Renata Camargo
Nos bastidores, a articulação política para adiar a apreciação do projeto de lei que cria o Fundo Soberano do Brasil (FSB) tem a mão de um influente deputado da base governista. Ainda que o PT não tenha assinado o documento que solicita a retirada da urgência constitucional da matéria, fontes ouvidas pelo Congresso em Foco indicam que um dos parlamentares que trabalham para que a urgência dessa proposta seja retirada é o ex-ministro da Fazenda e atual deputado pelo PT, Antonio Palocci (SP).
Para reconquistar espaço político, Palocci tentaria essa manobra nos bastidores para ganhar forças na queda de braço com seu sucessor na Fazenda, o atual ministro Guido Mantega, principal defensor do fundo.
A proposta de retirada da urgência do fundo soberano foi encabeçada pelo líder interino do PPS, deputado Arnaldo Jardim (SP), que conseguiu a assinatura de oito líderes partidários, sendo cinco deles da base aliada (PCdoB, PP, PTB, PR e PV) e três da oposição (PSDB, DEM e Psol). O documento foi entregue ao líder do governo na Casa, deputado Henrique Fontana (PT-RS), no dia em que, oficialmente, a matéria passou a tramitar na Casa (14 de julho). O ofício pede mais prazo para “uma análise mais consistente do projeto”.
Leia também
Pelo regimento da Casa, o projeto deveria ser votado em apenas 45 dias, o que coloca o prazo final para votação em plenário já no início de setembro.
A tramitação, segundo informações da assessoria do relator do projeto, deputado Pedro Eugênio (PT-PE), ocorre de forma simultânea entre as comissões e o plenário. Esse projeto deve passar por três comissões: Tributação e Finanças; Trabalho; e Constituição e Justiça (CCJ).
Ainda que, a pedido de Lula, Mantega tenha ido ao Congresso explicar e tentar convencer os parlamentares, em especial os da base aliada, sobre os benefícios do fundo soberano, deputados temem que o fundo funcione como uma ferramenta para o governo beneficiar quem lhe convém, e avaliam que é preciso debater mais o tema.
Ex-ministro nega interferência
Palocci, que a cada escorregão de Mantega era relembrado no Planalto, tem perdido espaço no cenário político com o atual bom momento da economia. Derrubar a urgência constitucional e deixar o projeto do fundo para segundo plano pode desacelerar a criação da “poupança pública” e significar um possível enfraquecimento político de Mantega.
Ainda em maio, dias depois do anúncio de criação do fundo soberano, uma reunião entre Mantega, Palocci e o senador Aloízio Mercadante (PT-SP), considerados conselheiros econômicos do presidente Lula, mostrava as cartas do jogo. Sob pressão dos dois colegas, o ministro da Fazenda teve que alterar o formato do projeto do fundo soberano, que passaria a operar somente em reais e não mais em dólar.
Por meio de sua assessoria, Palocci respondeu que as declarações não procedem e que a situação colocada “não está correta”. Ele afirma que tem se orientado sobre o fundo soberano de acordo com o que o próprio ministro da Fazenda vem defendendo e pelo o que foi exposto por Mantega em audiência pública no próprio Congresso.
“Discutido com tranqüilidade”
A líder do PCdoB na Câmara, Jô Moraes (MG), que também assinou o ofício, afirma que seu partido defende uma melhor participação da sociedade no debate. A deputada avalia que a elaboração do documento é resultado de um bom convívio entre os diversos partidos.
“É bom que o projeto seja discutido com tranqüilidade pelo conjunto dos integrantes do Congresso. Eu não veria uma perda em retirar o caráter de urgência. Esse ofício é uma forma de assegurar maior debate na Casa”, avalia.
“Quando um projeto vem com urgência, ele tem um rito muito acelerado aqui na Câmara, com prazo mais restrito para apresentação de emendas. Nas comissões ele também passa mais rapidamente”, complementa Arnaldo Jardim.
“Nesse caso, trata-se de um assunto complexo, de instrumento muito significativo. E, por haver novos fatos, como o governo ter aumentado a meta do superávit primário, isso claramente significa uma dificuldade de recursos disponíveis para a constituição do fundo”, justifica o líder em exercício do PPS.
A apreciação do ofício que pede a retirada de urgência ficará a cargo do Executivo. Segundo o vice-líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), o documento não tem efeito administrativo e, portanto, o Executivo responderá à solicitação somente se julgar conveniente. “É uma manifestação política. O governo atende ou não no momento que julgar oportuno”, garante.
Um dos líderes da oposição que assinaram o documento, o deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP), afirma que o ofício foi elaborado apenas para formalizar o pedido de adiamento, já que o presidente da Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), já havia sinalizado que estenderia a apreciação do projeto para depois do recesso. “Assinamos dentro de um entendimento das lideranças da necessidade de ter um tempo a mais para fazer emendas”, justifica Nogueira.
Petistas
Mesmo sem ter assinado o documento, o PT teve participação no pedido de adiamento para a apreciação do fundo soberano, de acordo com declarações do próprio líder Arnaldo Jardim. “Há partidos da base aliada que assinaram essa reivindicação e há inúmeros parlamentares, do próprio PT, que têm a mesma preocupação. Há também setores do próprio governo que são cuidadosos, para dizer o mínimo, com relação a essa proposta do fundo soberano”, afirma.
O líder do PT na Câmara, deputado Maurício Rands (PE), afirma que partido “nem foi consultado” a respeito do pedido de retirada de urgência. Rands acusa a oposição de querer derrubar o projeto e avalia que os líderes partidários que assinaram o documento tiveram a intenção apenas de requerer um tempo a mais para debate.
“É triste um projeto tão bom se transformar em disputa política. Espero que a oposição não queira fazer disputa política com uma medida que é tão importante para que o Brasil continue crescendo e distribuindo renda”, afirma Rands.
“A criação do fundo soberano traz benefícios para o governo, pois na medida em que o governo cumpre com seus objetivos de manter a sustentabilidade do crescimento econômico, reduzir a inflação e de favorecer o setor exportador para ter uma boa balança comercial, ele cumpre as suas responsabilidades e evidentemente a sociedade reconhece isso”, justifica o petista.
Naji Nahas
Alguns economistas, no entanto, avaliam que o Brasil não reúne as condições necessárias para criar um fundo soberano. Um dos pontos mais criticados é o objetivo do fundo de “ampliar a ação do governo no exterior e apoiar o comércio exterior”, tendo como base a ajuda a empresas brasileiras no exterior.
Especialistas avaliam que esse pode ser um canal para beneficiar redes de corrupção. No relatório da Polícia Federal (PF) sobre a Operação Saiagraha, por exemplo, foram encontrados indícios de que o investidor Naji Nahas (preso na operação) planejava manipular cotas e tirar proveito do fundo soberano. O investidor teria acesso a informações privilegiadas sobre o assunto e já articulava para captar investidores internacionais para o fundo.
O fundo soberano será um fundo especial de natureza contábil e financeira, administrado pelo Ministério da Fazenda, o que também é objeto de contestação. Para vários economistas, tal papel – relacionado com a promoção do desenvolvimento – caberia a outro ministério, como Indústria e Comércio ou mesmo Planejamento. O projeto de lei prevê investimentos em ativos no exterior e aplicação de recursos em ativos no Brasil. Os recursos que compõem os fundos soberanos são formados por parte das reservas internacionais de um país.
As reservas são como uma espécie de seguro contra crises. Como alguns governos acumulam mais recursos do que o necessário, o excedente pode ser usado inclusive em investimentos em aplicações com alto risco e, por conseqüência, maior retorno.
Violação de sigilo
Em março de 2006, Mantega tomou posse no lugar de Palocci, logo após este pedir afastamento do cargo de ministro em meio a uma enxurrada de denúncias de irregularidades, entre elas a acusação de ter mandado violar o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.
Em depoimento à CPI dos Bingos, na época, Francenildo afirmou que Palocci freqüentava uma mansão em Brasília, em que eram realizadas festas com garotas de programa e reuniões com lobistas para discutir políticas de governo e distribuir dinheiro.
A política econômica de Palocci foi marcada pelo controle da inflação, por meio das altas taxas de juros e baixo crescimento do PIB. Festejado na oposição e nos meios empresariais como o mais preparado quadro do PT na área de economia e peça-chave no trabalho que leva hoje o governo Lula a colher bons resultados no campo econômico, Palocci está longe de ser uma unanimidade dentro do seu partido.
Muitos petistas fazem suas restrições à sua atuação como ministro e às suas idéias econômicas. No primeiro caso, por não ter promovido o crescimento econômico do país. No segundo, porque tais idéias seriam excessivamente ortodoxas e conservadoras, afastando-se das bandeiras históricas do PT como a busca da justiça social e o combate à especulação financeira.