O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabia das irregularidades cometidas em seu governo, mas nem por isso sofrerá impeachment nem renunciará. Terminará o seu mandato, em 2006, enfraquecido. A avaliação é feita por jornalistas que conhecem como poucos os bastidores políticos da capital federal: Eliane Cantanhêde, comentarista do SBT Brasil e colunista da Folha de S. Paulo em Brasília, Helena Chagas, colunista e diretora de O Globo em Brasília; Raymundo Costa, repórter especial do Valor Econômico; Ribamar Oliveira, repórter especial de O Estado de S. Paulo; Rudolfo Lago, repórter especial do Correio Braziliense, e Paulo de Tarso Lyra, repórter do Jornal do Brasil .
Mergulhados na cobertura da crise política desde o seu início, eles têm outra opinião em comum. Dificilmente serão cassados todos os 18 deputados que, segundo o relatório preliminar das CPIs dos Correios e do Mensalão, estão envolvidos com as irregularidades do escândalo político que enlameou o governo Lula e o Congresso Nacional. Há convergência ainda em relação a um terceiro ponto: o dinheiro do empresário Marcos Valério Fernandes não foi usado apenas para caixa dois de campanha eleitoral, mas também para comprar apoio de parlamentares.
As entrevistas foram feitas antes do aparecimento da denúncia de que o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), teria cobrado propina para renovar o contrato de um dos restaurantes da Casa. Veja, a seguir, a avaliação dos seis jornalistas, feita ao Congresso em Foco, sobre os desdobramentos da crise:
– Na sua avaliação, a crise política tem mais chances de acabar em acordão, impeachment ou renúncia? Qual o mais provável desfecho da atual onda de escândalos?
Eliane Cantanhêde
“Não há clima político nem provas, até agora, que sugiram impeachment. Quanto à renúncia, é um ato unilateral e o presidente Lula tem dado todos os indícios de que isso nem lhe passa pela cabeça. Ao contrário, ele já faz cálculos para a reeleição. Quanto ao tal acordão de que tanto falam: há uma pressão para livrar a cara dos envolvidos e uma outra pressão, para puni-los. Numa casa política, o mais provável é que nem sejam todos cassados nem todos inocentados. Roberto Jefferson está virtualmente cassado, e acho que vários da lista também o serão. Não acredito que todos sejam cassados, mas ninguém é capaz de apostar, neste momento, quantos e quais. Aliás, está aí justamente o grande nó da questão.”
Helena Chagas
“A esta altura, acho impeachment e renúncia muito difíceis de acontecer. Pelo menos nos últimos dias as investigações não parecem ter caminhado muito no rumo do presidente da República, embora passando perto de auxiliares próximos. Lula ficou fragilizado, teve sua popularidade desgastada, pode perder a eleição em 2006, mas não acho que vá renunciar ou ser cassado pelo Congresso, a não ser que apareçam provas contundentes daqui para frente. Acho também improvável haver um acordão nos moldes tradicionais. Esse é o primeiro escândalo com CPI em tempo real, a imprensa está em cima, o país mobilizado. Então, pizza agora é suicídio para o Congresso. O que não quer dizer que todos os que deveriam ser punidos serão punidos. Acho que o número de cassações pode ser menor do que deveria, alguns sempre dão um jeitinho de escapar. Mas acordão, daqueles em que todo mundo senta em torno de uma mesa e combina não entregar ninguém, acho difícil haver.”
Paulo de Tarso Lyra
“Lula irá acabar o governo enfraquecido. Deixou de ser o grande favorito para as eleições de 2006, a não ser que aconteça algo inesperado até lá. Impeachment, porém, a própria oposição não quer. É até melhor para a oposição ter um presidente enfraquecido no próximo ano. Também acho difícil haver renúncia. Acórdão? Penso que não haja clima para isso. Quanto aos parlamentares, haverá um bom número, mas não sei precisar quantos, nem quais serão cassados. Acho e espero que boa parte caia. Só que a pressão da sociedade e da imprensa ajudará a cassá-los. O Severino deu uma entrevista à Folha de S. Paulo e depois falou na Câmara sobre acordão e apanhou feito cachorro magro.”
Raymundo Costa
“A dinâmica dessa crise tem sido a imprevisibilidade: ela consegue ficar pior quando parece que tudo se acalmou. Hoje, portanto, eu diria que caminha para um acordo tácito: a cassação dos mandatos de meia dúzia de deputados numa tentativa de esvaziar a crise, para permitir um fim mais ou menos honroso para as CPIs com o resultado de sempre. Ou seja, entregam-se algumas cabeças, mas deixam-se de lado os corruptores. Afinal, qual é a origem do dinheiro? Quanto ao número de cassações é difícil dizer. Pode ser que cole a tese da gradação das penas.”
Ribamar Oliveira
“Acho difícil haver impeachment. Não surgiu, até agora, um fato que ligue diretamente – e que não deixe sombra de dúvidas – o presidente Lula ao esquema de corrupção que foi montado. Nenhum dos envolvidos o acusou também. Além disso, as principais lideranças políticas do país não querem o impeachment, a menos que ele seja inevitável. Também não acredito na renúncia do presidente. Não faz o estilo dele. A renúncia talvez fosse uma alternativa se o Brasil estivesse mergulhado numa recessão ou em grande dificuldade econômica. O que não é o caso. Pelo contrário, tudo indica que a economia deve crescer perto de 4% este ano e, no próximo ano, talvez cresça 5%. De certa forma, a economia está salvando o Lula. O que não deixa de ser uma ironia da história. Não sei quantos deputados serão cassados. Sei apenas que esse processo vai demorar muito. Além de Roberto Jefferson, 18 deputados já foram denunciados pelas duas CPIs. Talvez apareçam novos nomes. Sabemos que a cassação de um deputado envolve a abertura de processo individual no Conselho de Ética da Câmara. Aí tudo vai ser feito novamente. Cada um dos acusados terá direito a apresentar testemunhas a seu favor e exigir provas de seu envolvimento no esquema. Sabemos também que a cassação é um processo político, que nem sempre é decidido com base em questões "técnicas", ou seja, com a apresentação de provas incontestáveis. Muitas vezes o julgamento é inteiramente subjetivo. Não devemos esquecer o caso do ex-presidente Collor, que foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Não devemos esquecer ainda que o voto no plenário da Câmara é secreto. Ou seja, os deputados populares poderão se salvar. O povo não vai ficar sabendo como cada deputado votou.”
Rudolfo Lago
“No que diz respeito ao presidente Lula, ele deve terminar o mandato, embora enfraquecido. Eu não considero, no entanto, que isso seja um acordão. Quanto aos deputados, haverá várias cassações e, certamente, algum tipo de negociação, em um processo semelhante ao que ocorreu na CPI do Orçamento. Não acredito que os 18 nomes que constam da lista sejam cassados, mas penso que uns 10 ou 12 deverão perder o mandato, enquanto os outros serão apenados de modo mais leve. Aposto muito na cassação de Roberto Jefferson, José Dirceu e José Janene, pois há provas mais substanciais contra eles.”
– No seu entendimento, está comprovado que o presidente Lula sabia das irregularidades? É possível dizer que Lula cometeu crime de responsabilidade?
Eliane Cantanhêde
“Não está comprovado que ele soubesse. Na minha opinião, sabia. Mas é apenas uma opinião, não uma informação.”
Helena Chagas
“Acho que ainda não está comprovado que Lula sabia das operações do valerioduto. É preciso ter uma prova mais concreta do que as palavras de Roberto Jefferson, Marcos Valério e Valdemar Costa Neto.”
Paulo de Tarso Lyra
“Eu acho que ele sabia, não sei o quanto. Não sei a profundidade do que sabia. Talvez ele não soubesse dos detalhes. No mínimo, crime de responsabilidade. Agora, cravar que ele sabia ou não é complicado. A própria oposição diz que sabia e não pede impeachment. Mas não há condições, no momento, de se afirmar com certeza se ele sabia ou não.”
Raymundo Costa
“Creio que há elementos para (se concluir) isso, embora tênues. O que não há é condição política para o impedimento do presidente. Pelo menos por enquanto.”
Ribamar Oliveira
“É difícil acreditar que o presidente Lula não soubesse de nada. Se o esquema foi montado pelo seu ex-ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, como é que o presidente não sabia? Ele disse que foi traído, mas até agora não revelou os nomes dos traidores. Quem são eles? Se sabia, tinha de ter denunciado o esquema, mas não o fez. Se não sabia, que presidente é esse que não viu que parlamentares de sua base de apoio estavam sendo comprados? Mas acho bastante complicado sustentar um processo de impeachment apenas com argumentos dedutivos.”
Rudolfo Lago
“Há indícios de que Lula sabia. A Veja fez uma narrativa de cinco momentos em que Lula poderia ter sido avisado. Há elementos de crime de responsabilidade, mas impeachment não deve ocorrer, por se tratar de um processo que, além das evidências, depende de vontade política. E não há nem vontade política nem popular para isso.”
– Afinal, o dinheiro levantado pelo empresário Marcos Valério foi usado como pagamento de mesada a parlamentares ou como caixa dois de campanha eleitoral?
Eliane Cantanhêde
“Essa é a grande diferença: em alguns casos, foi caixa dois, prática tão comum no Congresso quanto a de dentistas e médicos que cobram um preço com nota e outro sem nota, ou cidadãos que compram apartamento por R$ 180 mil e declaram que custou R$ 90 mil. Em outros casos, havia saques seqüenciados, indicando mensalão e, portanto, compra de consciências. A questão é provar a diferença. Nos dois casos, é preciso denunciar e acabar com as práticas, mas se discute se a penalidade deva ser a mesma, ou não.”
Helena Chagas
“Acho que o dinheiro de Marcos Valério foi usado das duas formas. Até porque é muito difícil saber exatamente qual foi a destinação desses recursos. Muitos deputados realmente devem ter feito saques para pagar dívidas de campanha. Mas quem prova? Quem fiscaliza isso? Quem garante que um deles não pegou o dinheiro e comprou um carro novo? É por isso que vai ser muito difícil separar as duas situações e dar penas distintas para caixa dois e mesada. Em tese, caixa dois poderia ser considerado um crime menor. Aos olhos da opinião pública, porém, as duas coisas são corrupção, e não há como provar que não.”
Paulo de Tarso Lyra
“Como um dos autores de uma reportagem feita em 2004 sobre mesada no parlamento, digo que pode ter sido também caixa dois. Mas esse é só um dos cenários que existem. Os R$ 4 milhões recebidos pelo PTB, por exemplo, devem ter sido mesmo para caixa dois. Mas muitos pagamentos foram feitos em 2003, fora, portanto, do período eleitoral.”
Raymundo Costa
“Provavelmente para os dois casos. Não importa a periodicidade do mensalão.”
Ribamar Oliveira
“Estou convencido de que o dinheiro distribuído pelo empresário Marcos Valério, em nome do governo e do PT, foi usado para o pagamento de mesada a parlamentares. Não apenas para votar com o governo, mas também para ingressar nos partidos da base de sustentação do governo na Câmara.”
Rudolfo Lago
“O dinheiro definitivamente não foi exclusivamente para caixa dois. Pode não ter sido usado como mesada, pois ainda não há essa prova, mas efetivamente foi usado para resolver problemas de dívidas partidárias. Desencravar unhas, como diria Roberto Jefferson.”
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