CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR
REPRESENTAÇÃO Nº 55, DE 2005
(Processo nº 18/05)
Representante: Mesa da Câmara dos Deputados
Representado: Deputado WANDERVAL
SANTOS
Relator: Deputado CHICO ALENCAR
I – RELATÓRIO
O processo disciplinar nº 18, de 2005, teve origem na Representação nº 55/2005, da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, que aprovou parecer do Segundo Vice-Presidente e Corregedor da Casa, Deputado Ciro Nogueira, no sentido da propositura de representação junto ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar contra o Deputado Wanderval Santos, entre outros deputados federais. A referida representação tomou por base as conclusões do parecer conjunto das Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito dos Correios e da Compra de Votos e o relatório da Comissão de Sindicância instituída pela Presidência para apurar denúncias contidas no Processo nº 133.567/05 e seu apenso, referentes a matérias publicadas no Jornal Folha de São Paulo em 6/jun/2005 sobre atos de corrupção nos Correios e recebimento de propinas e outros recursos ilícitos por parlamentares.
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De acordo com o mencionado parecer conjunto das CPMIs, o Deputado Wanderval Santos teria recebido vantagens indevidas, sendo um dos beneficiários, ainda que indiretos, dos recursos repassados irregularmente pela empresa SMP&B, de propriedade do Sr. Marcos Valério de Souza e outros. Seu nome foi identificado a partir de “informações bancárias da conta da agência SMP&B no Banco Rural, combinadas com os depoimentos recolhidos”, que teriam comprovado seu envolvimento no caso em face do recebimento de dinheiro por parte de seu assessor, o Sr. Célio Marcos Siqueira.
Na exposição detalhada dos fatos apurados contra o Representado, consta do parecer, in verbis:
“Na documentação entregue pelo Banco Rural a esta CPMI, o Sr. Célio Marcos Siqueira, assessor do Deputado Wanderval Santos, aparece como beneficiário da quantia de R$ 150 mil, oriunda de um saque total de R$ 350 mil realizado em 17.12.2003 pela Sra. Simone Vasconcelos na agência do Banco Rural no Brasília Shopping.
No verso da autorização de pagamento, há anotações feitas pela sacadora indicando que os recursos seriam, de fato, para o Deputado Wanderval Santos, mas segundo a declaração do sacador, teria agido em nome do Deputado Carlos Rodrigues.
Sustenta o parlamentar:
A única ‘prova’ em que se fundamenta a CPMI é o fato de o motorista do Requerente ter ido à agência do Banco Rural em Brasília, no ano de 2003, a pedido do Deputado Carlos Rodrigues, buscar uma ‘encomenda’. Em que pese a requisição de seu motorista pelo Deputado Carlos Rodrigues, o requerido não teve qualquer conhecimento do fato à época de sua ocorrência. No depoimento do motorista à Polícia Federal, declarou ele, expressamente, que o Deputado não sabia de sua ida ao Banco a pedido do Deputado Carlos Rodrigues. Com efeito, somente tomou conhecimento disto com a divulgação do fato na imprensa, inexistindo qualquer prova, documental ou testemunhal, que assegure que o Requerente tem vinculação com o recebimento de valores pecuniários, em benefício próprio ou de terceiros”.
O relatório da Comissão de Sindicância, a seu turno, além de reportar-se ao apurado pelas CPMIs, menciona outros esclarecimentos do Representado em relação ao episódio:
“O Deputado Wanderval esclareceu em depoimento a esta Comissão que o senhor Célio exerce a função de motorista em seu gabinete parlamentar.
Ressalta, ainda, que é deputado membro da Igreja Universal do Reino de Deus e que, em razão da hierarquia desta entidade religiosa, submetia-se ao então Deputado Carlos Rodrigues, naquela época bispo de sua igreja. Que, por conta desta submissão, este tinha plena autoridade sobre ele e seus funcionários.
Assim, não ficou sabendo da ida de seu motorista ao Banco Rural, ordenada pelo ex-deputado Carlos Rodrigues, para receber dinheiro das contas do empresário Marcos Valério. O que foi confirmado em depoimento do senhor Célio à Polícia Federal.
Enfatize-se, por oportuno, que o Deputado Carlos Rodrigues, também acusado do recebimento de dinheiro irregular das contas de Marcos Valério, renunciou ao mandato parlamentar. Portanto, no que diz respeito à imputação de quebra de decoro este já não é mais passível de qualquer punição. Assim, fica a dúvida se este parlamentar teria confirmado que o senhor Célio agiu em seu nome pela relação de amizade que o próprio Deputado Wanderval reconhece manter, ainda hoje, com o Senhor Carlos Rodrigues”.
A representação formulada pela Mesa contra o Deputado Wanderval Santos “como incurso no art. 55, II, §§ 2º e 3º da Constituição Federal, combinado com o disposto nos arts. 4º, incisos I, IV e V, e 14, § 3º, do Código de Ética e Decoro Parlamentar”, foi recebida neste Conselho no dia 17 do mesmo mês de outubro, dando origem ao presente processo disciplinar, instaurado pelo Presidente do Conselho nos termos previstos no art. 7º do Regulamento, tendo sido designado Relator o Deputado que subscreve este parecer.
Notificado a apresentar defesa e indicar provas, o Representado, no prazo regulamentar, trouxe aos autos peça escrita na qual argúi, preliminarmente, a inépcia da Representação, argumentando que ali não se identificaria nenhuma acusação formal contra sua pessoa, limitando-se o texto a relatar fatos e acusações genéricas que não seriam suficientes para a instauração do processo disciplinar, “sendo aptos a ensejar, quando muito, a abertura de inquérito para apuração do ocorrido”. Cita, em apoio do argumento, várias decisões do STJ e do STF que repudiam acusações genéricas ou indeterminadas no campo dos processos administrativo e penal.
No que diz respeito ao mérito, alega a inconsistência da Representação, procurando demonstrar que teria sido fundamentada na errônea identificação do Representado como beneficiário dos repasses feitos por Marcos Valério. Argumenta que “a única prova em que se funda a acusação contra o Deputado Wanderval Santos é o fato de seu motorista (e não assessor), o Sr. Célio Marcos Siqueira, haver ido à agência do Banco Rural em Brasília no ano de 2003”; cita os depoimentos prestados pela Sra. Simone Vasconcelos na Polícia Federal e na CPMI, nos quais afirmou não ter sido responsável pela inscrição do nome do Deputado Wanderval Santos e de seu assessor, Célio, no verso do documento que comprovaria o saque irregular de R$150 mil reais, e nos quais afirma que o dinheiro se destinava originariamente ao então Deputado Bispo Rodrigues e que a inserção do nome do deputado Wanderval como receptor de recursos “provavelmente” teria sido determinada pelo “próprio Bispo Rodrigues”.
Em relação ao fato de ter sido o Sr. Célio Marcos Siqueira, efetivamente, o receptor do dinheiro junto à agência do Banco Rural, assevera que a diligência teria sido determinada pelo então Deputado Bispo Rodrigues e não pelo Representado, sendo comum, “em razão de sua ascensão hierárquica sobre todos os demais parlamentares da bancada oriunda da Igreja Universal do Reino de Deus junto à Câmara dos Deputados”, que o então Deputado Bispo Rodrigues “fizesse solicitações e pedidos que, de pronto, eram atendidos por qualquer subordinado, sem qualquer conhecimento por parte dos demais Deputados Federais”. Amparado nos depoimentos prestados pelos Srs. Célio, à Polícia Federal, e Bispo Rodrigues, à CPMI dos Bingos e à Polícia Federal, o Representado procura demonstrar que não foi beneficiário do dinheiro sacado e sequer soube da ida do assessor à agência do banco na época do saque, só vindo a tomar conhecimento do fato quando veiculada a notícia na imprensa.
Também em socorro do argumento da inocência do Representado, a peça de defesa afirma que “não há um só documento ou depoimento que sequer insinue materialmente que o ora acusado tenha recebido valores em benefício próprio ou de terceiros, ou tampouco que tenha ofertado dinheiro a qualquer pessoa”. Lembra que em nenhum dos depoimentos prestados nas CPMIs dos Correios e da Compra de Votos ou neste Conselho houve menção a qualquer ligação entre Marcos Valério e o Representado, e as únicas pessoas que tiveram relação direta com o saque feito junto ao banco afastaram qualquer participação, ainda que indireta, do Deputado Wanderval Santos. Segundo o ali exposto, não haveria nenhum elemento nos autos a indicar que o Representado tivesse “percebido valores indevidos em proveito de outrem, no exercício da atividade parlamentar, com o intuito de fraudar o regular andamento dos trabalhos legislativos ou alterar o resultado das deliberações da Câmara ou do Senado Federal, o que demonstra a absoluta inconsistência das acusações que lhe foram dirigidas”.
Depois de procurar justificar a necessidade de arquivamento liminar da Representação por falta de provas, buscando apoio em procedimentos anteriores do Conselho, a defesa parte para outra linha de argumentação, sustentando a impossibilidade de responsabilização do Representado por ato cometido por funcionário seu, uma vez que a responsabilidade ético-disciplinar seria pessoal, devendo recair tão-somente “sobre aquele que efetivamente praticou ato incompatível com o decoro parlamentar, o que não é o caso do Deputado Wanderval Santos”. Em apoio à tese, cita lições de alguns doutrinadores do Direito Penal.
Na parte final, após lembrar novamente que nenhuma das pessoas envolvidas diretamente com o saque apontaram o envolvimento do Representado no episódio, sendo o fato negado categoricamente por ele mesmo, solicita o arquivamento liminar do processo por inépcia da representação e, em não sendo este concedido, a absolvição do Representado por “absoluta ausência de provas de que tenha ele tido qualquer vinculação com o suposto ‘mensalão’, por medida de Justiça”.
Não tendo sido indicadas testemunhas pelo Representado, este Relator, dando início à fase de instrução probatória, propôs ao Conselho, além da tomada do depoimento pessoal do Deputado Wanderval Santos, fossem convidados a prestar esclarecimentos sobre o caso a Sra. Simone Reis Lobo de Vasconcelos e os Srs. Célio Marcos Siqueira e Carlos Rodrigues, citados como “as únicas pessoas que tiveram relação direta com o saque do dinheiro”, e ainda o Sr. Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do PL, partido ao qual é filiado o Representado.
Tanto o Representado quanto os Srs. Célio Marcos Siqueira e Jacinto Lamas atenderam à solicitação do Conselho, tendo sido tomados os respectivos depoimentos nos dias 17 e 29 de novembro e 8 de dezembro, todos no ano de 2005.
A Sra. Simone Reis Lobo de Vasconcelos declinou do convite recebido para depor alegando, simplesmente, “impossibilidade de comparecer à audiência”. O ex-Deputado Carlos Rodrigues, apesar dos dois convites formais do Conselho e dos apelos feitos publicamente por este Relator no decorrer dos trabalhos, não se dignou a vir, comunicando, num primeiro momento, a existência de problemas particulares que impediriam sua presença no dia marcado para o depoimento, mas se dispondo a agendar comparecimento em data futura. Recebido o segundo convite, contudo, declinou mais uma vez, comunicando que estaria indisponível no período de 6 de dezembro a 10 de janeiro – em viagem fora do País, conforme explicou à Sra. Secretária do Conselho, por telefone. Em ofício encaminhado formalmente, manifestou desejo de enviar carta-declaração sobre os fatos apurados no presente processo. A prometida carta, porém, nunca chegou.
A pedido deste Relator, e para maior esclarecimento de alguns pontos importantes do depoimento anterior, o Representado foi novamente ouvido no dia 13 de dezembro último, prestando informações complementares sobre o caso.
Havendo se disposto, espontaneamente, a abrir mão de seu sigilo bancário, fiscal e telefônico perante o Conselho, o Representado requereu, em 9 de janeiro último, juntada aos autos dos extratos bancários de suas contas, o que foi feito em apartado, com a inserção dos dados em envelope lacrado e disponibilizada a consulta apenas aos Srs. Conselheiros e à defesa. No mesmo requerimento, entretanto, o Representado comunicou que, apesar de já haver solicitado, não dispunha ainda das informações referentes a suas ligações telefônicas, pedindo que o Conselho intercedesse junto à respectiva empresa de telefonia com vista a agilizar o encaminhamento dos dados.
Foram juntadas aos autos, como parte integrante da defesa apresentada por escrito, cópias dos depoimentos prestados pelo Sr. Carlos Rodrigues, à CPMI dos Bingos e à Polícia Federal, pela Sra. Simone Reis Lobo de Vasconcelos, à CPMI dos Correios e à Polícia Federal, e pelo Sr. Célio Marcos Siqueira à Polícia Federal. Também a pedido da defesa juntaram-se alguns esclarecimentos e documentos complementares referentes à data de desligamento do Representado do cargo de Bispo e de Diretor-Presidente da Igreja Universal do Reino de Deus.
Na reunião do dia 12 de janeiro último, esta Relatoria comunicou ao Conselho já dispor de elementos suficientes para a elaboração e apresentação de seu parecer sobre o caso, declarando o encerramento da fase de instrução. Na ocasião, manifestamo-nos ainda no sentido da desnecessidade de se aguardar o recebimento dos dados telefônicos do Representado como solicitado pela defesa, considerando que tais dados, o que quer que revelassem, não guardavam relação importante com as questões envolvidas na acusação formulada contra ele.
Registre-se, finalmente, que em todas as fases do processo foi garantido ao Representado o direito à ampla defesa e ao contraditório, tendo sido ele e seu advogado intimados de todas as reuniões com a devida antecedência, e franqueado a ambos o uso da palavra, em plenário, para inquirir testemunhas ou formular requerimentos. Foram-lhes remetidas cópias de todos os documentos inseridos nos autos e dado pleno acesso aos originais depositados na secretaria do Conselho. Em nenhum momento, cumpre lembrar, a defesa se insurgiu ou protestou contra qualquer ato ou decisão tomada por este Relator, pelo Presidente ou pelo Conselho.
Observamos ainda que o conteúdo de todas as reuniões em que se discutiu ou tratou dos atos e providências relacionados ao presente processo, bem como todos os trabalhos pertinentes realizados pela secretaria, foram consignados nos autos e constam das atas que o instruem.
É o relatório.
CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR
REPRESENTAÇÃO Nº 55, DE 2005
(Processo nº 18/05)
Representante: Mesa da Câmara dos Deputados
Representado: Deputado WANDERVAL
SANTOS
Relator: Deputado CHICO ALENCAR
II – VOTO DO RELATOR
1. Sobre a argüição preliminar de inépcia da representação
Enfrentemos, antes do exame de mérito do apurado no presente processo, a argüição de inépcia da representação, formulada pelo Representado em sua peça inicial.
Nosso entendimento a respeito, como já havíamos adiantado no início da fase de instrução probatória, é o de que a Representação nº 55/05 (da qual faz parte integrante o relatório da Comissão de Sindicância, que incorpora, por sua vez, o parecer conjunto das duas CPMIs, dos Correios e da Compra de Votos) contém os elementos mínimos necessários para processamento perante o Conselho, descrevendo de forma clara e objetiva fato que aponta responsabilidade do Representado no episódio do recebimento, em dezembro de 2003, de 150 mil reais provenientes do esquema ilícito que passou a ser conhecido como “valerioduto”. A Representação demonstra que o nome do Deputado Wanderval Santos chegou a ser identificado no verso do documento bancário que autorizava o saque dos recursos e que um dos funcionários de seu gabinete, sobre quem tinha ascendência hierárquica, foi efetivamente o receptor do saque afinal realizado. Os indícios de autoria e materialidade, assim, são suficientes para impor o prosseguimento do feito.
Cumpre relembrar que o Conselho Ética e Decoro Parlamentar é o órgão interno da Câmara dos Deputados que zela pela honradez, transparência e dignidade no exercício dos mandatos, e que os processos disciplinares que aqui tramitam, apesar de “judicialiformes”, para usar a expressão muitas vezes empregada pelos nobres Deputados Nelson Trad e Carlos Sampaio no decorrer de nossos trabalhos, têm disciplina própria e viés marcadamente político. Isso significa que não se subordinam às leis penais nem ao Código de Processo Penal, embora algumas vezes possam socorrer-se, supletivamente, desses institutos. Sua vinculação primeira, entretanto, é à Constituição, ao Regimento Interno da Casa e ao Código de Ética e Decoro Parlamentar e respectivo Regulamento.
Assim é que, mesmo podendo não atender aos padrões técnico-jurídicos mais rigorosos do processo penal, a Representação sob exame não contém nenhum vício que possa impedir a compreensão da acusação formulada contra o Representado. Na verdade, o fato de a peça ressentir-se de formalidades que seriam exigíveis, por exemplo, de uma denúncia criminal não inviabiliza, de per si, seu recebimento pelo Conselho, como pretendeu convencer a tese desenvolvida pelo Representado. Numa decisão liminar em mandado de segurança impetrado em 1999, o Supremo Tribunal Federal já definiu, acolhendo parecer do Ministério Público Federal, que a ausência de requisitos formais não torna necessariamente inepta uma representação dessa natureza. Confira-se:
“Quanto à ausência de requisitos formais da Representação, cumpre ressaltar que estes requisitos são inerentes apenas ao libelo acusatório penal, e não aos procedimentos administrativos político-disciplinares, tal como o de cassação de parlamentares. Nesses casos, o que se faz imprescindível é agir-se com estrita obediência ao procedimento estabelecido no Regimento Interno da Câmara (…)” (MS 23.529-2/DF).
Ora, a Representação foi formulada e recebida rigorosamente de acordo com o previsto nas normas internas da Casa, tendo sido proposta por agente legítimo – a Mesa Diretora – e instaurado o respectivo processo pela autoridade competente – o Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. O Representado foi notificado a se defender dos fatos contra ele imputados, tendo recebido, para isso, cópia do inteiro teor da Representação, aí incluídos os textos do relatório da Comissão de Sindicância e o parecer conjunto das duas CPMIs.
Em face, pois, desse quadro, não poderia o Conselho, a nosso juízo, deixar de dar seguimento à Representação, competindo-nos realizar todos os atos necessários à instrução do processo, nos termos previstos no art. 6º, inciso III, do Código de Ética e Decoro Parlamentar.
2. Sobre o mérito
A questão central que nos cumpre examinar neste processo diz respeito à responsabilidade do Representado nos fatos relacionados ao episódio do saque em dinheiro feito em uma das contas que abasteciam o chamado “valerioduto”, em dezembro de 2003, no qual seu nome foi envolvido.
O desenrolar da fase de instrução probatória trouxe a comprovação inequívoca do fato central que está na origem da Representação formulada contra o Deputado Wanderval Santos: o Secretário Parlamentar, portanto assessor – e não simplesmente motorista, como o Representado enfatiza em sua peça de defesa para minimizar os vínculos entre ele e seu funcionário – Sr. Célio Marcos Siqueira, ponto número 174967, lotado regularmente em seu gabinete desde 04/02/2003, efetuou a retirada de R$150.000,00 a pedido do então Deputado Bispo Rodrigues, cujas solicitações tinha ordem expressa do Representado de sempre atender. O então Deputado Bispo Rodrigues, por sinal, era também muito ligado ao Deputado Valdeci Paiva, assassinado em 2002, para quem o Sr. Célio tinha trabalhado antes de passar a servir ao Deputado Wanderval.
A determinação de “servidão voluntária” de sua equipe nunca foi negada pelo Representado. Muito pelo contrário, em seu primeiro depoimento, quando indagado por este Relator sobre o motivo por que não tomara uma atitude drástica em relação ao funcionário quando soube do ocorrido, respondeu que não poderia puni-lo justamente porque o mesmo cumpria uma ordem, uma determinação sua, dada no início do mandato.
O fato foi confirmado pelo funcionário, que trouxe ao Conselho os detalhes da orientação recebida do Representado quando começou a trabalhar em seu gabinete, no qual permanece, inclusive desfrutando do convívio de mais três, senão quatro, familiares diretos. Confira-se este trecho do depoimento:
“O Sr. Deputado Chico Alencar:. E como ele [o Deputado Wanderval Santos] estabeleceu já nesse mandato a sua relação com o Deputado Rodrigues?
O Sr. Célio Marcos Siqueira: Ele falou: ó, o Deputado Carlos Rodrigues ligando ao gabinete, solicitando seus serviços, você não precisa me informar não, você pode ir. Se eu precisar sair, eu te ligo. E aí, muitas vezes, quando ele ligava, eu falava: Deputado, eu estou atendendo o Carlos Rodrigues. Ele: então, está bom, eu resolvo aqui. Mas eu não informava aonde eu fui, de onde eu vim…
O Sr. Deputado Chico Alencar: Não informava?
O Sr. Célio Marcos Siqueira: Não, senhor. Ele não me perguntava, eu também…
O Sr. Deputado Chico Alencar: E a orientação do Deputado Wanderval era de que o senhor atendesse o Deputado Carlos Rodrigues em qualquer demanda, qualquer solicitação dele, qualquer pedido, independentemente até dos seus trabalhos no gabinete do Deputado Wanderval?
O Sr. Célio Marcos Siqueira: Isso.
O Sr. Deputado Chico Alencar: O que ele pedisse, o senhor tinha ordem para fazer?
O Sr. Célio Marcos Siqueira: Isso. Sim, senhor.”
Ou seja, o funcionário, quando atendeu ao pedido do então Deputado Bispo Rodrigues para retirar o dinheiro na agência do Banco Rural de Brasília e levá-lo até sua residência, cumpria ordens de seu superior hierárquico, o Deputado Bispo Wanderval, em cujo gabinete estava lotado e a quem, formal e efetivamente, devia obediência funcional, segundo as normas administrativas vigentes na Casa.
O Representado sustenta que tomou conhecimento da ação de seu assessor “pela imprensa”, mais de seis meses depois do ocorrido e que, por estar seu Secretário Parlamentar viajando, de férias, só conversou sobre o episódio com ele uma vez, dias depois do noticiado. Entretanto, chama a atenção o fato de o Representado ter descrito a este Conselho, em minúcias, a operação que desconheceu por largo tempo, do pedaço de papel com o endereço do Banco Rural entregue pelo então Deputado Carlos Rodrigues ao “envelope lacrado” que o funcionário recebeu no banco, passando pela inscrição do nome “Wanderval” no documento da agência, como disse ao ser indagado aqui pelo nobre Deputado Colbert Martins: “Quando o Célio chegou no banco, a Dona Simone, que poderia ter atendido, não estava no banco. Atendeu outra pessoa, e essa pessoa deve ter escrito meu nome por referência do próprio Célio, ou do próprio Rodrigues, ou do seu gabinete”. Os Senhores Conselheiros bem sabem que Relator não é detetive, por isso não me detive demais nesses aspectos intrigantes e pontuais.
Como se vê, ninguém nega o fato. O Representado, entretanto, procura eximir-se de responsabilidade, alegando, em síntese, que não era senhor do próprio mandato; que era um submisso, um subalterno, um inferior, enfim, “subordinado hierarquicamente” ao então Deputado Bispo Rodrigues; que tudo o que fez, fez em “obediência” ao que ele mandava. A hierarquia e a disciplina a que se submetia no âmbito privado da Igreja Universal do Reino de Deus haviam, segundo sua explicação, sido transpostas para o ambiente parlamentar. Aqui, como lá, cumpria ordens e obedecia ao mesmo “chefe”. Disponibilizava funcionários para atender a todas as suas demandas, mesmo quando estranhas à função parlamentar, como fazer compras em supermercado ou apanhar filhos na faculdade. De todas elas sabia – “tinha consciência”, admitiu quando indagado por este Relator, embora em vários outros momentos voltasse a insistir na tese de que não tomava conhecimento das tarefas efetivamente desempenhadas pelos funcionários – mas não considerava a prática indevida nem anormal. Tudo se justificava, segundo ele, em nome da hierarquia e da submissão que lhe impunha a instituição religiosa, “verdadeira detentora do mandato”, a Igreja Universal do Reino de Deus.
Com a devida vênia, parece-nos que o argumento, falacioso, não constitui justificação legítima para afastar sua responsabilidade do ponto de vista da ética e do decoro parlamentar. A suprema delegação popular conferida pelo voto que institui um mandato representativo não pode ser manchada por nenhuma forma de alienação ou sujeição deste. Nosso Código de Ética, parte integrante do Regimento Interno da Casa, instituiu nove deveres fundamentais para os Deputados e descreveu quatorze condutas incompatíveis com o decoro ou atentatórias a ele. O pressuposto de todas essas normas é o exercício responsável, pleno e, portanto, intransferível do mandato parlamentar.
É falacioso igualar ou substituir o que se deveria chamar de “consentimento”, “apoio” ou “cumplicidade”, pelas palavras “obediência” ou “subordinação”. Em relações políticas maduras e republicanas não existe obediência, como ensina Hannah Arendt:
“Um adulto consente onde uma criança obedece; se dizemos que um adulto obedece, ele de fato apóia a organização, a autoridade ou a lei que reivindica obediência. (…) Por isso, a pergunta endereçada àqueles que participaram e obedeceram a ordens nunca deveria ser: ‘Por que vocês obedeceram?’, mas ‘Por que vocês apoiaram?’” .
Do ponto de vista da ética e do decoro parlamentar, o comportamento do Representado, exposto inicialmente na peça de defesa escrita e, após, em maiores detalhes, nos dois depoimentos prestados perante este Conselho, revelou-se simplesmente injustificável, contrariando os padrões normais de altivez, independência e correção exigíveis no exercício do cargo. Como reitera o Código de Ética e Decoro desta Casa (art. 3º, IV) é nosso dever “exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública e à vontade popular, agindo com boa fé, zelo e probidade”.
Mandatos parlamentares são livres e soberanos num Estado democrático de direito como o que fundamos e fizemos consagrar no art. 1º da Carta Magna da República. Articulados partidariamente, não podem, entretanto, submeter-se hierarquicamente uns a outros, porque são todos dotados de poderes de representação indelegáveis, conferidos pelo voto direto e secreto de seus eleitores. Incompatível, portanto, com a própria natureza do mandato representativo qualquer tentativa de “transposição”, para o seio da instituição parlamentar, de relação hierárquica estabelecida alhures, mormente quando essa “transposição” venha a implicar intromissão indevida de poder externo na esfera pública e nos negócios do Estado.
A democracia e a liberdade ficam ameaçadas quando uma Igreja – qualquer que seja a Igreja – ultrapassa os limites do privado para tentar se constituir, ilegitimamente, como poder temporal.
É sadia e edificante a emulação religiosa para a prática social e política da justiça, da igualdade e da fraternidade, mas a História também registra muitas violências e usurpações cometidas em nome de Deus. O filósofo Roberto Romano, professor de Ética da UNICAMP, que tanto já colaborou com este Conselho na profícua gestão do Deputado Orlando Fantazzini, afirma, em artigo publicado na Folha de São Paulo de 24/12/2005:
“As formas religiosas têm servido para coisas belas e hediondas (…)
(…) Segundo todas as religiões, os atos dos que mentem e usam os cargos políticos em vantagem própria lhes garantem tormentos no além. Quem assalta os cofres públicos e embeleza o roubo com hipocrisia e sofisma queimará para sempre. Para que o dom vital seja usufruído, é preciso que melhorias éticas apareçam no comportamento das pessoas. Quem se diz religioso, mas ‘odeia a seu irmão, está nas trevas, e anda nas trevas, e não sabe para onde vai, porque as trevas lhe cegaram os olhos’ (João, Primeira Epístola, 1:11).(…)
A bondade absoluta só possui eficácia quando os convertidos operam coisas boas, em termos éticos e morais. Sem justiça, os Estados representam apenas uma ‘grande quadrilha de ladrões, enquanto as quadrilhas são pequenos estados’. Ao narrar a história do rei Ninus, Agostinho diz que seu governo, como todos os mantidos por homens, é um ‘grande latrocínio’. (‘Cidade de Deus’, 4, 4 e 6). (…)
(…) A entrada para o mundo celeste é grátis, mas sua entrega se destina apenas aos que, além dos ritos, praticam a caridade. Não é a religião visível que pode melhorar os costumes ímprobos de nossos políticos e demais dirigentes. Caso eles não se convertam à justiça divina e não mudem de vida (sem hipocrisia demagógica), continuarão na via dos infernos, enquanto infringirem sofrimentos dantescos aos cidadãos lesados. Cada criança sem escola ou alegria, cada jovem sem emprego e segurança, cada idoso esquecido nas filas dos ‘serviços sociais’ sentenciará aos governantes corruptos:‘Deixem toda esperança’. Ai deles, proclama Cristo, porque fecharam o reino dos céus, nem entraram nem deixaram as pessoas entrarem. Eles ‘sofrerão juízo mais severo’ (Mateus, 23:13-14)”
Igrejas e Estados têm interfaces e relação dialógica, mas devem manter-se como instâncias distintas, separadas. Desde Rui Barbosa sabemos que “o pacto de aliança entre a soberania e o altar é, foi e há de ser sempre, pela força das cousas, um pacto de mútua e alternativa servidão” . Por isso a República, em oposição ao Império, consagrou, desde o fim do século XIX, o Estado laico, a secularização plena das instituições políticas, a separação Igreja-Estado.
O teólogo dominicano Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, em artigo intitulado “Fundamentalismo Cristão” , lembra que “Uma das melhores conquistas da modernidade é a separação entre a Igreja e o Estado. Nada de papas coroando reis, como na Idade Média, ou de presidentes consagrando a nação ao Sagrado Coração de Jesus (…) Reger a vida política a partir de preceitos religiosos é um desrespeito a quem professa outra religião ou nenhuma. Isso não significa que um cristão deva abrir mão de suas convicções e dos valores evangélicos. Mas ele não deve esperar que todos reconheçam a natureza religiosa de sua ética. E nem queira impor a sua fé como paradigma político.”
Como observou oportunamente o nobre Deputado Jairo Carneiro no decorrer de nossos trabalhos, “o mandato parlamentar há de ser exercido sob o império da lei – a lei dos homens, a lei que nós fazemos nesta Casa – e não sob o império do poder religioso. E quando o império da lei da religião confrontar com a lei dos homens, haverá de prevalecer a lei do homens. Então, a submissão rigorosa, imperativa, da conduta de um deputado à determinação da hierarquia de uma igreja nem sempre terá a guarida da lei dos homens. Fulmina a liberdade, a autonomia, a soberania do exercício do mandato”.
As igrejas, institucionalizando religiões, pertencem à esfera da vida privada e da belíssima dimensão mística e transcendente do ser humano. Já um mandato parlamentar rege-se pelos princípios inerentes e imanentes à administração pública em geral: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Os parlamentares devem submeter-se às regras da Casa, aos objetivos que o próprio mandato lhes impõe, às obrigações determinadas por lei e pela soberania popular. E, em especial, ao controle da cidadania que nos sustenta com seus impostos.
Declarações como as que fez o Representado de que, no exercício do mandato, submetia-se completamente às ordens dadas pelo “coordenador político da Igreja” porque “tinha medo de uma punição radical”, ou de que o mandato não era seu, mas “da Igreja”, ou ainda de que, se lhe fosse ordenado pelos superiores hierárquicos da Igreja, “não teria nem que perguntar por que deveria sair de um partido e se filiar a outro”, como de fato aconteceu ao se transferir do PTB para o PL por “ordem” do então Deputado Bispo Rodrigues, “que o indicou para ser parlamentar”, são exemplos claros de um comportamento ofensivo à moral republicana, desrespeitoso e inadequado à investidura de representante da soberania popular. Além disso, pelas notórias e continuadas relações políticas entre o Representado e o então Deputado Carlos Rodrigues, “líder inconteste”, podemos afirmar que se trata de uma submissão interessada, de uma subordinação negociada. De Bispo para Bispo, de Deputado para Deputado, à revelia até da bancada partidária.
Curiosamente, em depoimento a este Conselho no processo contra o ex-Deputado Roberto Jefferson, no dia 6 de julho de 2005, o então Deputado Carlos Rodrigues, em resposta à nobre Deputada Ângela Guadagnin, negou sua proeminência: “No mandato passado, eu fui um Deputado muito atuante.(…) Nesse mandato (…) eu praticamente me afastei de qualquer coisa.” Rodrigues, nessa única vez em que se dispôs a nos informar, externou também um conceito sobre mandato parlamentar bem diferente do exposto pelo Representado, que alega ter seguido fielmente suas orientações: “(…) o cidadão não é candidato da Igreja, ele é candidato de si e do partido (…) Cada um tem de responder por si. Eu não tenho poder de mando sobre ninguém, somente a mim, e olhe lá.” Contradições, Senhoras e Senhores Conselheiros…
Levando em conta apenas a versão do Representado, afirmamos que houve, de sua parte, uma opção de submeter-se, é bom frisar. Porque certamente não podemos aceitar a tese de que não tivesse alternativa, como pretendeu fazer crer a este Conselho em seus depoimentos.
O Deputado Wanderval Santos não era, se pensarmos bem, tão inexperiente na política ao assumir seu segundo mandato de Deputado Federal, iniciado em 2003. Tratava-se, afinal de contas, de um membro da Executiva Nacional de seu partido, como afirmou ao Deputado Nelson Trad que o inquiriu a respeito. Chegou também a admitir, embora caindo em evidente contradição com a tese da “sujeição do mandato”, que tinha uma atuação importante na Casa. Lembrando suas palavras: “Eu tenho 53 projetos de lei — o senhor sabe que é muito difícil a gente trabalhar aqui como Deputado, é muito difícil um Deputado aprovar um projeto de lei seu —, eu tenho 53 projetos de lei enumerados para que o senhor e os Conselheiros tenham acesso, entre os quais 4 desses projetos de lei já estão no Senado para aprovação. Então isso, eu particularmente entendo que, embora houvesse essa obediência, eu tive o meu mandato exercido com independência”.
Trata-se de um Deputado experiente que cuida de elaborar não só tantos projetos de lei, mas também emendas orçamentárias de seu interesse político-pessoal, como as apresentadas ao projeto de lei orçamentária de 2006, no valor total de R$ 2.800.000,00, para a Fundação Maria Fernandes dos Santos, da qual disse “fazer parte” e que tem um assessor seu como dirigente, localizada em município do Rio Grande Norte, cujo prefeito, segundo explicou, “é amigo, que conheço há muito tempo”. Ou ainda como a emenda no valor de R$ 220.000,00 reais que propôs para outra fundação, também em terras potiguares, denominada Fundação Hipólito Pereira dos Santos, igualmente vinculada a assessor de seu gabinete. Os Santos dos sobrenomes das fundações podem ser meras coincidências com o sobrenome do Representado, mas a atuação de assessores nessas entidades e a indicação de emendas em áreas distantes da base social que o trouxe à Câmara dos Deputados não, sugerindo perigosa promiscuidade entre o interesse público e o privado.
Não há dúvida, portanto, de que ao “submeter-se” ao comando integral de outro parlamentar, como asseverou em sua defesa, o Representado na verdade fez uma opção consciente, baseada no que lhe convinha politicamente num determinado momento, assim como acabou fazendo outra opção igualmente consciente quando o então “coordenador político” Bispo Rodrigues, “que o indicou para ser parlamentar”, foi destituído da função e desligado da hierarquia da igreja. Lembrando suas palavras perante este Conselho, “a partir do momento em que ele saiu da coordenação, eu passei a obedecer ao meu partido e às minhas lideranças“: duas opções diferentes feitas no exercício do mesmo mandato, um mandato que, de início, o Representado afirmou sequer considerar fosse seu, mas “da Igreja”, e que, após a saída de um determinado coordenador, pareceu transmudar-se, de uma hora para outra, e afinal, no mandato do Deputado Wanderval Santos, do Partido Liberal.
O Representado, enfim, alienou o seu mandato. Usando um termo em voga, terceirizou-o. Eleito deputado, o mandato não lhe pertencia, mas ao ex-Bispo Rodrigues, esse mesmo que foi seu sócio-cotista em empreendimentos radiofônicos em vários estados do País. Esse mesmo que foi companheiro de Wanderval até no infortúnio do desligamento da Igreja Universal, ficando ambos, na expressão comum dos dois, sentados “no último banco do templo”. Esse mesmo que, sendo do Rio de Janeiro, coordenou, em consórcio com o Representado, as ações políticas da Igreja Universal em São Paulo. Esse mesmo Carlos Rodrigues que recusou nossos convites para vir testemunhar neste processo, fugindo ao dever cidadão de colaborar com a busca da verdade e faltando ao amigo, sócio e parceiro em hora difícil. Esse mesmo Carlos Rodrigues que mentiu ao Conselho quando do processo que culminou com a cassação do mandato do Deputado Roberto Jefferson afirmando, lágrimas enxutas, que desconhecia Marcos Valério e todo o esquema de repasse de dinheiro que ele intermediava. Esse mesmo ex-bispo Rodrigues que, como Valdemar Costa Neto, Paulo Rocha, José Borba e Severino Cavalcanti, adotou o procedimento da “esperteza”, renunciando ao poderoso mandato para escapar da apuração de ilícitos e, apostando na desinformação do povo e no beneplácito do seu partido, conseguir, em outubro, votos suficientes para retomar essas práticas. Ex-bispo e ex-deputado que renunciou, segundo disse, “por uma decisão política para evitar a cassação do mandato e a perda dos direitos políticos”. Pobre democracia dos desmemoriados!
Inquirido pelo Deputado Benedito de Lira – que se espantou com o ineditismo de “um detentor de mandato que na verdade não é detentor de nada” – se não tinha constrangimento em exercer o mandato dessa forma, o Representado respondeu, textualmente: “Natural para todos nós. De forma natural essa disciplina e essa hierarquia, obedecendo àquilo que ele [o Bispo Rodrigues] determinava”. Como achava natural – e, por isso, não questionava – que um funcionário de seu gabinete cumprisse ordens do Bispo Rodrigues sem lhe dar satisfação: “Ele me comunicar? Mas como, se ele estava seguindo uma ordem?” Ordem compartilhada, mesmo em se considerando apenas a versão apresentada pela defesa: a do mandante do mal-feito, o ex-deputado Carlos Rodrigues, e a do seu viabilizador na sociedade de subordinação que se estabeleceu, o Deputado Wanderval Santos.
Com a mesma naturalidade, o Representado alega que, após todos esses fatos aqui apurados, quebrou-se afinal o elo de confiança que tinha em relação ao ex-deputado Carlos Rodrigues, e que isso o levou até a desistir de disputar novo mandato, embora tenha, segundo suas próprias palavras, transferido a tempo seu domicílio eleitoral, de São Paulo para Roraima, para onde também está levando “uma filial da Igreja do Espírito Santo, cuja razão social foi cedida por outro ex-bispo da IURD”.
Tudo isso parecer assim tão natural para ele revela que o Representado não tinha e não tem mesmo um comportamento ajustado à ética e ao decoro parlamentar, afastando-se muito dos padrões normais de conduta que se podem esperar de um Deputado Federal legitimamente eleito pelo voto popular e no pleno exercício de seu cargo.
É de se observar que, independentemente da opção de apequenamento feita ao sujeitar-se à vontade e ao poder de outrem, o Deputado Wanderval Santos se mantinha, formalmente, como detentor de um mandato e de uma das 513 vagas de membro da Câmara dos Deputados. Nessa condição, detinha todas as prerrogativas e responsabilidades inerentes à investidura parlamentar, inclusive as de caráter puramente administrativo, como a de dispor, nas dependências da Casa, de um gabinete devidamente equipado e mobiliado, com servidores por ele indicados para o atendimento exclusivo de suas atividades parlamentares, conforme previsto nas regras internas que disciplinam o exercício dos cargos de secretariado parlamentar.
Ao ordenar, pois, aos funcionários lotados em seu gabinete que atendessem a todo e qualquer pedido – bom ou ruim, lícito ou não – de outro parlamentar, o seu “superior” de fé, amigo e sócio, o renunciante e silente Carlos Rodrigues, figura de proa dos esquemas político-financeiro-eleitorais alimentados pelo “valerioduto”, o Representado chamou a si a responsabilidade por todos os atos daí decorrentes, já que exerceu sua autoridade de titular do gabinete para garantir que a determinação fosse cumprida por seus subordinados. Determinação que, espantosamente, implicava até não comentar com o superior imediato qualquer suspeita ou desconfiança em atividade realizada. Foi-se a um banco sem saber, pegou-se dinheiro extra-caixa, “não-contabilizado”, sem saber, e toda a operação foi normal, como que rotineira.
E nada aconteceu com o Secretário Parlamentar, com o assessor de confiança, depois de noticiado seu envolvimento na retirada realizada de dinheiro junto ao Banco Rural: afinal, quando atendeu ao pedido do então Deputado Carlos Rodrigues, ele apenas cumpria ordens do Representado, a quem efetivamente devia subordinação hierárquica. Não errou, portanto. Fez tudo o que os chefes mandaram, recebendo vantagem indevida para um com autorização prévia de outro. Por isso não poderia, sequer, ser advertido.
Ao optar por entregar nas mãos do parceiro de trajetória política o controle sobre o exercício de seu mandato, chegando ao ponto de disponibilizar-lhe os servidores de seu gabinete para quaisquer tipos de tarefa, mesmo quando não tivessem relação específica com o exercício da atividade pública, ao submeter-se, enfim, plena e acriticamente ao então Deputado Bispo Rodrigues, como insistentemente afirmou ter feito em sua defesa perante este Conselho, o Representado, na verdade, com ele se acumpliciou em todos os atos decorrentes dessa sujeição, aí se incluindo o recebimento, pelas mãos de um funcionário de seu gabinete, de recursos ilícitos provenientes do esquema “valerioduto”, episódio que deu origem à instauração do presente processo disciplinar. Foi ele inequivocamente partícipe da mesma engrenagem espúria da qual tomaram parte aquele e tantos outros acusados de recebimento de vantagens indevidas dentro deste Parlamento. Foi partícipe dessa engrenagem porque anuiu, aquiesceu, submeteu-se, quando era livre para decidir e agir de forma diferente. Forjou para si mesmo uma espécie de mandato secundário, o que, do ponto de vista das relações políticas republicanas, é extremamente grave. Assumiu o risco pelos resultados. Sua responsabilidade disciplinar, ética e política é incontrastável.
3. Conclusão
Em face de tudo o que se apurou e aqui se expôs, concluímos nosso voto no sentido da procedência da Representação nº 55, de 2005, formulada contra o Deputado Wanderval Santos. Retificamos, porém, a classificação jurídica originalmente dada, na peça inicial, à conduta que lhe foi imputada, reenquadrando-a na previsão constante do mesmo art. 55, inciso II, § 1º, da Constituição Federal, combinada com o art. 4º, inciso II, do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, e recomendando ao Plenário a aplicação, ao Representado, da penalidade de perda do mandato, nos termos do projeto de resolução ora anexado.
Sala das reuniões, em
Deputado CHICO ALENCAR
Relator
CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR
PROJETO DE RESOLUÇÃO No , DE 2006
Declara a perda do mandato do Deputado WANDERVAL SANTOS por conduta incompatível com o decoro parlamentar.
A Câmara dos Deputados resolve:
Art. 1º É declarada a perda do mandato do Deputado Wanderval Santos por conduta incompatível com o decoro parlamentar, com fundamento no art. 55, II, § 1º, da Constituição Federal, combinado com o art. 4º, inciso II, do Código de Ética e Decoro Parlamentar.
Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Sala do Conselho, em de de 2006.
Deputado CHICO ALENCAR
Relator