A decisão da Câmara dos Deputados (de 2/8/17, por maioria de votos) de não autorizar a abertura de processo criminal contra o presidente Temer, acusado de corrupção no exercício da função, constitui mais uma das aberrações ignominiosas (infames) das elites que dirigem nossa pobre republiqueta sul-americana, governada histórica e sistemicamente pelo método mafioso.
O renovado (espera-se) Congresso Nacional a ser eleito em 2018 (com o voto faxina da cidadania vigilante) deve promover o expurgo dessas e outras excrescências perversas contidas na Constituição de 88, que são totalmente incompatíveis com a decência e a moralidade em países corruptos e cleptocratas (governo de ladrões), regidos pelo chamado presidencialismo de coalizão.
Nas nações governadas por Príncipes maquiavélicos (verdadeiras quadrilhas), que ainda seguem arcaica e pré-modernamente os métodos feudais dos Bórgias (três papas da mesma família, no século XV, que dominaram o poder por meio de subornos, nepotismo, violência, abusos sexuais, indulgências e outros pecados), a exigência de licença do Parlamento para processar presidentes é uma aberração vil e ultrajante.
Incontáveis dispositivos constitucionais, redigidos em outro momento histórico (1988), particularmente os que preveem extravagantes blindagens penais aos donos cleptocratas do poder (que o ministro Celso de Mello chama de “quadrilheiros da República”), estão sendo salutarmente eliminados ou reinterpretados pelo STF, sob o argumento (desenvolvido, sobretudo, pelo ministro Roberto Barroso) de ter ocorrido uma “mutação constitucional”, decorrente tanto “da alteração na concepção do direito” como das “modificações incontornáveis na realidade fática”.
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Isso ocorreu recentemente (3 e 4 de maio de 2017) com o fim da exigência de licença das Assembleias Legislativas para se abrir processo criminal, no Superior Tribunal de Justiça, contra governadores (ADIs 5540, 4798, 4764 e 4797).
Essa autorização legislativa prévia, como sublinharam os magistrados do STF, que ainda têm olhos para a realidade, propiciam conluios entre o Executivo e o Legislativo e a consequente impunidade.
É neste contexto de permanente revisão e/ou nova compreensão dos textos constitucionais que deve ser enfocada a disparatada e excrescente exigência de autorização da Câmara dos Deputados, por dois terços dos seus parlamentares (art. 86 da CF), para processar criminalmente o presidente da República nos crimes comuns, quando cometidos durante e no exercício das suas funções.
Nem nas cleptocracias de quinto mundo um presidente da República acusado de corrupção no exercício da função conta com tantas e indecorosas blindagens: foro privilegiado, responsabilidade apenas por crimes cometidos na função, indicação político-partidária dos ministros da Corte Suprema (que são seus juízes), indicação política do Procurador-Geral da República bem como a necessidade de autorização Legislativa para ser processado criminalmente.
O Legislativo, nos países historicamente governados pelo método mafioso, é facilmente “comprado” por meio dos favores do Executivo (oferta de cargos, liberação de verbas públicas e outras perversidades facilitadas pela concentração do poder). Daí a incompatibilidade da sua manifestação na abertura de processos contra os presidentes.
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Com a Emenda Constitucional 35, de 2001, foi eliminada a necessidade de licença prévia do Parlamento para o início de processo criminal contra parlamentar. Em outubro/2016 o STF, sem Emenda Constitucional, decidiu pela execução imediata da pena após o julgamento do segundo grau. Em maio de 2017 caiu a exigência de prévia licença das Assembleias para a abertura de processos criminais contra governadores.
Nem o STF nem o novo Congresso Nacional pode se submeter à lógica do avestruz, tal como fez o Tribunal Superior Eleitoral, presidido pelo leniente Gilmar Mendes, fechando os olhos para a realidade.
Nos crimes de responsabilidade (que dão ensejo ao chamado processo de “impeachment”) tal licença se justifica porque o “impeachment” é um instituto jurídico e político ao mesmo tempo. Sobressai, aliás, seu lado político (daí a pertinência de licença da Câmara).
Nos crimes comuns cometidos durante e no exercício da função (corrupção, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça, crime organizado, prevaricação etc.) devem preponderar, dentre outros, os princípios da responsabilidade republicana, da separação dos poderes, do acesso ao Judiciário, da igualdade perante a lei, da moralidade, da probidade, da impessoalidade, da vedação da proteção insuficiente, da tecnicidade, da processualidade, da certeza do castigo e do juízo razoável do juiz sobre a admissibilidade da denúncia.
Nos crimes comuns não há espaço para juízos políticos (conveniência e oportunidade de uma ação penal), sobretudo em países nitidamente cleptocratas, onde os donos corruptos e mafiosos do poder desfrutam de quase absoluta impunidade.
Receber ou não uma denúncia por crime comum é uma questão puramente técnica e processual, que é atribuição exclusiva do Judiciário, não do Legislativo.
Não compete ao Legislativo decidir sobre a existência de provas mínimas para o início de um processo criminal. É um desvio infame da sua função. Muito menos pode o Judiciário, diante delas, ficar manietado por um veredito de blindagem política do presidente da República, quando este é acusado de ter cometido crimes (particularmente graves) no exercício das suas funções.
Nesse caso, subordinar a abertura de um processo criminal contra o presidente da República ao filtro de uma deliberação legislativa controlada pelas elites corruptas dirigentes, elites políticas e econômicas, é um despropósito e um acinte à população (como foi a recente e indecente decisão do TSE de não cassar a criminosa chapa Dilma-Temer).
Compete exclusivamente ao STF decidir se recebe ou não a denúncia do Ministério Público assim como a decretação, fundamentada, de eventuais medidas cautelares, como é o caso do afastamento do presidente das suas funções. O filtro da autorização legislativa nos crimes comuns do presidente constitui um novo escárnio à nação brasileira.
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