Desde que enfrentou a maior crise do governo Lula, no episódio que ficou conhecido como Mensalão, o PT vive um dilema quase psicológico, uma crise de identidade. O escândalo, ocorrido entre 2005 e 2006, ainda reverbera dentro do partido, dividindo os que defendem que é preciso negá-lo e os que julgam que é preciso enfrentá-lo para aprender com ele e corrigir os erros que foram cometidos. Diante da reação da presidenta Dilma Rousseff aos casos de corrupção em seu governo, a crise de identidade que ainda acomete o PT fez com que o 4º Congresso Nacional do partido virasse uma espécie de terapia. A imagem é do próprio líder do partido na Câmara, deputado Paulo Teixeira (SP) em entrevista ao Congresso em Foco.
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Para ele, o 4º Congresso Nacional foi uma oportunidade que o PT teve de esclarecer melhor os rumos que pretende seguir, ultrapassada a era Lula. As diferenças de estilo entre Dilma e o ex-presidente faziam com que muitos, ao compará-los, enxergassem mais distinções que identidades entre os dois. Para Paulo Teixeira, o Congresso do PT conseguiu recolocar as coisas nos eixos, ao recuperar as semelhanças que existem além das personalidades de cada presidente. “O PT saiu com uma grande unidade e também fortalecido”, avaliou Teixeira.
“O que foi ressaltado [no Congresso] foram as identidades. A identidade com o povo, a atenção ao mais sofrido, a seriedade no trato da coisa pública. O governo Lula fortaleceu a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União, esses órgãos de controle. O fortalecimento deles se deve muito ao governo do presidente Lula. E a presidenta Dilma prossegue na mesma linha, com essas medidas saneadoras que ela está fazendo”, disse.
A partir da polêmica em torno de recente reportagem da revista Veja a respeito das atividades políticas do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, um tema que andava esquecido no governo Dilma foi retomado pelo PT: a criação de um marco regulatório da comunicação social, com a criação de um conselho da sociedade para acompanhar os trabalhos dos veículos jornalísticos. Para o líder, setores da mídia contrários ao governo tentam desqualificar o debate, distorcendo o que está sendo proposto.
“Esse marco proposto se baseia na Constituição brasileira […]. A regulamentação dos meios de comunicação de massa é formada pelos princípios da liberdade de imprensa, da não aceitação da censura, da livre expressão. Então, são valores consagrados na nossa Constituição e nós brigamos por eles.
Advogado e mestre em Direito do Estado pela USP, Paulo Teixeira chegou à liderança do PT na Câmara no seu segundo mandato como deputado federal. Nascido em Águas da Prata, município que fica a 240km de São Paulo, foi deputado estadual por dois mandatos, e Secretário da Habitação em São Paulo no governo Marta Suplicy. Teve atuação importante no debate que barrou até agora o projeto do deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG) de regulação da internet, que ganhou o apelido de “AI-5 digital”.
PublicidadeLeia abaixo a entrevista de Paulo Teixeira:
Congresso em Foco – Que PT saiu deste 4º Congresso Nacional do partido?
Paulo Teixeira – O PT saiu com uma grande unidade e também fortalecido. Em primeiro lugar, houve um apoio integral às políticas da presidenta Dilma Rousseff. A política de crescimento, com geração de empregos, com distribuição de renda. A qualificação das políticas de educação, saúde e segurança pública. O projeto nacional de inserção autônoma no mundo globalizado, o projeto de unidade latinoamericana, sul-americana. A política externa que nós estamos fazendo, e aqui internamente a política de qualificação da nossa indústria, a defesa do mercado interno. Então, o PT sai apoiando a presidenta da República. Ao mesmo tempo, apóia a proposta de reforma política que é da lavra do deputado Henrique Fontana. A ideia da migração do financiamento privado para o financiamento público, o sistema proporcional misto, a cota para as mulheres e a modernização dos mecanismos de democracia participativa. Então, o PT igualmente, vai aprofundar o seu diálogo com a sociedade nesta direção da reforma política. E vamos dialogar com a sociedade. A terceira grande questão é a atualização das estruturas partidárias, mais destacadamente a aprovação da paridade nas instâncias de direção entre homens e mulheres, cotas étnico-raciais e cotas para jovens.
Quais são as principais diferenças que o senhor enxerga entre o governo Dilma e o governo Lula?
Olha, na verdade, no Congresso, o que foi ressaltado foram as identidades. A identidade com o povo, a atenção ao mais sofrido, a seriedade no trato da coisa pública. O governo Lula fortaleceu a polícia federal, a Controladoria-Geral da União. A existência desses órgãos de controle, o fortalecimento deles, deve-se muito ao governo do presidente Lula. Que a presidenta Dilma complementa com essas medidas saneadoras que ela está fazendo. Então, o Congresso acabou ressaltando as identidades dos dois governos. Um governo de crescimento, geração de emprego, distribuição de renda, qualificação dos serviços públicos e de inserção autônoma no mundo globalizado. Eles são diferentes os dois. A origem de luta dos dois. A inserção social, a experiência, é muito diferente. Então, destacadamente, a experiência dos dois é muito distinta. Mas eu acho que foi a identidade entre os dois que foi ressaltada no encontro.
A resolução política do Congresso reafirma que o combate à corrupção foi rigoroso, como nunca na história do país, no governo Lula. E que Dilma tem dado continuidade a isso. Há um desconforto no partido quando se compara a “faxina” promovida pela presidenta em relação às ações do ex-presidente Lula quando havia uma denúncia de irregularidade no governo?
Na verdade, todas as medidas da presidenta Dilma Rousseff de defesa da ética têm o apoio do PT. Outra coisa é a tentativa da oposição de criminalizar o governo. Isso é o que foi rechaçado. E o compromisso com “faxina” que ela diz ter é com a erradicação da miséria. Então, esse nome, “faxina” não é muito próprio para esse combate à corrupção.
A avaliação de que houve excessos da revista Veja na reportagem em que mostrou Dirceu despachando num quarto de hotel com ministros e políticos petistas aglutinou mais o partido?
Nós lutamos pela liberdade de imprensa. Então, nós sempre vamos defender uma liberdade da imprensa, a livre expressão. Nós não admitimos a censura. Agora, há momentos em que você tem que criticar o tipo de jornalismo que se faz. Então, quando um jornalista instala uma câmera dentro de um hotel, invadindo a privacidade de uma pessoa, esse jornalista confronta a Constituição. Porque a Constituição garante esse direito igualmente. Então, ali no episódio do José Dirceu, nós achamos inaceitável o jornalismo que se utiliza desses métodos. E eles acontecem em sistemas democráticos. Recentemente, aconteceu na Inglaterra, com o jornal News of the World, que se utilizava de meios ilegais. E esse jornal foi fechado. Então, nós não podemos admitir o uso de práticas ilegais por qualquer tipo de pessoa na nossa sociedade, seja ela cidadão comum, seja graduado, advogado, médico. O que o Congresso expressou foi solidariedade em relação a esse ataque que o Zé Dirceu recebeu desta revista.
No documento deste encontro, o PT também defende “um marco regulatório capaz de democratizar a mídia no país”. Em que se baseia esse marco regulatório?
Esse marco proposto se baseia na Constituição brasileira. A Constituição tem uns artigos que não foram regulamentados sobre Comunicação Social, o capítulo 5º. A Constituição não foi regulamentada, e a regulamentação dos meios de comunicação de massa que se propõe é formada pelos princípios da liberdade de imprensa, da não aceitação da censura, da livre expressão. São valores consagrados na nossa Constituição e nós brigamos por eles. Agora, nós temos que regulamentar a publicidade de produtos que façam mal a saúde, como álcool e cigarro, produtos alimentícios, agrotóxicos. Está lá na Constituição, o constituinte previu, mas não há regulamentação até agora. A questão do monopólio, da propriedade cruzada, das outorgas.
As críticas da mídia em relação à proposta do marco regulatório são uma tentativa de manter a liberdade e os poderes que detêm atualmente?
Me parece que há segmentos da mídia que querem interditar esse debate. E ele é importante para a sociedade brasileira. Temos que fazer, inclusive com a presença e a participação dos proprietários dos órgãos de comunicação. Mas também com a sociedade, com os sindicatos, com a universidade.
No entanto, houve um recuo, já que aprovaram no Congresso apenas uma moção de apoio em vez de colocar este ponto da resolução como estava previsto. Por que não se incluiu este ponto na resolução?
Foi uma deliberação partidária. Não creio que tenha havido recuo.
A intenção do documento é também proibir que parlamentares recebam concessões de rádio, televisão e jornal, de agora em diante. No entanto, muitos parlamentares nesta situação são inclusive, da base parlamentar. A proposta não irá criar um ponto de tensão no Congresso? Como o assunto poderá ser discutido?
Esse debate é: poderão os políticos ser proprietários de órgãos de comunicação social? Eu creio que deveríamos impedir essa possibilidade, porque quebra a isonomia na disputa política se uma pessoa é proprietária de um órgão de comunicação. Se ela for, na minha opinião, ela deveria se desvencilhar desta propriedade para concorrer a um mandato parlamentar.
Mas esse debate tem condições de acontecer de fato no Congresso?
Eu acho que tem que acontecer. No âmbito de uma regulamentação dos meios de comunicação, eu acho que esse debate surgirá com naturalidade. E o fato de criar tensão, por si só, não é ruim.
Há uma nova corrente no partido, liderado pelo sociólogo Emir Sader, que reivindica a retomada dos valores e princípios originais defendidos pelo PT em sua fundação. Que princípios o senhor acredita que o partido, mesmo no governo, deveria resgatar?
Eu acho que o PT está botando a mão nas suas entranhas e está fazendo uma terapia. O PT deitou no divã, já desde a crise de 2005, fazendo essa terapia. Na minha opinião, o PT tem esse caráter importante de ser um partido pedagógico. Ele tem que continuar a sua missão de politizar o povo brasileiro, e organizá-lo para lutar pelos seus direitos. Construir um programa político de mudanças para o país, que eu acho que é o programa democrático e popular, mas também trabalhar no plano dos valores. Uma sociedade que a gente quer construir, justa, fraterna, profundamente democrática e na qual a riqueza seja distribuída equilibradamente.
Algum desses valores estava esquecido e precisa ser recuperado?
Acho que quando essas forças se organizam preocupadas com isso, isso diz respeito a buscar aqueles aspectos mais profundos que precisam ser valorizados.
As eleições municipais de 2012 se aproximam. O PT deu sinal verde para alianças com partidos da base governista. Essa mudança já era pedida por alguns setores do partido. Com este aval do partido, o que será diferente nas próximas eleições?
As eleições de 2012 são eleições importantíssimas, porque é ali que vai se arranjar o tabuleiro político nacional. Nessas eleições, os partidos irão se posicionar. O PT tem nelas o objetivo de fortalecer a base do governo da presidenta Dilma Rousseff para ganhar as eleições de 2012.
E quanto à possibilidade de fazer alianças com o recém-criado PSD, de Gilberto Kassab?
O PSD fez uma inclinação pró-governo. Então, nós temos que recepcioná-los. Se eles vieram para apoiar o governo, a aliança será natural.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, defendeu que os recursos para a regulamentação da Emenda 29 venham da tributação de cigarros e bebidas. O que tem mais chance de prosperar hoje no Congresso: essa taxação ou a criação de um novo tributo para financiar a saúde? Ou a Câmara poderá passar esta decisão para o Senado?
Nós temos que ainda nos colocar em acordo de quem será a iniciativa e como ela será aprovada. Mas eu acho que nós temos que ser claros com o povo brasileiro para melhorar as condições de saúde em um sistema generoso, universal e gratuito. Diante de uma população que a cada dia tem uma expectativa de vida mais longa, o que é bom. Diante de um serviço público que é caro e tecnologicamente moderno. Nós precisamos aumentar e ampliar as fontes de financiamento para a Saúde.
O senhor é a favor da criação de novos tributos para a saúde?
Eu defendo que nós possamos equacionar essas fontes. De uma maneira muito equilibrada e justa. Sempre atuando naqueles segmentos que afetam a saúde, como o álcool, cigarro, acidente de carro, e a alta renda. Nós temos que captar a alta renda, aquela pessoa que tem muito dinheiro e nem sabe o que vai fazer com o dinheiro, para que esses recursos possam contribuir para a melhoria da saúde do povo brasileiro. Essas medidas desestimulariam as pessoas que fazem uso de cigarros e bebidas, e as pessoas teriam mais cuidado com seus automóveis, porque os acidentes de trânsito afetam muito a vida dos brasileiros hoje em dia. Buscar naqueles segmentos mais aquinhoados do país. Como na França há a discussão de o rico pagar mais imposto e nos Estados Unidos também, eu fico achando que pode ser uma tendência internacional, e o Brasil terá nesses segmentos a contribuição para a saúde.