Fascistas não nascem por geração espontânea. É preciso tempo, esforço, inteligência e determinação. Para construir um canalha desses é necessário atuar em várias frentes para ir deformando o caráter até chegar a um produto de boa qualidade. Um fascista perfeito resulta da sofisticada combinação de fatores que vão desde as deformações morais e religiosas, passam pelas de natureza cultural e envolvem as (de)formações relacionadas às áreas artística e social. Só no finalzinho do curso iniciado na primeira infância torna-se fascista de carteirinha. Ideologicamente (de)formado, o fascista não tem mais retorno: uma vez fascista, sempre fascista. Não há notícia de um ex-fascista.
A (de)formação moral começa em casa, quando o futuro fascista vê a mãe sendo maltratada pelo pai e ela não reage, naturalizando a violência doméstica. Prossegue, quando sabe que o pai namora meninas menores de idade mas não admite que as próprias filhas saiam de casa com blusas decotadas. Continua quando a mãe convence o pai a ir à escola interceder em favor da aprovação do filho que não tem nota suficiente. Ou quando o garoto vê o tio pagar propina ao guarda de trânsito mas discursar enfaticamente contra “esses corruptos que envergonham o país”.
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Paga religiosamente e receberás
A (de)formação religiosa é uma extensão da (de)formação moral. O futuro fascista é levado a acreditar que, se pagar “religiosamente” o dízimo, tem o futuro garantido, a casa própria e o carro do ano graças à teologia da prosperidade. Se obedecer ao padre, ao pastor ou ao rabino votará nos candidatos por ele indicados, mesmo que sobre suas reputações – deles e dos candidatos – recaiam suspeitas cabeludas. E, de quebra, quando morrer vai pro céu.
Já a (de)formação/(de)gradação cultural começa quando a família sangra pra juntar dinheiro até conseguir mandar o filho à Disneylândia brincar com o Mickey e comer hot-dog com coca-cola, mas nunca arrumou um tempinho para levá-lo a brincar de graça entre os casarões históricos da cidadezinha barroca ali perto, onde é possível pegar frutas subindo no pé, e comer comida de fogão a lenha com um suco de cajá de estalar a língua. A (de)formação continua quando, em casa, os únicos livros disponíveis são os didáticos, aqueles que a escola obriga o menino a ter. Prossegue, quando a tv só fica sintonizada em programas vagabundos e o rádio, em estações que só tocam músicas imbecis. Um ensinamento essencial para essa (de)formação é ofertado em aulas grátis quando os pais nunca o levam a um teatro, e ele cresce acreditando que esses locais são antros de comunistas, seres abomináveis que, como se sabe, se alimentam de tenras criancinhas.
Quem ela pensa que é?
PublicidadeA (de)formação social começa pelas lições de autoritarismo. É quando os pais consideram natural o menino tratar mal a diarista, afinal ela precisa conhecer o seu lugar porque nós estamos pagando o salário dela. E essa vadia, aliás, precisa aprender a usar o elevador de serviço, quem ela pensa que é? Ou quando o menino, dono da bola, não permite que o jogo continue enquanto o juiz não revogar sua expulsão.
Durante todo o processo de (de)formação, o futuro fascista, além de receber aulas reforçadas de racismo, homofobia e misoginia, que cabra macho não leva desaforo pra casa, aprende que direitos humanos são bobagens desses mariquinhas. Uma lição importantíssima é a de nunca – nunca! – dialogar, pois esse é um sério sintoma de fraqueza moral. Homem que é homem não ouve, impõe. E antes que eu me esqueça: cale a sua boca!
Há vários cursos de pós-graduação em fascismo. A fascistização avançada compreende uma gama variada de conhecimentos, como a conscientização de que o holocausto dos judeus nunca ocorreu, que a Ku-klux-klan tem toda a razão ao colocar os negros em seu lugar, que no tempo dos militares havia ordem, que havia tortura, sim, mas os torturados mereceram levar cacete. Ah. E lugar de mulher é na cozinha e homossexual merece mesmo é muita porrada.
Marielle, essa negrinha petulante
Por esses dias, nos comentários pelas redes sociais, fascistas de todas as categorias exibiram a pujança de seus conhecimentos ao escarnecer de Marielle Franco. A vereadora foi “acusada” de ser negra e homossexual, de ter engravidado aos 16 anos, de ter sido casada com Marcinho VP, de ter sido eleita pelo Comando Vermelho e de ser usuária de maconha. Tudo mentira mas, se é pra esculhambar essa negrinha petulante, foram passando pra frente. Numa síntese ligeira, segundo a média das postagens dos fascistas nas redes sociais, Marielle era apenas uma negra enxerida, desclassificada, comunista, defensora de bandidos e devassa, claro, já que era lésbica. E lésbica é o quê? Ah. E a morte dela só mereceu toda essa repercussão porque era filiada ao Psol. E que ela fez por merecer, não é mesmo?
Ultimamente, as escolas de formação de fascistas vêm oferecendo vários cursos grátis, em nível de pós-graduação, com uso da mais sofisticada tecnologia, através das redes sociais.
Do mesmo autor:
<< Andam dizendo que o Bolsonaro vai ganhar, tu acredita, mulher?