Integrantes do Ministério Público Federal acusam o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes de agir em causa própria ao se posicionar a favor do fim da lei de improbidade administrativa, medida que deve mandar para o arquivo mais de 10 mil processos contra políticos.
Segundo a Folha de S. Paulo, alguns procuradores atribuem a indisposição ao fato de o vice-presidente do STF também ser alvo de ações de improbidade, numa das quais é acusado de enriquecimento ilícito.
Mendes poderá ser beneficiado com a decisão que o STF vier a tomar sobre uma reclamação do ex-ministro de Ciência e Tecnologia Ronaldo Sardenberg, também acusado de improbidade, diz a reportagem de Frederico Vasconcelos. Na sessão que retomou o julgamento sobre o caso, no último dia 1º, o ministro do Supremo fez um discurso duro contra o Ministério Público, acusando procuradores de fazer uso político das ações por improbidade.
Em abril de 2005, a ministra Ellen Gracie suspendeu o processo contra Mendes, condicionando-o à apreciação da reclamação de Sardenberg. Na avaliação de procuradores ouvidos pela Folha, Mendes espera que prevaleçam os votos anteriores, extinguindo a ação do ex-ministro, prevendo que a sua terá o mesmo encaminhamento.
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Sem a Lei de Improbidade, agentes políticos serão processados apenas por crime de responsabilidade, que prevê sanções mais brandas. Em vários desses casos, o âmbito do julgamento são as assembléias legislativas ou as câmaras municipais (leia).
Em 2002, o procurador da República Luiz Francisco Souza ofereceu ação de improbidade contra Mendes, acusando-o de enriquecimento ilícito quando advogado-geral da União, no governo FHC.
Diz a reportagem da Folha: “Sócio-cotista do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP Ltda., de Brasília, Mendes, diz a acusação, ‘lecionava em sua própria empresa, no horário de trabalho, e permitia a liberação de subordinados para assistir as aulas’. ‘Permitiu que seus subordinados usassem o poder da entidade e do órgão que dirigia para beneficiar-se e para que sua empresa obtivesse receita e lucros.’”.
O ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles saiu em defesa, no último dia 2, dos procuradores citados por Mendes no julgamento do caso Sardenberg. Fonteles afirmou que, "sem um dado consistente sequer", o vice-presidente do STF "tisnou a honra funcional" dos procuradores Raquel Branquinho, Walquíria Quixadá, Guilherme Shelb, José Alfredo de Paula Silva e Luiz Francisco Fernandes de Souza, ao atribuir-lhes "uso político de ações de improbidade".
De acordo com a procuradora da República Ana Lúcia Amaral, Gilmar Mendes "tem demonstrado em seus votos um rancor desmedido em relação ao MPF, possivelmente por ter sido acionado por improbidade administrativa".
Segundo a Folha, o ministro do STF não quis se manifestar sobre as críticas dos procuradores da República. “Consultado por e-mail, na última quarta-feira, Mendes telefonou para o jornal, no dia seguinte, quando foi informado de todos os assuntos que seriam tratados na reportagem. Ele afirmou que não iria fazer comentários sobre as decisões como ministro do STF.”
TJs evitam investigar desembargadores
Reportagem da Folha de S. Paulo revela que 14 dos 27 Tribunais de Justiça (TJs) do país nunca abriram processo disciplinar para apurar desvio de conduta de seus desembargadores. Das 19 investigações abertas em nove TJs, só três resultaram em punição. Quatro tribunais não responderam à reportagem.
Até a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2005, só os TJs podiam abrir esses processos. "Imaginamos que a principal razão disso [número baixo de processos e punições] é o constrangimento de investigar o próprio colega", diz o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Rodrigo Collaço.
As punições previstas na legislação brasileira para os magistrados são brandas. Eles podem ser postos em disponibilidade ou aposentados compulsoriamente. A demissão depende de sentença definitiva em processo judicial, que dificilmente é obtida.
Os desembargadores que são acusados de crimes respondem a processos perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), porque têm foro privilegiado. Mas, até hoje, o STJ nunca condenou nenhum desembargador.
Segundo a reportagem de Andréa Michael e Silvana de Freitas, o CNJ reabriu dois processos que tinham sido arquivados pelo TJ e pelo STJ contra um desembargador de Minas Gerais, acusado de ganhar uma caminhonete como pagamento para influenciar decisão judicial e R$ 60 mil por uma liminar.
Os dois tribunais disseram que o arquivamento decorreu da falta de indícios. Entendendo o contrário, o CNJ reabriu as investigações. Hoje o desembargador está afastado. "Havia quase 20 provas documentais e testemunhais contra ele. O tribunal de Minas disse que elas eram relevantes e que o caso seria de demissão. Como essa pena depende de sentença judicial, a decisão foi pelo arquivamento", disse o ministro do STJ Pádua Ribeiro, conselheiro do CNJ.
A antecipação da aposentadoria também sido utilizada como instrumento para evitar a punição. Suspeita de ter se apropriado de R$ 4 milhões destinados a depósitos judiciais, uma desembargadora do Pará se aposentou em 2003 para escapar do processo. Em 2005, foi denunciada pelo Ministério Público sob a acusação de ter praticado crimes de peculato, falsificação de documentos públicos e falsidade ideológica.
O TJ-SP, que é o maior do país, com 360 desembargadores, abriu três processos disciplinares desde 1989 e arquivou todos, diz a reportagem.