os bons parlamentares.
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