Parlamentares negam existir qualquer tipo de conflito de interesse porque fizeram emendas para beneficiar usineiros na MP 413 e, ao mesmo tempo, tiveram suas campanhas financiadas por essas empresas. Segundo eles, muitas vezes o que existe é “coerência”, porque estão cuidando dos interesses de seus eleitores, de seus negócios e da população em geral, que poderá comprar combustível mais barato com as medidas sugeridas nas emendas.
O deputado Paulo Maluf (PP-SP), que recebeu o maior volume de doações do setor sucroalcooleiro, não admite qualquer suspeita de barganha. Ele declarou ao Congresso em Foco que sua emenda foi motivada exclusivamente pelo “mais alto interesse público”, porque pretende permitir que as usinas vendam álcool diretamente para qualquer posto de combustível, sem interferência das distribuidoras.
“Se você quer fofoca, eu estou com 76 anos de idade e estou um pouco escolado contra maldade de foca [jornalista iniciante]”, afirmou Maluf, irritado. “Se você quiser fofoca, para ter lead [notícia] de um jornal, você não vai ter comigo”, emendou.
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Ele recebeu R$ 300 mil do setor alcooleiro e fez uma emenda à MP 413. De acordo com Maluf, atualmente, acontece o “absurdo” de uma usina produzir álcool no noroeste de São Paulo, mandá-lo para uma distribuidora a 400 quilômetros de distância e o produto ser enviado de volta, em nova viagem de 400 quilômetros, aos postos do noroeste paulista. “Do jeito que estava, era alcoolturismo”, ironizou. Com a emenda, o deputado sustenta que o preço do combustível vai cair para o consumidor.
Identidade de interesses
O deputado Antônio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP) disse que as emendas visam a beneficiar seus eleitores. Presidente da Frente Parlamentar dos Biocombustíveis, ele disse que as associações de produtores de cana, que vendem para os usineiros, têm um vínculo forte com ele.
“Esses são meus eleitores. São 25 mil famílias. Sou um defensor dos produtores de cana”, diz Thame. Ele não vê conflitos de interesses na relação entre as doações das usinas e as emendas. “Ao contrário, há uma identidade de interesses.” O tucano, que recebeu R$ 170 mil do setor, fez cinco emendas à medida provisória.
Thame afirma que ele mesmo procurou os produtores de cana quando soube da MP 413. O deputado conta que fez as emendas e as enviou para diversas pessoas por correio eletrônico. Existem emendas dele idênticas a textos assinados por outros parlamentares, até por José Eduardo Cardozo (PT-SP) – integrante de uma legenda ferrenha adversária do PSDB em São Paulo.
Thame admite a possibilidade de alguns textos dele terem sido copiados e que ele mesmo tenha assinado proposições preparadas pelo setor sucroalcooleiro.
Investigação
Produtor de cana de uma cooperativa de Rolândia (PR) dona de uma usina de álcool, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) também alega que não há conflito de interesse no fato de ter apresentado emenda para um segmento que o beneficiou em 2006. O problema, afirma ele, seria o lobby das distribuidoras dentro do governo ao patrocinar a MP 413, que muda a tributação do setor. O deputado quer uma investigação sobre o assunto a ponto de “botar na cadeia” os reais autores da MP.
“Os lobistas que infiltraram dentro do governo, do sindicato dos combustíveis, é que têm que explicar a origem dessa coisa. Queremos saber como foi feito esse lobby dentro do governo Lula, quem defende esse Sindicom [sindicato das distribuidoras] aqui no Congresso e no governo.”
Hauly,que recebeu R$ 55 mil do setor sucroalcooleiro, fez 12 emendas para favorecer o segmento. Ele disse a medida provisória foi assunto de uma reunião da cooperativa de Rolândia, da qual participa. Os parlamentares foram cobrados no encontro. “Como vocês, deputados do Paraná, São Paulo, Minas e Mato Grosso, aceitam um esbulho desses?”, relata o parlamentar paranaense a cobrança feita pelos cooperados.
Para o deputado, o motivo de muitas emendas serem iguais é que a MP 413 mexeu com o setor de álcool de todo o país, o que teria mobilizado produtores de diversos estados.
Financiamento público
O deputado José Eduardo Cardozo é autor de uma emenda à medida provisória, mas não recebeu recursos do setor alcooleiro. Ele acredita que os textos inseridos pelos deputados e senadores devem ser analisados em seu conteúdo, e não apenas pela relação do parlamentar com seus financiadores de campanha. Por conta das dúvidas suscitadas desse relacionamento, Cardozo defende o financiamento público das campanhas.
“O problema é o sistema eleitoral. É terrível para o parlamentar que recebeu financiamento e entende que a coisa [emenda] é correta para o país. Sempre ficará a suspeita de que ele está fazendo isso como pagamento de alguma coisa”, avalia.
Cardozo disse que foi procurado pelo advogado da União da Indústria de Cana e Açúcar (Única) para debater a autorização para a exploração do mercado de dutos de álcool. Ele disse, como professor de direito administrativo, estudou a matéria e assinou sua emenda conforme pediram os empresários. “A sugestão me pareceu razoável”, diz o petista. Mas ele afirmou desconhecer que sua emenda fosse idêntica à de Mendes Thame.
Na quarta-feira passada (12), a reportagem enviou correio eletrônico para os 21 parlamentares que fizeram emendas à MP 413 para beneficiar o setor de álcool. Na ocasião, se ofereceu para falar pessoalmente ou por telefone com os deputados e senadores ou receber as informações por escrito. Mas, afora os parlamentares localizados pelo site, nenhum deles respondeu às perguntas do Congresso em Foco até a última segunda-feira (17).
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