As datas das viagens feitas pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu para países onde, segundo ele, fez prospecção de negócios para a empreiteira Engevix são alvo de questionamento do Ministério Público Federal (MPF) no âmbito da investigação da Operação Lava Jato. Laudos do MPF apontam que, em alguns casos, os deslocamentos ocorreram antes da formalização de qualquer contrato com a empresa; em outros, houve apenas uma viagem de negócios no período contratado, algo considerado “atípico” pelos investigadores.
A prestação desse tipo de serviço é o principal argumento do petista para justificar o recebimento de recursos de grupos acusados de participar do esquema de corrupção na Petrobras. A contradição ajudou a embasar o pedido de prisão preventiva do ex-ministro. O petista foi preso na manhã desta segunda-feira (3), durante a 17ª fase da Operação Lava Jato, denominada Pixuleco. Os investigadores do MPF e da Polícia Federal (PF) suspeitam que a sua empresa, a JD Assessoria e Consultoria, foi usada apenas como um negócio de fachada para recebimento de recursos desviados de obras da Petrobras.
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Um dos contratos para a prospecção de negócios no exterior foi firmado com a Engevix Engenharia S.A. no valor global de R$ 300 mil. O objeto do contrato foi “assessoria jurídica, institucional para atuação no mercado latino-americano e africano”, em especial em Cuba e no Peru. Segundo o MPF, esse contrato tem uma “confusão de datas”.
Os investigadores acharam estranho o fato de que, em um trecho, esse contrato previa um prazo de execução de seis meses. Mas, em outro trecho do próprio documento, existia a informação de que a vigência dele começaria em 2 de novembro de 2009 e terminaria apenas em 1º de maio de 2011 – ou seja, 18 meses e não seis meses como estava escrito no trecho inicial do contrato.
Já as viagens contabilizadas por Dirceu a Cuba, segundo o MPF, ocorreram somente nos dias 29 de janeiro de 2006 e 4 de fevereiro de 2006 – ou seja, quase quatro anos antes do início da vigência do contrato. Assim, o MPF acredita que não houve qualquer visita ao país comandado pelos irmãos Raul e Fidel Castro no período contratado pela Engevix. A viagem ao Peru no período contratado ocorreu apenas no dia 11 de abril (houve também uma saída no dia 12 de abril registrada em passaporte). Os demais deslocamentos de Dirceu identificados pelo MPF ao Peru ocorreram em 25 de janeiro de 2007, 29 de maio de 2007, 26 de novembro de 2007 e 28 de outubro de 2009. Também nesse caso antes da assinatura do contrato entre a JD Assessoria e a Engevix. Os investigadores classificam como estranho o fato de o ex-ministro ter concentrado mais de 90% de suas viagens ao Peru antes de qualquer acordo com a Engevix.
“No caso, por exemplo, do contrato da Engevix Engenharia, o dirigente Gerson de Almada, apesar de afirmar a contratação para prospecção de negócios no Peru, já admitiu que a empresa, na prática, não logrou obter, por intermédio de José Dirceu, qualquer negócio”, afirmou o juiz Sérgio Moro na decisão judicial relacionada à prisão do petista.
PublicidadeApós surgirem as primeiras suspeitas relacionadas aos seus contratos de consultoria, o ex-ministro havia afirmado por meio de notas oficiais que ele tinha atendido cerca de 60 clientes de quase 20 setores diferentes da economia. “No período, Dirceu fez cerca de 120 viagens internacionais, visitando 28 países”, informava uma das notas oficiais do ex-ministro.
Dirceu cumpria pena de sete anos e 11 meses por envolvimento no escândalo do mensalão e já tinha progredido para o regime de prisão domiciliar – no qual ele podia trabalhar de dia mas era obrigado a ficar em casa das 18h até às 6h. Ao todo, durante a Operação Pixuleco, a PF cumpriu 40 mandados judiciais no Rio de Janeiro, em Brasília e São Paulo: três de prisão preventiva, cinco de prisão temporária, 26 de busca e apreensão e seis de condução coercitiva.
Segundo os investigadores da Lava Jato, Dirceu foi um dos mentores do chamado petrolão. O despacho do Sérgio Moro, que determinou a prisão do ex-ministro, aponta que ele recebeu um “mensalinho” de R$ 96 mil da Petrobras por dez anos consecutivos, como este site revelou em primeira mão. Em outro trecho dos autos sobre Dirceu, investigadores registram que sua firma de consultoria recebeu R$ 819 mil de membros do “clube VIP das empreiteiras” mesmo quando ele estava encarcerado, em Brasília, de 2013 em diante.
O advogado de Dirceu Roberto Podval negou as irregularidades nos contratos da JD Assessoria com a Engevix. Para ele, o MPF e a PF querem fazer do ex-ministro um “bode expiatório”. “Estão buscando um bode expiatório. Zé Dirceu é hoje um bode expiratório do processo. Estão tratando o Zé Dirceu como um grande prêmio que se encontrou ali”, afirmou Podval na noite desta segunda-feira. Ele também questionou a prisão do ex-ministro, classificando-a como desnecessária.
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