Esta é a opinião do padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Comissão Pastoral Carcerária, entidade ligada à Igreja Católica no Brasil. O religioso, que possui mestrado em melhoria na gestão penitenciária para incorporação dos direitos humanos pelo Kings College, em Londres, acredita que a tendência do Estado é apenas reprimir. “As medidas tomadas aí não são de solução, são de manutenção do conflito”, afirmou.
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Em entrevista ao Congresso em Foco, o padre diz que o caso de Pedrinhas não é isolado – repete-se em diversos presídios brasileiros, mas ganhou maior projeção por causa da divulgação das decapitações – e que construir mais presídios não resolve o problema – quanto mais se constrói, mais se prende, observa.
Valdir acredita que, se o Estado cumprisse a Lei de Execução Penal, problemas como a superlotação nos presídios não existiriam. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que 40% dos presos aguardam a pena em regime fechado. Ou seja, eles não foram sentenciados mas já estão dentro de uma penitenciária. Na visão do padre, especialmente nas áreas mais pobres do país, a única resposta do governo é a prisão, o que colabora para o inchaço do sistema.
O coordenador nacional da Pastoral Carcerária lamenta que os governos estaduais e federal não tenham tomado atitudes para resolver os problemas do sistema. E acrescenta que não foi por falta de aviso. Para Valdir, a única solução no momento é a pressão de órgãos internacionais no Brasil. Na entrevista, ele também critica o modelo de privatização aplicado por aqui, similar ao dos Estados Unidos. “Lá também não está funcionando”, disse.
Leia a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – Qual a avaliação do senhor sobre as medidas tomadas pelo governo federal e do Maranhão no caso do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, como a criação de novos presídios?
Padre Valdir – A situação em Pedrinhas não é uma coisa isolada, é assim no Brasil inteiro. Ela só veio à tona por causa das decapitações que aconteceram entre os presos. No nosso sistema o aprisionamento é uma coisa constante. As medidas que vêm sendo tomadas como solução, ao nosso ver, são de manutenção de conflito, não de solução, não resolvem. Na nossa visão de contato com o sistema prisional, se o Judiciário agisse de imediato, por exemplo, aqueles provisórios que aguardam longo período por um julgamento, fossem julgados de acordo com a lei, no tempo previsto, se houvesse defesa de qualidade, como as pessoas que podem pagar particular… Se quem é condenado no semiaberto cumprisse a pena no semiaberto e não no regime fechado… Se isso acontecesse não teríamos que criar nenhuma vaga a mais, bastava que o Judiciário cumprisse o que lhe compete. A criação de vagas não é solução. Você pode ver isso, é confirmado: os estados que aumentaram as vagas aumentaram simultaneamente as prisões. Estão todos superlotados, ninguém está com sobra de vaga em nenhum estado do Brasil. É uma realidade que basta olhar em torno do que está acontecendo. As medidas tomadas aí não são de solução, são de manutenção do conflito.
O aumento de vagas também é reflexo de uma política exagerada de encarceramento?
Existe um grande encarceramento em massa no país. Especialmente nos bolsões mais pobres e mais miseráveis do Brasil, onde faltaram todas as políticas públicas e sociais, a resposta é a prisão. Então se houvesse políticas públicas para as pessoas mais miseráveis, nós não teríamos esse número tão alto de prisões. Agora, uma vez preso, o Estado deveria assumir o que compete ao Estado. Ou seja, a execução penal, nas condições determinadas pela lei. Nós sabemos que o Estado, como abandonou os bolsões de miséria, joga no presídio e confia o preso a outros presos. Não assume a responsabilidade pelo sistema prisional, o que lhe compete de saúde, de trabalho, de assistência jurídica, psicológica, social. Veja a questão de Pedrinhas por exemplo: a primeira resposta foi colocar mais policiais dentro do presídio. Não foi mais assistentes sociais, mais psicólogos, mais médicos, mais advogados, não foi Defensoria Pública. A resposta é só repressão. E quanto mais repressão mais revolta vai ter. O que está sendo feito é justamente o inverso do que deveria ser feito.
A Comissão Pastoral desenvolve o trabalho de acompanhamento da situação carcerária no país há anos. Que tipo de resposta recebe das autoridades quando apresenta os problemas nos presídios?
Nós temos feitos relatórios constantes das nossas visitas no estados pelo Brasil. Nos casos mais graves, a gente primeiro repassa para as autoridades locais, depois para instâncias superiores. De 2010 a 2013 mandamos sistematicamente relatórios sobre a situação do Amazonas, de uma situação dramática que ocorria lá. Como também já mandamos outros relatórios de outros lugares do Brasil. A maioria nem nos responde, só diz que receberam o documento. E, quando começamos a cobrar, a resposta é “estamos fazendo encaminhamentos”. Mas não se tem nada concreto.
Existe alternativa nesta pressão?
O que a gente tem feito é apelado para as cortes internacionais. O caso de amazonas foi assim, estamos apelando para Genebra na questão do Maranhão. Outros casos foram para a OEA (Organização dos Estados Americanos). Se não temos resposta no Brasil temos que apelar para os fóruns internacionais para ver se o governo do Brasil dá uma resposta para a gente.
A impressão que dá é que existe também uma política de esquecimento dos detentos.
Onde há os bolsões de miséria, onde deveria ter política social, se responde com prisões, joga no presídio e confia o preso a outro preso. O sistema prisional do brasil falha até no que se refere as coisas mais básicas. Aqui no estado de São Paulo fizemos um levantamento até no que se refere ao kit higiênico que eles recebiam, se recebiam de acordo com a lei. A maioria dos estados não dá para o preso o kit básico, com sabonete… Tudo é pago pelo estado. O dinheiro é repassado para as secretarias, mas não chega para os presos. Realmente, se joga no presídio e se esquece, chaveia a porta e agora eles que fiquem aí dentro.
Com o agravamento da situação em Pedrinhas, cresceu a possibilidade de o Ministério Público pedir a intervenção federal. É um caminho para melhorar a situação?
Uma resposta com repressão sem cumprir a Lei de Execução Penal não funciona. A Força Nacional de Segurança deveria ir depois que fosse enviado o quadro técnico para as unidades. Funcionários que trabalhem com a integração, assistentes sociais, médicos, professores, pedagogos. Outra questão é que os estados tivessem, o quanto antes, uma escola de agentes penitenciários. Passam para as firmas terceirizadas que não têm qualificação para o trabalho. E aí o problema é muito sério, as pessoas não são preparadas.
Em Pedrinhas, existe um agente penitenciário concursado para cada seis terceirizados.
A pastoral fez um levantamento desta realidade em todos os presídios privatizados do país. Eu estava nesta semana em Araguíana, em Tocantins, no presídio privatizado de lá. Em dois anos que está privatizado, já houve uma movimentação, uma rotatividade, de 40% dos funcionários. E muitos funcionários foram afastados por corrupção. Quatro funcionários estão presos, outros dois respondendo a processos na Justiça.
Esse modelo pode funcionar no Brasil? Nos Estados Unidos, por exemplo, é muito comum presídios terceirizados.
Lá também não está funcionando. Fizemos um trabalho de pesquisa por dois anos lá, até para saber que posição tomar, e o problema é sério. O governo de Barack Obama está com um programa de esvaziamento, porque não deu certo.
Até porque eles trabalham pelo lucro, ganham um valor por cada preso…
Tem esse lado econômico também, mas existem outras questões. Em Ribeirão das Neves, que é em Minas Gerais, há uma propaganda muito grande pelo modelo de parceria público-privada, os presos, todos revoltados, pediam que voltasse ao comando do Estado devido à repressão que eles sofrem. Por exemplo, até para tomar banho é complicado, porque nesses presídios é controlada a água porque não pode ter prejuízo. Todos eles reclamam que não podem lavar o cabelo, porque é três minutos de banho. O banho é público, como no modelo americano. Teve até uma rebelião, na Serrinha, na Bahia, porque lá o banho era 30 segundos para cada preso para economia que a empresa fazia. Outro problema é a dificuldade de acesso ao preso pela família. Há grande dificuldade de contatar o preso dentro do sistema privatizado.
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