“Mais que nunca os novos desafios serão de caráter social, e não principalmente econômico’’
(Celso Furtado)
Há já algum tempo o conceito de crescimento, entendido como aumento da capacidade produtiva do país, deu lugar ao de desenvolvimento, que combina crescimento econômico com melhoria nas condições de vida. Hoje, os organismos internacionais dão à evolução das condições sociais da população o mesmo peso que antes era monopolizado pela riqueza material. O crescimento passou a ser medido pelo chamado índice de desenvolvimento humano (IDH).
Um exemplo dessa metodologia é o novo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), divulgado esta semana pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). A pesquisa aponta que, no Brasil, esse índice cresceu 47,5% em duas décadas. O levantamento destaca que a classificação do IDHM geral do Brasil mudou de “muito baixo” (0,493), em 1991, para “alto desenvolvimento humano” (0,727), em 2010. Hoje, 74% dos municípios brasileiros são classificados como de médio e alto Desenvolvimento Humano; em 1991, 85% dos municípios faziam parte do grupo “muito baixo”. O índice leva em conta critérios como expectativa de vida, acesso ao conhecimento e padrão de vida. Ou seja: saúde, educação e renda.
O resultado da pesquisa é significativo e mostra o acerto das políticas públicas que adotadas pelo governo Lula e intensificadas no governo Dilma. Os números revelam o salto acentuado do IDHM ocorrido nas gestões petistas; fica claro também a importância de esses governos terem investido em políticas de inclusão social e de promoção do desenvolvimento regional. O estudo do Pnud mostra que a maior evolução de renda aconteceu no Norte e no Nordeste, regiões que receberam políticas públicas e incentivos adequadas à sua realidade.
No entanto, as estatísticas do Pnud denunciam a persistência de um verdadeiro abismo, separando os padrões de saúde (longevidade), educação (conhecimento) e renda (padrão de vida). E essa disparidade se revela no desequilíbrio regional por meio de todos esses indicadores. Um exemplo cristalino: os 40 primeiros municípios do ranking, com exceção do Distrito Federal, estão nas regiões Sul e Sudeste; e as cidades que ficaram na lanterna concentram-se no Norte e Nordeste.
O Pará aparece encabeçando a lista dos piores IDHM e entre os dez municípios com menor índice, quatro são do Estado. Ampliando mais essa lista, dos 47 que apresentaram IDHM mais baixo, 12 são do Pará. O Piauí aparece em segundo lugar, com dez municípios, e o Amazonas com nove.
Também vale destacar outro estudo, o G100, levantamento da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), que apresenta os 100 municípios com mais de 80 mil habitantes que têm baixa renda per capita e alta vulnerabilidade socioeconômica. O Pará é o segundo da lista com 11 cidades no ranking da FNP. Ao cruzarmos os dados dos dois levantamentos vemos que quatro cidades presentes no estudo da FNP também aparecem com IDHM baixo (de 0,500 a 0,599): Breves (0,503), São Félix do Xingu (0,549), Cametá (0,577) e Tailândia (0,588).
É importante, ainda, ressaltar as desigualdades intra-regionais. Enquanto Belém (0,746), Santarém (0,691) e Marabá (0,668) apresentam índices de médio a alto, os municípios do arquipélago do Marajó estão na lanterna do desenvolvimento humano. Com exceção de Salvaterra (0,608) e Soure (0,615), os outros nove municípios foram classificados pelo Pnud como “muito baixo” ou “baixo”. Entre os de muito baixo IDHM estão Melgaço (0,418), Chaves (0,453), Bagre (0,471), Portal (0,483) e Afuá (0,489).
O retrato feito pelo relatório da ONU mostra, grosso modo, que os municípios brasileiros melhoraram todos, inclusive aqueles que estavam em situação precária. No entanto, uma leitura mais profunda coloca em xeque políticas tradicionais de desenvolvimento regional. E ainda mais, a teimosa e renitente desigualdade regional e intra-regional aponta no sentido da necessidade de uma nova configuração de políticas públicas para regiões deprimidas econômica e socialmente.
Entendo que formas clássicas de combater essas desigualdades, tanto regionais como intra-regionais, têm se mostrado menos eficazes do que políticas universais, associadas à transferência de renda e a uma macroeconomia com foco no crescimento e na distribuição de renda, investimentos em políticas de inclusão social e promoção do desenvolvimento regional. Nesse aspecto, é urgente rediscutir e fortalecer instituições como Sudam, Sudene, Banco de Desenvolvimento da Amazônia (Basa) e BNB. Essas instituições precisam romper a camisa de força à lógica de investimentos tradicionais e os bancos não podem ser transformados em primos pobres de bancos comerciais, operando sobre sua mesma lógica.
Em outro sentido, é urgente um PAC do desenvolvimento regional. Um programa visto a partir dos interesses de cada região e não apenas direcionados a obras eventualmente necessárias ao país. Um programa de crescimento que atenda interesses exteriores às sociedades locais, particularmente na Amazônia. Eis aí uma boa agenda para o ano de 2014.
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