Em 2016, pós-verdade foi eleita a palavra do ano pelo Dicionário Oxford, que anualmente faz essa seleção. Uma das justificativas apresentadas pelos responsáveis foi que essa palavra pode definir nosso tempo, por ser um adjetivo que indica algo “relativo a ou que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos influenciam menos na formação da opinião pública do que apelos à emoção e à crença pessoal”. Diante disso, afinal, qual a relevância da pós-verdade para os jovens?
A palavra foi colocada em evidência no segundo semestre de 2016 pela revista The Economist, em um artigo intitulado Art of the lie. O texto discute o uso do termo à luz da análise das experiências do Brexit e das últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos. Uma das mensagens deixadas pelo artigo é que a aplicação da pós-verdade no contexto político ultrapassa a dicotomia “verdade x mentira”, já que apresentar fatos inverídicos como se fossem incontestáveis traz consigo estratégias poderosas para testar a reação dos cidadãos e instigar sentimentos como ódio e medo. Se formos avaliar os resultados da eleição americana e da votação da saída do Reino Unido da União Europeia, verificamos que a pós-verdade tem alto grau de efetividade – e nocividade.
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Concomitantemente, foi criada uma narrativa, percebida em muitos textos divulgados pela internet, que praticamente isentava os jovens dos resultados da aplicação da pós-verdade nos eventos supracitados, pelos quais foram responsabilizadas as gerações mais velhas e aqueles que vivem longe dos centros urbanos. Para embasar isso, por exemplo, foram colocados em destaque o fato de que a maioria dos jovens entre 18 e 30 anos (quase 60%) votou contra o Brexit e que na Califórnia, estado norte-americano de elevada identificação com o público jovem, Donald Trump perdeu com uma desvantagem expressiva.
No entanto, é possível afirmar que a vitória da pós-verdade, nesses e em outros episódios recentes, também está relacionada com erros frequentemente cometidos pelos jovens. O principal deles é a falta de atitudes políticas pragmáticas, como ampliar os canais de diálogo com as gerações mais velhas e participar ativamente do processo eleitoral, em vez de apenas vocalizar insatisfações e contraposições nas redes sociais.
Nesse sentido, alguns fatos foram marcantes. No Reino Unido, nas regiões onde o voto predominante era pelo Brexit, o número de abstenções foi, em média, menor do que nas regiões que votaram pela permanência na comunidade europeia. Nas eleições dos Estados Unidos, o número de abstenções foi o maior em quase 20 anos. No segundo turno das últimas eleições municipais no Brasil, o número de abstenções no Rio de Janeiro foi maior do que o total de votos obtido pelo candidato derrotado (e preferido por muitos jovens), Marcelo Freixo, selando a vitória do senador Marcelo Crivella.
Assim, é possível aferir que os resultados alcançados também estão relacionados com a grande quantidade de cidadãos que não exerceram seu direito ao voto. Por mais que não se tenha precisão sobre o número de jovens que compunham o grupo dos que se abstiveram, pode-se depreender que sua não participação foi marcante por conta das expectativas colocadas sobre eles, pelo nível de conhecimento e engajamento político apresentados.
Portanto, questiono: será que os jovens estão criando o seu próprio conceito de pós-verdade? Com menos apego aos personagens e suas narrativas, porém com mais dispersão e igual capacidade nociva?
Pode-se afirmar preliminarmente que sim, no sentido de que o jovem que atua politicamente dá bastante enfoque à promoção de discursos emocionais e eloquentes, mas vazios de elementos práticos, como a necessidade de prestigiar o principal instrumento para o funcionamento de uma democracia – o voto. Ou seja, ainda não se investe o tempo e o esforço necessários para promover diálogo com os mais velhas – com o intuito de compartilhar percepções e entender seus interesses políticos – e para convencer os demais jovens a exercer pragmaticamente seu direito de voto, de modo a eleger o melhor candidato, ou o menos pior!
No ano em que o termo foi considerado a palavra do ano, talvez a pós-verdade tenha sido, para o jovem, um projeto de autossabotagem, no qual se legitimaram apelos à emoção e às crenças pessoais em detrimento de um fato objetivo determinante – o voto.