A CNBB divulgou na última quinta-feira, 23 de março, nota sobre a PEC 287/2016, que trata da Reforma da Previdência. O documento foi aprovado pelo Conselho Permanente do órgão, em reunião nos dias 21 a 23. Na ocasião, a CNBB também se manifestou sobre o foro de justiça privilegiado e a isenção tributária das instituições filantrópicas – no debate da reforma previdenciária, não acerca das decisões do STF de 2011, 2013 e 2014. Digna de elogio, registre-se, a posição dos bispos brasileiros a respeito do mais novo golpe em curso contra os direitos sociais.
Sem menção direta à célebre Conferência de Puebla, que reforçou as linhas gerais de atuação da Igreja latino-americana na “opção preferencial pelos pobres e jovens”, a nota dos bispos brasileiros adentra no cerne da questão, a solução do “problema” do financiamento da previdência social, apontado pelo governo, está na exclusão da proteção social de um imenso contingente de pessoas que a ela tem direito. O Governo Temer, afirma a nota, faz a opção pela exclusão social, ao contrário de Puebla, se poderia dizer. Péssimo católico esse presidente e péssimo presidente esse católico.
A alternativa passa pela auditoria da dívida pública, a taxação dos lucros estratosféricos dos bancos e a cobrança dos inadimplentes da Previdência – as grandes empresas do pato da Fiesp, certamente – conforme aponta o documento elaborado por uma comissão de bispos mais progressistas que a média, exatamente os que se responsabilizam pela elaboração dos documentos oficiais de opinião conjuntural a cada encontro do órgão.
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Isenção tributária, a nefasta reforma da previdência e foro de justiça privilegiado mereceram, se não nos debates entre os bispos, pelo menos no posicionamento externo, o mesmo tratamento pela CNBB. Posicionamentos contundentes sem, contudo, fugir à ternura.
Ao contrário do que a reação de alguns movimentos sociais e a opinião da internet progressista podem fazer parecer, a nota não representa a entrada dos bispos brasileiros na luta contra a reforma da previdência. Trata-se mais de um posicionamento formal, uma compreensão teológica sobre a conjuntura – compreensão progressista e humanista que já faltou à Igreja brasileira em alguns momentos, é fato – do que uma declaração do real estado de consciência e disposição dos bispos tupiniquins frente a esse tema.
Em 2015, por ocasião da elaboração e aprovação dos planos municipais de educação, a CNBB, reunida em seu Conselho Permanente divulgou nota – do mesmo tamanho, mas com ênfase diferente – conclamando os legisladores à responsabilidade de vetar os debates sobre igualdade de gênero dos respectivos documentos, a fim de evitar “consequências desastrosas para a vida das crianças e das famílias”. Mais do que uma compreensão formal, a nota sintetizava o posicionamento e convicção dos bispos brasileiros, a grosseira maioria, acerca desse tema. A partir daí cada paróquia, capitaneada por sua respectiva diocese, padres atrás, bispos à frente e povo no cabresto, ocupou o legislativo municipal e, como poucas vezes se viu desde a redemocratização, mostrou a força da Igreja Católica no maior país católico do mundo. Em cada sessão, vereadores votavam e discursavam sobre o olhar atento e inquisitorial de padres e bispos e galerias repletas de faixas dos mais variados tons de compreensão e ignorância. Poucas vezes se viu os príncipes da Igreja num nível tão corriqueiro de política paroquial.
Antes da votação do Plano Municipal de Educação em São Paulo, estive, enquanto Coordenador de Políticas LGBT do município, reunido com o Secretário Geral da CNBB e alertei sobre o que estava acontecendo Brasil afora. A Igreja, na falta de pelejas talvez mais importantes, havia transformando os PMEs em cavalo de batalha, no que contribuiu, reconheça-se, a irresponsabilidade de parte do ativismo LGBT e feminista, que apenas ampliava o fosso de diálogo e entendimento em torno da polêmica.
Em âmbito nacional, para tratativas no Congresso, a CNBB possui uma assessoria política. Geralmente é essa assessoria que visita gabinetes para um ou outro assunto de maior interesse. Raramente algum tema motiva o deslocamento de algum bispo até a sede do Legislativo, geralmente de âmbito moral e não político. Ou moral, antes de político. Dificilmente os dois quilômetros e meio de distância da sede órgão no Setor de Embaixadas Sul até a Praça dos Três Poderes explica essa ausência. A CNBB poderia e deveria ter maior incidência na política nacional afora as questões morais. Incidência real, simbólica.
Na Conferência de Puebla, em 1979, os bispos brasileiros – talvez mais sob a influência do que tinha sido, para a Igreja, a representação de João Paulo I do que viria a ser a de João Paulo II – condenaram como antievangélica a “pobreza extrema que afeta numerosíssimos setores em nosso continente”. Como resultado das agressões cometidas até agora contra o povo brasileiro, o governo ilegítimo derrubou o Brasil em 19 posições no ranking da desigualdade social. Milhões já voltaram à linha da pobreza. Em alguns anos a nova Previdência Social de Michel Temer vai nos fazer chegar na lanterna. Data vênia, Dilma queria uma Reforma parecida com essa. Ainda sobre Puebla, em 1979, no México, os bispos reconheceram a necessidade de envidar “esforços para conhecer e denunciar os mecanismos dessa pobreza” e a importância de unir seus esforços “aos dos homens de boa vontade para desairragar a pobreza e criar um mundo mais justo e fraterno”.
A nota dos bispos brasileiros é explícita ao reconhecer que a PEC 287/2016 é o oposto disso. Milhões de crianças e famílias ficarão ainda mais desamparadas da proteção do Estado sob a aprovação dessa reforma. Resta saber se ela é, para a CNBB, tão desastrosa às crianças e às famílias quanto acreditavam os bispos ser a “ideologia de gênero”. E mais importante do que isso, se ela é desastrosa o suficiente para mobilizar os bispos brasileiros como a cruzada contra o conceito de “gênero” mobilizou em 2015. Às necessárias trincheiras, a CNBB!
* Alessandro Melchior é estudante de Direito e diretor licenciado da ABGLT, Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Foi presidente do Conselho Nacional de Juventude da Presidência da República (2013/2014) e Coordenador de Políticas LGBT da cidade de São Paulo (2014/2016).