Antônio Augusto de Queiroz*
O presidente Lula, se realmente quiser aprovar uma agenda social no seu segundo mandato, vai precisar do apoio e da mobilização dos movimentos sociais. É que o discurso do presidente no segundo turno da eleição, pelo menos no plano retórico, ficou à esquerda do Congresso eleito em outubro de 2006. E o PT, que lhe dará sustentação, além de ter perdido quadros à esquerda, terá sua participação reduzida no novo mandato.
A postura passiva dos movimentos sociais no primeiro mandato, como que atendendo ao apelo do presidente no sentido de que "voltem para casa e me julguem depois", possibilitou avanços importantes da direita no governo de coalizão. Se esse padrão for repetido, haverá risco de retrocesso em face do perfil socioeconômico e da correlação de forças no novo Congresso (leia mais). Assim, em lugar da submissão e apoio acrítico, o governo vai precisar de ação e suporte político para aprovar as políticas públicas que foram apresentadas durante a campanha, especialmente no segundo turno da eleição.
Aparentemente, e esta é a análise presente na grande imprensa, não houve mudanças significativas na configuração partidária que resultou das urnas no pleito de 2006. Mas um exame cuidadoso no interior dos partidos evidencia um crescimento expressivo dos setores liberais e com visão social conservadora, e isso aconteceu em todos os partidos, inclusive nos considerados de esquerda e centro-esquerda.
Apenas para ilustrar: houve um crescimento expressivo dos parlamentares que não dependem de renda assalariada, particularmente da bancada empresarial e dos profissionais; um fortalecimento, com a chegada de novos quadros, da bancada ruralista, inclusive do pessoal vinculado ao agronegócio; e uma redução da bancada sindicalista e da representação dos trabalhadores, do setor público e privado, notadamente dos trabalhadores rurais.
O temor dos setores de mercado de que o presidente Lula pudesse dar uma guinada em termos de atuação, com movimentos semelhantes aos vizinhos da Venezuela e Bolívia, fica completamente afastado com essa nova composição do Congresso. O novo Congresso, a julgar por sua composição ideológica no interior dos partidos, com parlamentares de perfil neoliberal infiltrados nos partidos, inclusive nos de centro-esquerda e até de esquerda, não permitirá mudança importante de rumo, como, por exemplo, ampliação do gasto social ou eventual valorização do papel do Estado na economia.
A relação dos movimentos sociais com o governo do presidente Lula no segundo mandato, diferentemente do primeiro, terá que se dar em novas bases, em face do perfil socioeconômico e da correlação de forças no novo Congresso, onde as forças conservadoras ganharam grande impulso.
Por tudo isso, os movimentos sociais, como grupos de pressão, devem pautar suas relações com os governos pela autonomia e independência, mas exigindo o cumprimento dos compromissos de campanha, que coincidem com a agenda política, econômica, social e ideológica dos setores organizados.
Como disse em artigo anterior sobre o tema, as decisões de governos, invariavelmente, sofrem pressão e influência das forças políticas, econômicas e sociais, e os movimentos sociais que deixarem de se mobilizar em favor de seus pleitos, desejos e aspirações estarão – direta ou indiretamente – renunciando à razão de sua existência.
No presidencialismo brasileiro – que exige a formação de coalizões partidárias para assegurar maioria no Congresso -, o chefe do Poder Executivo não toma decisões por lealdade à origem profissional ou amizade, mas em razão da correlação de força, de disputas e de penosas negociações com as forças políticas, econômicas e sociais.
Portanto, na conjuntura que se vislumbra, o apoio acrítico e também a inércia chegam a ser mais nocivos que a oposição intransigente. O apoio dos movimentos sociais sempre deve ter como contrapartida o compromisso com o ideário defendido pelo segmento que representa, sob pena de o movimento ser anulado, tragado, cooptado ou de virar platéia, torcida ou massa de manobra do governante.
No primeiro mandato, muitos setores do movimento social, imaginando estar ajudando o presidente, deixaram de pressioná-lo e, em alguns casos, passaram a considerar como oposição críticas corretas às políticas governamentais, abrindo uma avenida para que os setores conservadores pressionassem e arrancassem do governo decisões que jamais conseguiriam caso os setores sociais estivessem disputando o conteúdo dessas políticas, fazendo o contraponto.
O segundo mandato do presidente Lula, conquistado com um discurso eleitoral vigoroso, principalmente para o segundo turno, polarizado em torno da defesa das ações em prol dos mais pobres e das críticas às privatizações tucanas, mobilizou os movimentos sociais. Agora é a oportunidade de definir posições, firmar convicções e defender a implementação da agenda que mobilizou milhões de trabalhadores deste país na eleição, notadamente no segundo turno.
O recado das urnas foi claro: apoio à ampliação dos programas sociais, ao crescimento econômico e à geração de emprego e renda, mas com mudanças na gerência e mais transparência e ética na ação administrativa. Ou o movimento social age com inteligência, estratégias e táticas bem definidas, ou corre o risco de perder de novo para os setores conservadores.
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*Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e Diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
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