Renaro Cardozo e Sylvio Costa
Eles podem estar na liderança ou na lanterna das pesquisas, poderão ou não se eleger. Mas em um quesito já começam a campanha eleitoral à frente dos demais concorrentes: no tamanho do patrimônio pessoal. O Congresso em Foco levantou as declarações de bens de todos os 89 candidatos a cargos majoritários (Senado e governo estadual) no Sudeste. O trabalho apontou os campeões de patrimônio na região mais rica do país.
O primeiro lugar pertence ao candidato ao Senado pelo PSDB do Rio, deputado Ronaldo Cezar Coelho, o mais rico de todos os candidatos a cargos majoritários do Sudeste. Segundo a declaração de bens registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o patrimônio dele soma R$ 492.608.503,21, ou seja, quase meio bilhão de reais.
A fortuna de Ronaldo Cezar Coelho é quase quatro vezes maior que a do segundo colocado, o ex-governador paulista Orestes Quércia (PMDB), dono de um patrimônio de R$ 111,5 milhões. Em terceiro lugar, vem Luiz Carlos da Rocha Novaes (PSDC), candidato ao governo do Rio de Janeiro. Ele informou à Justiça bens que somam mais de R$ 19 milhões.
Na outra ponta, aparecem 20 candidatos que declararam não possuir nenhum bem. Mas o levantamento trouxe à tona muitas outras informações interessantes. O governador mineiro Aécio Neves (PSDB) informou que possui R$ 150 mil em espécie. A candidata ao Senado do PMDB paulista, Alda Marco Antônio, tem apartamento no chiquérrimo Jardim Paulistano e uma casa popular em conjunto habitacional. Siga adiante para descobrir mais.
"Não sei quanto eu tenho"
Procurado pelo Congresso em Foco para confirmar o expressivo patrimônio, Ronaldo Cezar Coelho disse que não sabia ao certo o valor somado de todos seus bens. "Para falar a verdade, eu não sei quanto eu tenho. Eu vou ter que verificar com o pessoal da contabilidade", disse à reportagem. Em seguida, confirmou que sua fortuna pessoal chega mesmo perto de R$ 500 milhões.
Perto de encerrar o terceiro mandato de deputado federal, Ronaldo – que é irmão do ex-juiz de futebol e atual comentarista esportivo Arnaldo Cezar Coelho – enriqueceu no mercado financeiro, no qual atuou primeiro como operador e depois como banqueiro. Os dados que ele apresentou à Justiça eleitoral indicam vultosas aplicações em diversos bancos brasileiros (principalmente, Pactual, Opportunity e Unibanco), com valor total superior a R$ 260 milhões.
Mostram ainda que, além de rico, ele parece ter bom gosto. Várias obras de arte preciosas, muitas assinadas por alguns dos melhores artistas brasileiros, integram o seu patrimônio. Somente uma delas, o quadro "Auto-retrato com chapéu", do genial paraense Ismael Nery (1900-1934), vale exatamente R$ 1.526.125,00.
A relação de bens do deputado inclui ainda imóveis, recursos no exterior, um helicóptero de mais de R$ 3,5 milhões e duas cadeiras numeradas no estádio Mário Filho, nome oficial do velho Maracanã – ou simplesmente Maraca, como preferem alguns.
Ronaldo, 59 anos, disputou a Prefeitura do Rio em 2000, mas não se saiu bem. Foi o quinto mais votado. Tucano histórico, é um homem afável e com bom trânsito em outros partidos. Foi secretário de estado da Indústria, Comércio e Turismo do governo Anthony Garotinho (ex-PSB, hoje no PMDB) e secretário municipal de Saúde do prefeito do Rio, César Maia (ex-PDT, atualmente no PFL). Maia e Garotinho, não custa lembrar, se odeiam com igual entusiasmo.
Milho, curral e cemitério
A fortuna do segundo candidato mais rico da região, o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, que completará 68 anos no próximo dia 18, se concentra, sobretudo, em participações societárias em empresas, seja no seu nome ou em nome da sua mulher, Alaíde. A declaração de bens lança luz sobre as atividades empresariais do candidato, voltadas especialmente para as áreas de comunicação, empreendimentos imobiliários e agricultura.
Quase metade de seu patrimônio declarado, pouco mais de R$ 50 milhões, se deve ao saldo credor que ele e a esposa têm na empresa Sol Investimentos, Empreendimentos e Participações Ltda. Parte desse crédito decorreria da negociação do jornal Diário Popular, que Quércia vendeu para as Organizações Globo e que hoje circula com o título de Diário de São Paulo.
Entre os bens, aparecem desde cotas de sócio em empresas de hotelaria ou comunicação até currais, milho em grão, cabeças de gado, sêmen de boi ou sepulturas e áreas privativas de cemitérios.
Homem de origem modesta, Quércia foi, ao longo de sua carreira política, várias vezes questionado pelo notável enriquecimento que conquistou. Nas raras ocasiões em que respondeu a tais questionamentos, desfiados sobretudo em reportagens publicadas pela revista Veja e pelo jornal O Estado de S. Paulo durante os anos 1990, atribuiu a evolução do patrimônio às suas atividades empresariais. Procurado pelo Congresso em Foco, por meio de sua assessoria, não deu retorno às nossas tentativas de contato.
Uma coisa é certa, porém. Nos últimos anos, Orestes Quércia – que é formado em Direito e Jornalismo – teve mais sorte como empresário do que como político. Eleito sucessivamente vereador (1963), deputado estadual (1966), prefeito de Campinas (1968), senador (1974), vice-governador (de Franco Montoro, em 1982) e governador (1986), foi castigado pelas urnas nas eleições seguintes. Foi derrotado no pleito presidencial de 1994 e na disputa para o governo estadual, em 1998, e ao Senado, em 2002.
Em compensação, o homem de negócios vai bem, obrigado. Nos últimos quatro anos, considerando a declaração apresentada anteriormente à Justiça, o patrimônio de Quércia cresceu 71%. Além de ter vendido por bom preço o Diário Popular, Quércia é dono, entre outras coisas, da rádio Nova Brasil FM, do Hotel Jaraguá (no Centro paulistano), do jornal Diário do Comércio e Indústria, além de empreendimentos imobiliários, fazendas e vários veículos, equipamentos agrícolas e imóveis.
Nada a declarar
No outro extremo do levantamento, aparecem 20 candidatos ao governo ou ao Senado que declararam não possuir nenhum bem, nem mesmo uns poucos tostões depositados em alguma conta bancária ou guardados na carteira. A maioria deles pertence a pequenas agremiações partidárias, como o trotskista Partido da Causa Operária (PCO) e o pouco conhecido Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB).
Vem de um pequeno partido, no entanto, o terceiro maior patrimônio pessoal dos candidatos a cargos majoritários do Sudeste. Os bens declarados por Luiz Carlos da Rocha Novaes (PSDC), candidato ao governo do Rio, totalizam R$ 19.192.735,20.
Ex-deputado estadual e ex-vice-prefeito de Nova Iguaçu, Luiz Carlos, 66 anos, foi aliado do ex-governador Leonel Brizola (PDT). Seu patrimônio é formado, principalmente, por imóveis, localizados tanto no Rio de Janeiro quanto nos estados vizinhos de Minas Gerais e Espírito Santo.
Maioria de classe média
Se levarmos em conta a definição usual nos Estados Unidos, segundo a qual rica é a pessoa que forma um patrimônio de pelo menos US$ 1 milhão (cerca de R$ 2,2 milhões), a grande maioria dos candidatos a cargos majoritários na região Sudeste pertence à classe média. Poucos são aqueles cujos bens chegam à metade desse valor, ultrapassando R$ 1 milhão.
A julgar pelas declarações registradas no TSE, isso vale inclusive para os candidatos a governador que estão na liderança das pesquisas nos quatro estados do Sudeste.
José Serra (PSDB-SP) informou um patrimônio de R$ 872.893,62. Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ), de R$ 647.875,61. O mais rico, Paulo Hartung (PMDB-ES), declarou um patrimônio de R$ 1.312.449,38.
Aécio Neves (PSDB-MG) declarou um total de R$ 831.800,53, mas ele merece um capítulo à parte.
Dinheiro no colchão
Há um farto folclore sobre a suposta vocação dos mineiros para serem econômicos e demonstrarem conservadorismo na administração do dinheiro. É bastante provável que a fama seja inteiramente injusta, mas a declaração de bens do governador de Minas bem que dá asas à idéia de que, uai, tem mineiro guardando dinheiro no colchão, sô.
O economista Aécio Neves, 46 anos, informou à Justiça eleitoral que possui em espécie nada menos que R$ 150 mil. Defendendo um segundo mandato numa competição em que emerge das pesquisas como amplo favorito, ele relacionou pelo menos um bem que chama atenção pelo baixo valor que lhe é atribuído.
Um apartamento na cobiçadíssima Avenida Epitácio Pessoa, no bairro carioca de Ipanema, aparece na declaração de bens de Aécio com o preço de R$ 109,55 mil. Ele não discrimina o número de dormitórios que tem o imóvel, mas uma rápida pesquisa em classificados de jornal mostra que o dinheiro é pouco até mesmo para comprar um quarto-sala por ali.
O fato pode ter a ver com um hábito dos políticos. Eles costumam utilizar nas informações prestadas à Justiça eleitoral os valores dos imóveis constantes das declarações de Imposto de Renda. Nestas, o contribuinte é impedido de atualizar o valor do bem à luz dos preços de mercado porque o esfomeado Leão quer aumentar ao máximo a possibilidade de morder ganhos de capital elevados, aumentando artificialmente o lucro obtido pela eventual venda do imóvel. Em tese, à Justiça eleitoral, o candidato deveria informar o valor real do bem.
Moradora dos Jardins com casa popular
O problema se repete na declaração de bens da candidata ao Senado Alda Marco Antônio (PMDB-SP). Ela informa um patrimônio pouco superior a R$ 500 mil, apesar de a declarante possuir imóveis em endereços bastante valorizados, como o apartamento na Rua Batatais, no sofisticado Jardim Paulistano (ao qual ela atribui o valor de R$ 221,2 mil no documento entregue à Justiça).
As informações fornecidas por Alda Marco Antônio se destacam, também, pelo inusitado aparecimento de uma casa popular entre os itens que integram o seu patrimônio. De acordo com a declaração, a casa, com 37 metros quadrados, foi adquirida da Cooperativa Nacional de Habitação Popular (Conahp) no conjunto habitacional Pacaembu I, em Itupeva (SP). Nada demais não fosse o fato de se tratar de uma moradora dos Jardins que, além de tudo, arrolou entre os seus bens nove imóveis.
Outros candidatos sequer se dignam a descrever com o mínimo de cuidado seus bens. São freqüentes declarações de coisas como "uma casa", sem a indicação do endereço, ou de cotas de empresas cuja razão social não é informada.
A poupança da esquerda
Dado curioso está na declaração de Plínio de Arruda Sampaio (Psol). Candidato ao governo de São Paulo por um partido que prega um socialismo de perfil antiimperialista, ele informou que mantém o correspondente a R$ 45 mil em um banco norte-americano. Evasão de divisas, companheiro?
De modo geral, os candidatos do Psol não fogem ao perfil classe média comum à maioria dos candidatos. O mesmo pode se dizer dos petistas.
A exceção à regra é, possivelmente, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que disputa a reeleição. Seu patrimônio, formado basicamente por imóveis, chega perto de R$ 2 milhões. Com o perdão pelo uso de dois jargões do economês que aqui serão facilmente compreendidos, a declaração de Suplicy sugere, no entanto, que ele vai muito bem em termos de "ativo imobilizado" e mal no quesito "liquidez".
Filho de uma família tão tradicional quanto rica, o senador tem um patrimônio que não é de se jogar fora. Há ali, é certo, micos como as ações que Suplicy mantém da antiga fábrica nacional de veículos Gurgel (que faliu). Mas não faltam imóveis em ótimos endereços, destacando-se entre eles uma casa no sofisticado bairro paulistano de Jardim América, ao qual o parlamentar atribui o valor de R$ 788 mil.
Mas, se tem um excelente patrimônio, Suplicy parece enfrentar um problema que, por exemplo, o governador Aécio não tem: a falta de dinheiro vivo. Conforme sua própria declaração, suas duas contas bancárias estão no vermelho. No Banco do Brasil, com um saldo negativo de R$ 23.398,67. No Bradesco, a conta está estourada em R$ 5.316,15.
Na verdade, uma contradição, porque a mesma declaração também aponta uma aplicação financeira de R$ 429 mil em certificado de depósito bancário (CDB) no Banco do Brasil. Está esperando a data de resgate ou se distraiu, senador?
O outro senador do PT paulista, Aloizio Mercadante, que agora concorre ao governo estadual, declarou um patrimônio de R$ 754.237,13. Ou seja, 62% a mais que os R$ 465.432,56 que ele tinha ao disputar as eleições de 2002.
O ex-esquerdista José Serra, presidente da UNE no passado e hoje um dos políticos mais bem relacionados com o empresariado, não teve o mesmo aumento patrimonial. Entre 2002 e 2006, seus bens cresceram 44%.
A influência nas eleições
Candidatos com pequeno patrimônio contestam a possível influência que a posse de muitos bens pode causar na disputa eleitoral. Manoel Barbosa do Nascimento (PSC), que concorre ao Senado em São Paulo, diz que as novas regras eleitorais – como a proibição de outdoors, brindes ou de shomícios – reduziu a desigualdade que antes existia entre os candidatos pobres e ricos.
"Antigamente, nessa época, nós já poderíamos ver nas ruas propagandas de todos os tipos, patrocinadas pelo alto poder aquisitivo de alguns candidatos. Mas agora eu acredito que o poder aquisitivo não influencia tanto", acredita Nascimento.
Por outro lado, dizem os candidatos nanicos, o político rico não é necessariamente mal visto por uma população constituída em sua maioria por pessoas pobres.
Rubens Pereira de Araújo Pavão (PSDC), também candidato ao Senado em São Paulo, lembra o caso do senador Eduardo Suplicy (PT), que disputa a reeleição com amplo favoritismo, de acordo com as pesquisas. Com um patrimônio de R$ 1.951.805,72, Suplicy, observa Pavão, "tem a maior parte do eleitorado formado por populares".
Suplicy está longe, porém, de ser o candidato a senador mais opulento. Não fosse o meio bilhão de Ronaldo Cezar Coelho, ele enfrenta em São Paulo um concorrente com patrimônio cinco vezes maior que o seu: Guilherme Afif Domingos (PFL), R$ 11,7 milhões.
Em Minas Gerais, os candidatos ao Senado mais ricos são Newton Cardoso (PMDB), com um total de R$ 10,9 milhões em bens declarados, e Omar Resende Peres Filho (PDT), R$ 16,3 milhões. No Rio, além de Cezar Coelho, quem se destaca é Francisco Dornelles (PP), cujo patrimônio passa de R$ 5 milhões.
Veja a lista completa dos bens declarados pelos candidatos a governador e senador da região Sudeste
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