Em meio ao turbilhão de casos de corrupção que estampam o noticiário, invadem as redes sociais e dominam o bate-papo das mesas de happy hour todos os dias, vemos a descrença na classe política ampliando-se de forma assustadora.
A indignação da sociedade com tamanha roubalheira está transcendendo para um sentimento perigoso, pior e mais doloroso que a antidemocrática divisão entre “nós” e “eles”, que tantos prejuízos causou à nossa incipiente democracia. O sentimento agora é de um verdadeiro ódio, não só aos políticos, mas à política. Tomadas por tamanha repulsa, as pessoas de bem vão se afastando cada vez mais do processo político em detrimento à mobilização social necessária para uma plena reestruturação do sistema político. Esse é o cenário perfeito para aqueles que desejam manter as coisas como estão.
A participação direta da sociedade no processo político é essencial, pois sem ela não há Estado de Direito, não há República e, muito menos, democracia. Estimular a interação do indivíduo nas ações da sociedade que integra e nas ações do governo que ajuda a constituir é tema que compõe o grande debate sobre a sociedade e o Estado modernos, e que trata do aperfeiçoamento da democracia meramente representativa.
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O princípio da participação popular é facilmente identificado em nossa ordem constitucional, não somente expressado no “poder que emana do povo”, mas também complementado pelos direitos fundamentais, como o de receber informações dos órgãos públicos, de reunião e de liberdade de associação. Especificamente, a iniciativa ativa da população se manifesta nos mecanismos de democracia direta como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular (artigo 14, incisos I, II e III, da Constituição).
Pela Carta Magna, um projeto de iniciativa popular precisa receber a assinatura de pelo menos 1% dos eleitores brasileiros – hoje cerca de 1,5 milhão de assinaturas – divididos entre cinco estados, com não menos de 0,3% do eleitorado de cada um. Apesar da previsão constitucional, é muito difícil viabilizar esses projetos. Desde a promulgação da Constituição, em 1988, apenas quatro leis de iniciativa popular entraram em vigor. A mais recente foi a Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de condenados judicialmente em 2ª instância (Lei Complementar 135/2010), que ajudou a sanear o sistema.
No Distrito Federal, tivemos até hoje apenas dois projetos de lei de iniciativa popular: um criando a Política Habitacional para Nascidos no DF (PL 1.102/2008); e outro de estímulo ao cumprimento de obrigações tributárias em atraso, mediante temporária redução de multas tributárias. Nenhum deles foi aprovado. Aqui, a Lei Orgânica exige a assinatura de 1% do eleitorado dividido em, pelo menos, três zonas eleitorais – hoje em torno de 20 mil assinaturas.PublicidadeQuando tomei posse no primeiro mandato como deputado distrital, em 2003, assumi o princípio da participação popular em todas as atividades do mandato, seja na missão de fiscalizar o Executivo, seja na de criar leis e, particular e essencialmente, destinar recursos orçamentários. Essas destinações são feitas pelo modelo de orçamento participativo, ouvindo diretamente a população em todas as cidades do DF.
Naquele ano, apresentei algumas proposições legislativas para aproximar a população do Legislativo. Uma instituía a Tribuna Popular (PR 02/2003), dando voz aos cidadãos; outra criava a Comissão Permanente de Legislação Participativa (PR 21/2003), para dar seguimento às sugestões legislativas e moções de repúdio a leis impopulares (Petição Revogatória); outra criava a Ouvidoria Parlamentar da CLDF (PR 22/2003). Também é de minha autoria a proposta de emenda à Lei Orgânica (PELO 25/2004) que visava inserir a participação popular no rol dos princípios da Administração Pública, o que garantiria amparo legal a exigências de consultas à sociedade em temas que lhe são pertinentes, de forma a figurar junto de outros princípios como legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.
Dessas iniciativas, apenas a Ouvidoria Parlamentar teve êxito e saiu do papel anos mais tarde, por iniciativa da Mesa Diretora da CLDF. Ao longo de quatro mandatos, tento avançar na aproximação entre representantes e representados. É possível reconhecer que melhoramos, mas sempre houve forte resistência. O corporativismo ainda é forte e resiste à transparência ativa e à maior participação popular. O princípio está implícito e largamente disseminado em nosso ordenamento constitucional, mas nossa prática político-administrativa ainda está longe de assumir a participação popular como característica marcante e constituinte de um novo patamar nas relações do Estado com a sociedade.
Agora, à frente da Ouvidoria da CLDF, tenho a missão de implementar a transparência máxima na Casa. O grande desafio é passar da transparência passiva, conquistada com a Lei de Acesso à Informação, para a transparência ativa, mediante a qual os cidadãos possam buscar e ter acesso de forma desburocratizada e direta a todos os dados do Poder Legislativo.
O próximo passo é resgatar a participação popular, ampliando a interação dos brasilienses no processo de elaboração das leis. Para facilitar a coleta de assinaturas necessárias para tramitação das propostas apresentadas pela sociedade, como projetos de lei, estamos trabalhando para implementar o aplicativo “Mudamos”, de forma gratuita, para que a população possa apresentar propostas pelo celular. Idealizado por Márlon Reis, ex-juiz e advogado especialista em Direito Eleitoral – um dos idealizadores e redatores da Lei da Ficha Limpa –, o app estimula e viabiliza o dispositivo constitucional da iniciativa popular para proposições legislativas.
Ampliar o acesso da população ao processo de elaboração das leis e aos meios de representação neste momento de forte repulsa à política é preponderante para fortalecermos nossa democracia e conseguirmos a mobilização necessária para uma completa reestruturação do sistema político. Afinal, não basta o sufrágio universal para que se possa dizer que uma nação é livre e democrática.