*Osiris Lopes Filho
Uma notável conquista do Estado Democrático de Direito, consagrado na nossa Constituição de 1988, é a implantação de uma ambiência de liberdade no país. Como conseqüência de clima democrático, foi sendo fortalecida a transparência da atividade estatal e da de seus agentes, vale dizer, a abertura de suas ações para a opinião pública.
Evidente que esse processo de exposição das ações governamentais encontra resistências. A corrupção e a criminalidade e desenvolvem com mais desenvoltura em cenários ocultos, escondidos da opinião pública, evitando os agentes da lei.
Há uma área estratégica da ação do Estado em que sua tecnocracia conspira ativamente contra a transparência das suas atividades. Trata-se da tributação e das finanças públicas. Os procedimentos e as normas de regência são caracterizados por hermeticismo a dificultar a compreensão do que efetivamente ocorre. O melhor exemplo é o de que a arrecadação dos tributos concentra-se atualmente em tributos indiretos, vale dizer, em impostos e contribuições cuja carga tributária, incluída nos preços das mercadorias e serviços, vai sendo transferida no mecanismo de preços do mercado, e termina sendo absorvida pelo consumidor final. Por facilidade de arrecadação, a lei, regra geral, escolhe como contribuintes componentes do setor empresarial – importador, industrial, comerciante – que pagam esses tributos indiretos. Como mencionado, essa carga tributária, no final do processo econômico, vai ser suportada pelo consumidor.
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Não vendo o tributo que lhe é transferido, via preços, o pobre padecente tributário, por falta de conhecimento, não protesta. Ou, se o faz, atua desorganizadamente. Protestos sem efeito. Choro e reclamações sem, entretanto, ter efetividade para a mudança da situação espoliativa.
O poder público, União, Estados e Municípios, tem apresentado numa voracidade arrecadatória insaciável. Acostumados à gastança, não conseguem realizar as promessas de redução da carga tributária, pois único meio idôneo para efetivá-las é reduzir o gasto público, coisa que não tem sido feita.
Nesse objetivo de camuflar a espoliação legal que vitima o povo brasileiro, a tecnocracia, no projeto de reforma tributária apresentou uma ousadia deplorável, que não deve ser do conhecimento do presidente Lula – que, seguramente, tem compromissos com o país, e, sabendo da armação, não deixaria ocorrer a sua tentativa.
Aumenta-se o elenco de tributos indiretos espoliativos do povo. E essa elevação tem como carro chefe o que se denomina de imposto sobre o valor agregado – IVA, da União abrangendo a circulação de bens e a prestação de serviços.
Tributo poderosíssimo. E entre as suas características introduziu-se a seguinte peculiaridade: esse imposto “integrará a sua própria base de cálculo”. Vale dizer, será calculado por dentro. Assim, a sua alíquota nominal será diferente, posto que mais baixa, do que a alíquota efetiva, mais elevada. Vale dizer, coloca-se, na Constituição, uma espoliação deslavada, regra explícita de exploração tributária, do imposto incidir sobre si mesmo.
Exemplo: vende-se uma mercadoria por R$ 100,00, e sua base de cálculo é o preço da venda, R$ 100,00. O seu cálculo por fora é simples.
Imposto = base de cálculo X 15/100, ou
Imposto = 100 X 15/100 = 15
No cálculo do imposto cobrado “por dentro”, isto é ele compondo sua própria base de cálculo, incidindo sobre si mesmo, tem-se:
Imposto = (base de cálculo + imposto) X 15/100=(100 + 15) X 15/100 = 17,25.
Se houvesse no país punibilidade para a tentativa de escorchar o povo na matéria tributária, autoridades que ousassem tão deslavadamente colocar na Constituição esse dispositivo deveriam não mais ficar por dentro, mas ir para fora. A transparência exige providências de quem tem poder para tomá-las.
*Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado e professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB), foi secretário da Receita Federal.