A decisão do presidente Jair Bolsonaro de perdoar o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) dos crimes pelos quais foi condenado no Supremo Tribunal Federal (STF) deverá ser julgada pelos próprios ministros da corte. Partidos da oposição planejam entrar com ações para contestar a constitucionalidade da graça concedida pelo presidente ao deputado bolsonarista, acusado de atentar contra as instituições democráticas e ameaçar ministros.
Segundo o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), crimes contra a ordem constitucional, como os atribuídos pelo Supremo a Silveira, não são passíveis de indulto.
“Vamos ingressar amanhã [sexta-feira, 22] com uma ADPF [arguição de descumprimento de preceito fundamental] para anular o ato indevido de Jair Bolsonaro e protocolar projeto de decreto legislativo no Parlamento”, afirmou Randolfe. “A sanha criminosa do bolsonarismo para acabar com a democracia e as instituições não passarão”, complementou.
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O presidente do Psol, Juliano Medeiros, vai propor aos partidos oposicionistas uma ação conjunta no Supremo contra o decreto do presidente. “O crime cometido por Silveira não permite a concessão de indulto. A decisão de Bolsonaro é ilegal e precisa ser derrubada”, defendeu. Como o decreto é um ato administrativo, cabe ao STF julgar se a decisão está ou não em conformidade com o artigo 37 da Constituição Federal, que estabelece o cumprimento dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.
Para o vice-líder do PSD na Câmara Fábio Trad (MS), Bolsonaro leva o país a um impasse que coloca em risco a democracia. “O decreto de graça que afronta o STF será julgado pelo mesmo STF afrontado. Não há escapatória. A palavra final sempre é do STF”, ressaltou.
Professor de Direito Penal, Trad avalia que o decreto de Bolsonaro é inconstitucional. “A meu ver sim, porquanto a motivação é absolutamente inconsistente, pois o bem jurídico ofendido pelo parlamentar é o Estado democrático de Direito consagrado na Constituição Federal como essencial no mais alto e elevado grau de importância política e jurídica. Não me parece que crimes que o violem sejam suscetíveis de graça”, afirmou o deputado ao Congresso em Foco.
PublicidadeO vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PSD-AM), também contesta a decisão do presidente da República. “Bolsonaro sabe que o decreto é absolutamente inconstitucional. Não cabe indulto pra anular processo que não transitou em julgado. Só quer mobilizar os minions e desviar a atenção do que ele é a incapaz de dar respostas: a fome, o desemprego, a inflação e a corrupção no governo dele.”
A condenação só é considerada transitada em julgado depois que é concluída a análise de todos os recursos cabíveis, o que não é o caso de Daniel Silveira, e publicado o acórdão.
O criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirma que, embora o presidente tenha o direito constitucional de conceder a graça, as alegações usadas por Bolsonaro para justificar o decreto são de extrema fragilidade e indicam um possível desvio de finalidade, que terá de ser decidido pelo próprio Supremo. “Tratam de uma fantasiosa comoção social e confrontam o próprio mérito do julgamento do STF quando há menção no sentido de que a liberdade de expressão resguardaria a conduta do deputado”, observou o jurista.
“O Supremo Tribunal Federal poderá, em última análise, apurar se houve ou não desvio de finalidade. Contudo, existe a previsão constitucional e é necessário respeitar a independência entre os Poderes. Porém caberá ao Supremo Tribunal decidir se cabe graça constitucional nos casos dos crimes pelos quais foi condenado o Deputado. Cabe a última palavra ao Judiciário”, ressaltou Kakay.
Também caberá ao Supremo decidir outro ponto controverso do decreto: se o indulto dado por Bolsonaro restituirá a Silveira os seus direitos políticos, suspensos por oito anos e nove meses. “Ele está livre e elegível”, comemorou o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), ao comentar a decisão do pai.
Mas, na avaliação de juristas, o decreto pode livrar Silveira do cumprimento da pena de prisão, mas não lhe garante o direito de disputar as eleições tão cedo.
“Indulto e graça possuem a mesma natureza, ainda que se distingam pelo alcance, sendo a última de natureza individual. Em ambos os casos, não são afetados os efeitos extrapenais da condenação, o que inclui a inelegibilidade”, explicou o ex-juiz e advogado eleitoral Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa.
Segundo ele, mesmo com o indulto, Silveira está inelegível por 17 anos e só poderá se candidatar novamente em 2040. Márlon afirma que os oito anos de inelegibilidade previstos na Ficha Limpa em caso de condenação por órgão colegiado só começarão a contar após a conclusão do tempo da pena imposta inicialmente ao deputado.
“A Lei da Ficha Limpa foi editada pela separar o Direito Eleitoral do Direito Penal. A concessão de graça ou indulto em nada afetam a inelegibilidade, pois a condenação subsiste, havendo impacto apenas sobre o cumprimento da pena”, afirma.
Márlon e Kakay citam a Súmula 631, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual, o indulto extingue os efeitos primários da condenação – a chamada pretensão executória -, mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais. “Ou seja, o deputado Daniel Silveira , mantida a integridade do decreto, tem extinta a punibilidade e não cumprirá pena, porém perderá seus direitos políticos”, disse Kakay.
O advogado especialista em Direito Eleitoral Amilton Augusto diz que o fato de Bolsonaro ter indultado o deputado antes mesmo do trânsito em julgado da condenação amplia as incertezas sobre o desfecho do caso.
“Precisamos aguardar o desenrolar, porque, em regra, o indulto não alcança as penas acessórias, ou seja, não abarcaria as consequências da condenação, mas tão somente a prisão em si. Só que tal feito decorre posterior a publicação e trânsito em julgado da decisão”, explicou o membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
“No caso em tela, sequer houve a publicação da sentença e o próprio decreto fala de alcance de multa e demais efeitos secundários da condenação, o que abarcaria tudo, vendo por esse viés”, ponderou Amilton. Na avaliação dele, a pressa do presidente em salvar o deputado de sua base pode ter efeito contrário em um eventual julgamento no Supremo. “Poderá o STF alegar um casuísmo afrontoso e sustar os efeitos. Já há manifestações de partidos de que ingressarão com ADPF sobre esse decreto.” Além da Rede e do Psol, PDT, PSB e PT também se preparam para recorrer ao Supremo.
Para o líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), cometeu um crime para proteger um criminoso. “Afronta o STF num abuso de autoridade. O PT pode entrar com uma ação de descumprimento de preceito constitucional, já que o presidente cometeu um crime de responsabilidade”, alegou.
Em sua live semanal na noite desta quinta, Bolsonaro voltou a defender a constitucionalidade do seu ato. “É um decreto que será cumprido, porque ele é constitucional”, disse. “E esse decreto, no meu entender, pode ser um marco para todos nós. Mais importante que o Daniel Silveira, é o que isso tudo traz no seu bojo para todos nós, 215 milhões de habitantes”, acrescentou.
De acordo com Fábio Trad, o presidente esticou de vez a corda contra o Supremo e a própria democracia. “Ao indultar individualmente quem afrontou criminosamente o Estado democrático de Direito, Bolsonaro revela sua concordância com o conteúdo de tudo o que foi afirmado criminosamente pelo parlamentar contra o STF e a democracia, incluindo as ameaças físicas contra integrantes de um dos poderes constituídos. Além disso, Bolsonaro mostra que está disposto a desestabilizar o país para proteger os seus aliados políticos”, afirmou o vice-líder do PSD.