Eduardo Militão e Paulo Franco*
Em duas investigações diferentes, petistas e tucanos mostram como o rigor com a apuração de escândalos na administração pública é variável, dependendo de quem está no governo e na oposição. Para se opor à CPI da Alstom na Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp), o PSDB usa os mesmos argumentos do PT para sequer citar o dossiê antitucano no relatório da CPI dos Cartões Corporativos, no Congresso Nacional. Os petistas paulistas, por sua vez, usam a mesma retórica dos tucanos da Câmara para acusar os adversários de impedirem a apuração do caso.
Uma investigação internacional apura a suspeita de um esquema de corrupção na empresa francesa Alstom, gigante corporação do ramo de infra-estrutura. De acordo com as investigações, funcionários da multinacional teriam pagado propina para a companhia vencer licitações no estado de São Paulo, comandado pelo PSDB desde os anos 1990.
Segundo o jornal norte-americano Wall Street Journal, que trouxe o assunto à tona, a Alstom teria liberado US$ 6,8 milhões, na forma de suborno, para obter um contrato de US$ 45 milhões com o Metrô de São Paulo. As investigações, porém, estão correndo em segredo de justiça e pouco se sabe sobre o caso até o momento no Brasil (leia mais).
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No Congresso, a denúncia de mau uso dos cartões corporativos no governo Lula foi incrementada com a elaboração de um dossiê sobre as despesas do Palácio do Planalto na gestão Fernando Henrique.
Diferenças à parte, os dois casos renderam declarações semelhantes, mas para personagens antagônicos.
Discurso invertido
Em São Paulo, o líder do PT na Alesp, o deputado estadual Roberto Felício, defende a instalação imediata de uma CPI para apurar as denúncias. Mas o líder do PSDB, Barros Munhoz, diz que a comissão é desnecessária porque o Ministério Público já investiga o caso.
“Muitos contratos são considerados irregulares pelo tribunal, mas isso não quer dizer que sejam criminosos. Pode ser uma irregularidade formal ou de execução, mas não que envolva corrupção”, diz o tucano.
Em Brasília, a oposição quer prorrogar os trabalhos da CPI dos Cartões, depois de tentar, sem sucesso, promover a acareação entre os acusados de vazar o dossiê com gastos do governo FHC e defende a inclusão da investigação do vazamento no relatório. O relator da comissão, o deputado federal Luiz Sérgio (PT-RJ), já adiantou que nem vai citar isso em seu texto.
“Não é objeto da CPI. Isso está sendo tratado pela Polícia Federal. Como ela [a produção do dossiê] não é objetivo central, é um fato correlato, não vejo razão para citar esse caso. Citar o quê?”, disse ele ontem (27) ao Congresso em Foco.
Caso a caso
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) admite semelhanças entre o discurso do PSDB e do PT. “Não é diferente. O PSDB diz isso, como o governo federal dizia isso, em outros assuntos, como o apagão aéreo. O governo federal dizia que não precisava investigar porque havia CGU e Ministério Público…”, relembra.
Apesar disso, o deputado da base aliada não considera esse argumento inválido. “Depende de cada caso. Não digo que há uma troca de papéis [entre PT e PSDB]. No caso do plano federal, o próprio governo concordou com a instalação da CPI dos Cartões.”
Luiz Sérgio diz que as comissões parlamentares de inquérito são um instrumento dos opositores. “Sempre é a oposição que faz uma CPI contra um governo.” Mas ele nega a troca de papéis entre petistas e tucanos nos casos da Alstom e dos cartões corporativos. “Aqui nós temos CPI. Lá, nós sequer temos CPI”, alfinetou Luiz Sérgio, referindo-se à resistência dos tucanos à criação de uma comissão de inquérito em São Paulo.
O ex-líder do PSDB na Câmara Antônio Carlos Pannunzio (SP) diz que a posição de PT e PSDB é “muito semelhante do ponto de vista político” nos dois casos. Entretanto, no que se refere ao conteúdo das investigações, existem diferenças a seu ver. Ele diz desconhecer os detalhes do escândalo da Alstom, mas assevera que o relatório de Luiz Sérgio na CPI dos Cartões deveria mencionar o dossiê.
“Esse caso eu conheço de cátedra. Atesto que foi montado um dossiê com ordem superior da Casa Civil. Assim sendo, independentemente do que o Ministério Público esteja fazendo, é um caso que faz jus à continuidade da CPI”, afirmou Pannunzio. A oposição quer prorrogar os trabalhos da comissão por mais 30 dias.
Aliado do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) diz que o jogo de base aliada e opositores em investigações é conhecido. “Realmente, existe um discurso de oposição e um discurso de governo. Isso é natural. O que não pode é você, num caso flagrante, querer tapar o sol com a peneira”, afirmou ele, que enfatiza confiar na gestão de Serra.
Integrante da base na CPI dos Cartões, o deputado Carlos Willian (PTC-MG) considera “briga doméstica” as comparações entre as investigações com foco no PSDB de São Paulo e no governo petista de Luiz Inácio Lula da Silva. Ele ressalta que os governos sempre temem as comissões de inquérito porque elas paralisam a máquina administrativa, podem revelar surpresas desagradáveis e geralmente desgastam a imagem dos administradores públicos.
Mas Willian destaca que às vezes o efeito é reverso. Ele cita a CPI dos Cartões como exemplo. “Melhorou a popularidade da [ministra da Casa Civil], Dilma [Roussef], mostrou que os cartões corporativos vêm desde a época do Fernando Henrique, que muita coisa foi feita para aprimorar. A oposição saiu frustrada. Não conseguiu apontar erro. O dossiê era a única coisa que tinha para discutir.”
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*De São Paulo, especial para o Congresso em Foco.