Xingamentos, ameaças, uma questão pessoal que ganhou a esfera pública. Esse é um resumo das mensagens atribuídas ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) que resultaram na denúncia criminal apresentada contra ele pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Caberá agora aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidirem se o deputado responderá como réu ao crime de ameaça, cuja pena vai de um a seis meses de detenção e pagamento de multa. O caso será relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso, considerado hoje um dos mais rigorosos da corte.
Filho do pré-candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro, Eduardo é acusado de ter ameaçado, por meio de celular, a jornalista Patrícia de Oliveira Souza Lélis, sua ex-assessora, em julho de 2017. A peça enviada pela procuradora-geral ao Supremo reúne reprodução de conversas entre os dois no Telegram, aplicativo concorrente do Whatsapp que tem entre suas principais ferramentas uma que permite a destruição automática das mensagens conforme período pré-estabelecido.
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Embora Eduardo tenha acionado o dispositivo para que o texto desaparecesse após cinco segundos, Patrícia conseguiu gravar o diálogo e entregar uma cópia à polícia. Além de prints (reprodução de imagem) das conversas , a vítima prestou depoimento. Raquel Dodge concluiu que a intenção de Eduardo Bolsonaro era, claramente, impedir a livre manifestação de Patrícia com ameaças.
A desavença pública entre os dois começou após Eduardo publicar em seu perfil no Facebook um desabafo a respeito de uma ex-namorada que, nas palavras dele, trocou roupas recatadas por danças sensuais, depois de ter rompido com ele para sair com um médico cubano. “Feminismo é uma doença”, escreveu o deputado.
Mesmo sem ser citada nominalmente, Patrícia respondeu nas redes sociais que viveu uma relação afetiva abusiva com o deputado por três anos. Segundo ela, foi depois disso que eles trocaram as seguintes mensagens que embasaram a denúncia criminal (veja a íntegra):
“(Eduardo) Sua otaria! Quem Vc pensa que é? Tá se achando demais
Se vc falar mais alguma coisa
Eu acabo com a sua vida
(Patrícia) Isso é uma ameaça?
(Eduardo) Entenda como quiser
Depois reclama
Que apanho (sic)
Vc merece mesmo
Abusada
Tinha que ter apanhado mais
Pra aprender a ficar calada
Mais uma palavra e eu acabo com vc
Acabo mais ainda com a sua vida
(Patrícia) Eu estou gravando
(Eduardo) Foda-se
Ngm vai acreditar em vc
Nunca acreditaram
Somos fortes
Me aguarde
Pois vou falar
Vai para o inferno
Puta
Vc vai se arrepender de ter nascido
O aviso está dado
Mais uma palavra
E eu vou pessoalmente atrás de vc
Num pode me envergonhar
(Patrícia) Tchau
Vagabunda
(Patrícia) Resolvemos na justiça
É a melhor forma
(Eduardo) Enfia a justiça no cú”
Montagem
O Congresso em Foco procurou a assessoria de Eduardo Bolsonaro para ouvi-lo sobre o assunto. Foi enviada uma nota em defesa do deputado Jair Bolsonaro, alvo de outra denúncia ontem. “Mais um dia comum da grande mídia brasileira….. Por que será?”, escreveu o filho no Facebook ao reproduzir a foto do pai.
Em julho do ano passado, assim que o caso veio à tona, Eduardo disse ser vítima de uma montagem. “Nunca namorei, saí, beijei ou segurei na mão dessa pessoa. Por favor, alguém realmente acreditou nesse print montado?” “Essa menina devia ser interditada, já tem uma falsa acusação de estupro e agora é ela quem está sendo investigada”, disse em referência à acusação de estupro contra o também deputado Marco Feliciano (Podemos-SP) de autoria da jornalista (veja mais sobre o assunto no fim da reportagem).
No pedido para que a denúncia seja aceita, Raquel Dodge diz aos ministros que Eduardo Bolsonaro “era plenamente capaz à época dos fatos, tinha consciência da ilicitude e dele exigia-se conduta diversa”. “Relevante destacar que o denunciado teve a preocupação em não deixar rastro das ameaças dirigidas à vítima alterando a configuração padrão do aplicativo Telegram para que as mensagens fossem automaticamente destruídas após 5 (cinco) segundos depois de enviadas. Não fossem os prints extraídos pela vítima, não haveria rastros da materialidade do crime de ameaça por ele praticado”, observou.
Para a procuradora, Eduardo Bolsonaro tentou desmoralizar Patrícia com agressões verbais: “A conduta ainda é especialmente valorada em razão de o acusado atribuir ofensas pessoais à vítima no intuito de desmoralizá-la, desqualificá-la e intimida-la (‘otária’, ‘abusada’, ‘vai para o inferno’, ‘puta’ e ‘vagabunda’).”
“Feminismo é uma doença”
Patrícia Lélis registrou boletim de ocorrência contra o deputado por ameaça e injúria na Delegacia da Mulher de Brasília, em 17 de julho de 2017. Segundo a jornalista, Eduardo a atacou e a intimidou após ela publicar um texto sobre feminismo na internet. Em mensagem publicada no dia 11 de julho em seu perfil pessoal no Facebook, o deputado se referiu a uma “ex-namorada” sem revelar o nome.
“Eu começo a ‘entender’ a importância da figura masculina na vida de uma mulher quando minha ex-namorada que já se declara feminista é vista em uma balada LGBT acompanhada de um médico cubano, usando uma roupa vulgar e, como se não bastasse, rebolando até o chão. E ainda posta isso na internet, como se fosse uma atitude louvável. Lembrando que antes do feminismo ela andava com roupas discretas, não rebolava até o chão, e namorava comigo. 😉 #FeminismoÉDoença.”
Patrícia, então, respondeu à postagem. “Foram 3 anos e 8 meses em um relacionamento abusivo. Eu estou percebendo que tudo na vida evolui, menos você”, escreveu a jornalista. Ela conclui o post pedindo a ele que pare de telefonar e dizer que está com saudades.
Irritado com a repercussão do episódio, Eduardo Bolsonaro gravou um vídeo para dizer que jamais teve qualquer relacionamento com a jovem.
Segundo ela, depois desse episódio, seguidores do deputado passaram a hostilizá-la nas redes sociais. Patrícia contou que só decidiu procurar a polícia após receber mensagens ameaçadoras do próprio deputado pelo celular.
“Procurei a polícia, mostrei as mensagens de ameaça que partiram do celular pessoal do Deputado Eduardo Bolsonaro, e registrei o boletim e ocorrência na Delegacia da Mulher. Como é de se esperar, logicamente o deputado vai negar, vai tentar me desmoralizar, pessoas vão vim aqui e vão tentar me ofender com palavras de baixo calão e afins, mas já deixo claro a essas pessoas que eu não vou me calar”, publicou Patrícia, na época, no Instagram.
Boletim de ocorrência
Na ocasião ela fez um relato detalhando a queixa que fez contra Bolsonaro junto com uma foto do boletim de ocorrência e a reprodução de trechos do diálogo:
“Olá pessoas.
Infelizmente ainda tenho que voltar aqui para tratar do assunto ‘Eduardo Bolsonaro’.
Pois é, como previsto , após a polêmica do dia 11/07/17, voltei a sofrer ataques machistas de haters, e de pessoas simpatizantes do então deputado, enfim, fascistas seguidores de Eduardo e sua turma, e como se não bastasse: Uma ameaça direta do próprio.
Ocorreram desde Injúrias pelas redes, ameaças e até perseguições pessoais em minha academia e local de estudo, que colocaram não só minha integridade física em risco ,mas que me levaram a sair de Brasília por uns dias.
Como é peculiar aos políticos moralistas, ele tentou negar e, sair por cima ,porém, se doeu tanto, que fez um vídeo resposta! Ocorre que, se nas postagens públicas o Deputado agiu como bom moço, desdenhando e negando tudo, como de costume eles nunca se responsabilizam por nada, e muito menos assumem a culpa de algo. Porém nas mensagens privadas o comportamento foi o de sempre: Tentar abafar o caso com grosserias machistas, injúrias diversas e várias ameaças com o intuito de tentar me intimidar ou calar minha voz.
Bem, eu já havia dito que sou forte, livre e que não tenho medo dele e de mais ninguém. E sim, eu vou falar ao mundo tudo que uma turma moralista é capaz de fazer as pessoas.
Quando a denuncia de um abuso envolvendo um então pastor e deputado do mesmo partido veio a publico, diversas pessoas me questionaram o motivo ao qual eu não denunciei logo. Quem fala isso, não tem a noção do quanto é difícil denunciar um agressor, ainda mais se esse agressor se encontrar “protegido” por pessoas que os defendem com unhas e dentes, acreditando que realmente são donos da boa moral.
Porém desta vez, resolvi agir de forma diferente, pois infelizmente já estou aprendendo como as coisas funcionam com esse tipo de pessoa. Procurei a polícia, mostrei as mensagens de ameaça que partiram do celular pessoal do Deputado Eduardo Bolsonaro, e registrei o boletim e ocorrência na Delegacia da Mulher.
Como é de se esperar, logicamente o Deputado vai negar, vai tentar me desmoralizar, pessoas vão vir aqui e vão tentar me ofender com palavras de baixo calão e afins, mas já deixo claro a essas pessoas que eu não vou me calar.
Como mulher eu afirmo que a sociedade machista tenta todos os dias desmoralizar o feminismo justamente por não querer que as mulheres escolham enfrentar seus agressores e se sintam ameaçadas. Há pouco mais de um ano eu negava o feminismo e me calei perante um abuso, pensava que não poderia denunciar um “homem com poder”. Hoje eu afirmo que tudo que o feminismo me trouxe foi: liberdade e principalmente CORAGEM.
Mulheres, não se deixem ser calar.
Agora, que a polícia investigue e que e a Justiça seja feita contra todos aqueles que ainda não entenderam que as mulheres estão cada vez mais livres e fortes na luta contra todo tipo de machismo.
Na luta contra todo tipo de machismo e opressão.”
Polêmica com Feliciano
Desde 2016 a jornalista trava uma disputa judicial com o também deputado Pastor Marcus Feliciano (Podemos-SP). Colega de partido de Eduardo Bolsonaro até o início de março, no PSC, o pastor foi acusado de tentativa de estupro por ela. No ano passado o ministro Edson Fachin, do Supremo, requisitou para si o processo da Justiça de São Paulo no qual a jornalista é acusada de mentir à Polícia Civil e de extorquir dinheiro de um assessor de Feliciano. Para Fachin, os dois processos são correlatos.
Em junho de 2016, Patrícia Lélis prestou queixa contra o deputado, acusando-o de tentar abusar dela e agredi-la no apartamento dele em Brasília. Dois meses depois, a jornalista procurou a polícia paulista para acusar um assessor de Feliciano de sequestrá-la e mantê-la em cárcere privado num hotel de São Paulo. Por conta dessa acusação, o assessor do deputado chegou a ser preso, mas depois foi solto. O delegado que cuidava desse caso na capital paulista concluiu que a jovem mentiu e resolveu indiciá-la por denunciação caluniosa e extorsão. Os casos seguem à espera de um desfecho no Supremo.
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