Após um mês e meio de campanha, Arlindo Chinaglia assumiu a presidência da Câmara de Deputados, na noite de quinta-feira, convencido de duas coisas. Uma, que o debate e a votação do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) será a tarefa prioritária deste início de gestão. Outra, que o País pode buscar inspiração na política econômica de países vizinhos. As informações são da reportagem de Paulo Moreira Leite em reportagem de destaque na edição deste domingo (04) do jornal O Estado de S.Paulo.
"Aos 57 anos, com um histórico de quem sempre esteve à esquerda de Lula no PT, Chinaglia acha que há boas lições na Argentina de Nestor Kirchner. Capaz de críticas ao governo de Hugo Chávez, diz também que determinadas iniciativas do presidente da Venezuela ‘merecem uma reflexão", revela a reportagem.
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"Chinaglia lembra que, quando Kirchner anunciou medidas para estimular o crescimento, ‘a maioria dos analistas dizia que não podia dar certo’. ‘Quando se viu que funcionavam, se dizia que iriam durar pouco, pois o país vinha de uma recessão brutal. Hoje, com o país crescendo a taxas muito altas, é preciso admitir que, para as condições do país deles, aquela política econômica deu certo. Nós temos obrigação de analisar isso, entender o porquê.’
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Não se trata de uma opinião isolada dentro do PT, sigla onde as idéias do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci nunca foram majoritárias. Chinaglia acha que a meta atual de superávit fiscal precisa ser discutida – e modificada. ‘Sou a favor de reduzir o superávit primário para favorecer o investimento. Assim, aquilo que você colocar na área social e em infra-estrutura deixa de ser contabilizado para o superávit. Pode estimular o crescimento.’
Como se sabe, a elaboração e execução da política econômica é uma atribuição do Executivo, o que pode transformar esse debate em puro exercício de futilidades. Chinaglia argumenta que a Câmara ‘não pode aprovar gastos’ mas ‘pode acrescentar metas sociais ao PAC, por exemplo. Vamos discutir e emendar.’ Titular de um dos três Poderes da República, número 2 na linha de sucessão do presidente, Chinaglia define sua missão como responder às ‘aspirações populares’. Diante da observação de que a maioria dos políticos, hoje, prefere falar em ‘aspirações de toda a sociedade’, ele diz que em sua visão ‘não há diferença, a menos que se tenha preconceito contra o povo’.
Diante de Hugo Chávez, que pretende ficar no cargo até 2021, Chinaglia mantém a mesma postura de ambigüidades que marca o governo Lula. Condena o esforço de Chávez para aprovar reeleições infinitas ‘porque isso fortalece as pessoas e não cria instituições políticas sólidas’. (Perguntado sobre um eventual terceiro mandato do presidente Lula, descarta a idéia em nome do princípio de realidade: ‘Essa conversa não existe’)
Chinaglia diz que Chávez ‘tem uma postura ideológica muito forte, mas difícil de acompanhar’. ‘Ou é impreciso. Ou sou eu que não alcanço.’ Observa que o presidente venezuelano discursa ‘contra o imperialismo’, mas faz questão de manter ‘ótimas relações comerciais com os Estados Unidos’. Acredita, porém, que algumas iniciativas podem interessar ao País ‘mesmo quando você discorda de sua formulação’. ‘Ele procura uma saída para um mundo unipolar, onde os países desenvolvidos concentram todo o poder econômico e político. Temos de pensar nisso, mesmo sem concordar com as soluções dele.’
Chinaglia fez sua campanha com auxílio do deputado Candido Vaccarezza (PT-SP), articulador presente antes e depois da vitória. Os dois estão unidos no PT desde que romperam com a corrente de Lula, a Articulação, para fundar um agrupamento conhecido como ‘Hora da Verdade’, no início dos anos 90. Chinaglia se define como um ‘desenvolvimentista’, mas justifica a fama de aglutinador ao dizer que Palocci, o demônio da turma, ‘é desenvolvimentista à sua maneira’.
Homenagem
Sob o regime militar, Chinaglia foi militante de uma organização trotskista. Uma das razões para batizar o filho mais velho, de 31 anos, com o nome de Olavo, foi homenagear o operário Olavo Hansen, militante torturado e morto no porão militar. Chinaglia tem fama de centralizador, traço administrativo típico de pessoas apaixonadas pelo poder. "Ele é obcecado, como o José Dirceu", critica o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), referindo-se a um dos padrinhos políticos da campanha de Chinaglia. O presidente da Câmara cunhou uma frase inesquecível no discurso em que pedia votos em plenário, quando disse que aceita críticas ‘desde que sejam justas’. Conhecido pelo temperamento pavio curto, diz que seu cérebro "foi treinado para resolver problemas, não para criá-los". "As pessoas se espantam porque tenho convicções e opiniões formadas."
No passado, quando tornou-se presidente do PT paulista, numa disputa onde derrotou Paulo Okamotto, amigo de Lula, Chinaglia promovia reuniões rápidas e produtivas. Ele se orgulha: ‘Fazia reuniões das 7 às 9 da manhã de segunda-feira.’ A passagem de Chinaglia pela gestão de Marta Suplicy, onde ocupou a secretaria encarregada das subprefeituras, deixou lembranças bem-humoradas. ‘Ele deveria ajudar a descentralizar a administração da cidade, mas é daquele tipo que não consegue delegar nem a tarefa de atender telefone e anotar recados’, diz um auxiliar de Marta, agora fortalecida para um cargo no ministério após a vitória de Chinaglia.
Esse comportamento gera, entre aliados e rivais, o receio de que ele pretenda comandar a Câmara no chicote – o que seria a receita segura de desastre após uma vitória por 18 votos. ‘Sou a favor do Colégio de Líderes’, diz, referindo-se ao plenário das lideranças partidárias que dirige o cotidiano da Casa. ‘É democrático e facilita as decisões.’
Chinaglia iniciou a presidência dizendo que planeja fazer a Câmara funcionar de segunda a sexta e não só entre terças e quintas. A idéia é promover debates e discussões relevantes, melhorando a imagem da instituição. Para o deputado Alceni Guerra (PFL-PR), ‘isso é muito bom, mas não resolve’. ‘A Câmara precisa de um presidente que tenha coragem de criticar a instituição quando merece e defendê-la quando for o caso. Em tempos recentes tivemos muitas presidências acovardadas. Precisamos de um líder com coragem para recuperar nossa dignidade.’
Michel Temer, presidente do PMDB e principal fiador da votação, define Chinaglia como ‘um político que sabe negociar, preocupa-se com o conjunto e não defende causas sectárias’.
Bisneto de italianos por um ramo da família, neto de sírios por outro, o médico Arlindo Chinaglia tem modos simples e uma cultura geral razoável, ‘embora não seja nenhuma Brastemp’, diz um dirigente do PT. Ele se define como um ‘cara de esquerda’, mas avisa: ‘A Câmara não elegeu um poste.’"