Recentemente, uma igreja evangélica em Brasília acendeu um sinal de alerta sobre o avanço da chamada “ecorreligião” no Brasil. Em palestra sobre o tema, evangélicos consideraram preocupante o crescente espírito de “veneração da natureza”. Tendo como apoio passagens da Bíblia, livro sagrado do cristianismo, pregadores alertaram para os perigos da “ecolatria” – a idolatria da natureza.
De acordo com o texto que serviu de base à palestra, ecolatria é a busca por “uma espécie de divinização da criação, imputando a ela e aos seus elementos naturais (cristais, água, fogo, animais, árvores) um aspecto sagrado”. O resultado é uma espécie de culto à Mãe-Terra e seus elementos, que leva, entre outras coisas, à divinização de animais, à crença em gnomos e duendes e a um respeito sobrenatural aos elementos da natureza.
“Este culto ao que chamam de Deusa-Mãe ou Mãe-Terra introduziu uma espécie de ecorreligião que crê em gnomos, duendes, elfos, ondinas, salamandras, fadas, etc. Também diviniza animais, numa espécie de animismo que ensina que os nossos ancestrais podem voltar em forma de animais. Assim, os animais têm um valor religioso e devem ser venerados como espíritos”, diz o texto.
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A veneração de animais, a crença na reencarnação, o culto a divindades da natureza não é algo novo e, muito menos, restrito à prática de uma única religião. Religiões orientais milenares, como o budismo e hinduísmo, religiões de origem africana, como o candomblé, e ainda crenças indígenas trazem em sua essência elementos de devoção e respeito sagrado à “Mãe-Terra” e aos seres da natureza.
A definição da “ecorreligião” ainda é muito vaga. Seus praticantes afirmam que se trata de uma religião que tem como princípios, sobretudo, o “respeito e cuidado da comunidade aos seres vivos, a melhoria da qualidade de vida e a conservação da vitalidade e da diversidade do planeta Terra”. Contrários à prática afirmam que se trata de uma volta aos cultos e às crenças ancestrais, como a bruxaria, o neopaganismo.
Os preceitos da ecorreligião são ligados a movimentos ecológicos modernos. No Brasil e no mundo, o que se vê é um crescente avanço de uma mentalidade ou crença filosófica denominada, em países como Estados Unidos e Inglaterra, como green faith (fé verde). Teorias como a do aquecimento global têm deixado de figurar simplesmente no universo científico para ganhar espaço como sendo uma “questão de fé”.
No final do ano passado, por exemplo, a Justiça inglesa abriu um precedente inédito ao colocar a “crença verde” em paridade com o cristianismo e outras manifestações religiosas. Um juiz inglês concedeu ao executivo Tim Nicholson, 42 anos, o direito de processar a empresa que o demitiu por discriminação por “crença filosófica”, abrigada no Religion and Belief Act 2003 (Regulamento Religião e Crença 2003).
Nicholson, que era diretor de sustentabilidade da empresa Grainger, alegou que havia sido demitido injustamente por haver criticado seus superiores. O executivo ambientalmente correto acusou os executivos de sua gerência de não fazerem jus à causa que defendiam. Seus superiores, segundo Nicholson, “pregavam” políticas ambientais de redução das emissões de CO2, mas não praticavam suas próprias teorias.
“Os meus valores morais e éticos são semelhantes aos promovidas por muitas das religiões do mundo. A diferença é que minhas crenças não são baseadas na fé ou espiritualidade, mas em evidências científicas esmagadoras”, defendeu Nicholson, segundo registro em jornais ingleses.
Discutir crenças nunca foi uma tarefa fácil. O fato é que não é mais possível ignorar que teorias como o aquecimento global começam a ser colocadas em pé de igualdade com crenças como a existência do céu e do inferno e a ressurreição. A certeza da necessidade de rever o próprio consumo, de cuidar da fauna e da flora, de evitar ser um poluidor, de ser um real responsável por garantir a vida das futuras gerações começa a se revelar como um dogma.
Se isso é sinal dos fins dos tempos, como dizem os cristãos, ou apenas o fim de um paradigma, como indicam os precursores da Era Ecozoica, só o tempo dirá. O certo é que caminhamos no sentido de alcançar uma mentalidade distinta da que temos hoje em relação à natureza e o seu papel na nossa sobrevivência.
E, enquanto a gente espera, fica no ar a previsão de Thomas Berry, o pensador norte-americano que inspirou acadêmicos e ambientalistas a explorarem a interligação da religião, da natureza humana e da ecologia. Segundo Berry, “a humanidade, depois de passar gerações a gloriar-se a si própria e a despojar do mundo, irá chegar a um ponto de equilíbrio e abraçar o seu papel como parte vital de algo maior – o cosmos – onde a interdependência e a comunhão com os outros elementos que constituem é essencial”. Será mesmo?
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