Maluf recebeu de forma “camuflada” 99% dos R$ 1,3 milhão arrecadados (Fábio Pozzebom/ABr)
Metade das doações recebidas pelos deputados e senadores que se candidataram nas eleições de 2008 teve origem oculta ou destino incerto. Dos 79 parlamentares que estão com suas prestações de contas na base de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 60 receberam R$ 41,1 milhões dos diretórios dos partidos ou de comitês de campanha. Isso equivale a 49% do valor total arrecadado pelo grupo de candidatos, que foi de R$ 83,7 milhões.
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Os demais R$ 42 milhões foram doados por pessoas físicas ou jurídicas. A primeira diferença entre as duas modalidades aparece na quantidade de repasses. Enquanto os cidadãos e as empresas foram responsáveis por 7.408 doações, os comitês responderam por 518 transferências de recursos. Ao todo, foram registradas 7.926 doações de campanha para os parlamentares que disputaram as eleições de outubro.
Pela atual legislação, o partido pode repassar a quantia que quiser aos seus candidatos sem justificar a origem do dinheiro no prazo eleitoral. Já a formação de comitês, segundo os próprios parlamentares, diminui a burocracia.
O problema é que o artifício impede o eleitor de saber quem realmente recebeu o dinheiro de quem. Isso porque inclui no mesmo pacote recursos destinados a candidatos a vereador e prefeito. A formação de uma espécie de caixa único permite que o dinheiro seja disseminado para outros candidatos que disputam a eleição pela coligação.
Os diretórios nacionais e regionais dos partidos foram responsáveis por repassar R$ 25.892.799,71 aos seus candidatos. Essa quantia corresponde a cerca de 30% do total que os parlamentares candidatos receberam durante todo o período de disputa. Dos 89 que participaram das eleições, em julho, somente 18 acabaram eleitos.
Maluf e ACM Neto
Proporcionalmente, o parlamentar que teve maior financiamento por meio de um comitê foi Paulo Maluf (PP-SP). Candidato derrotado à prefeitura de São Paulo, Maluf teve uma arrecadação total de R$ 1.312.265,38. Desse total, 99% – R$ 1.300.691,73 – vieram camuflados como recursos do comitê ou do diretório do partido. O Congresso em Foco tentou o contato com o deputado por meio do seu gabinete, mas não obteve resposta.
Em valores brutos, entretanto, quem mais usou o expediente foi o deputado ACM Neto (DEM-BA). Ele recebeu R$ 3.967.392,35 por outras fontes. O valor equivale a 70% dos R$ 5.696.003,18 que o candidato derrotado em Salvador conseguiu arrecadar na campanha.
Veja a lista completa dos doadores
Os que mais receberam de comitês ou diretórios
Comparação
Levantamento feito pelo TSE mostra que, em 2008, as doações ocultas chegaram a R$ 192 milhões. Isso é mais de três vezes o que os maiores partidos do país receberam e distribuíram aos seus candidatos em 2006, durante as eleições para deputados, senadores, governadores e presidente, que foi de R$ 60 milhões.
Especialistas ouvidos pelo site acreditam que as empresas preferem se esconder para não ficaram marcadas como apoiadoras de determinados candidatos ou para não pagarem o preço do “não”. “Quando uma empresa dá uma contribuição acaba recebendo outros candidatos. E são poucas que podem doar para muitos candidatos”, afirma o cientista político Leonardo Barreto, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Na prática, os eleitores ficam sem, saber quem financiou os R$ 25,8 milhões que chegaram aos candidatos por meio dos diretórios. A causa disso é que o TSE analisa as contas dos partidos em maio, enquanto os candidatos a prefeito tiveram até dezembro para apresentar à corte eleitoral quanto receberam e gastaram no pleito. Somente durante a análise dos números dos partidos é que os doadores vão aparecer.
Transparência
O presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, demonstrou diversas vezes que, para acabar com essas doações ocultas, seria necessário que o processo fosse totalmente feito pela internet. “[É] possível trabalhar com financiamento via internet, porém com plena identificação dos doadores, dos destinatários, o modo pelo qual a quantia foi doada e a prestação de contas”, disse o ministro em entrevista dada ao site antes do segundo turno das eleições (leia aqui).
“É um desafio nosso regulamentar esse tipo de financiamento, conhecer na plenitude os financiadores e os destinatários de financiamento. A quantia financiada, o modo pelo qual se deu o financiamento, o futuro aponta para essa direção”, completou.
A opinião é compartilhada pelo membro fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o juiz Marlon Reis. Para ele, a legislação eleitoral brasileira é muito permissiva. O magistrado acredita que é preciso, além de controlar a origem da doação, mudar os prazos e aplicar sanções administrativas. “As informações chegam tarde”, criticou.
“Hoje os eleitores não têm as informações que devem ter para embasar suas escolhas”, afirmou o magistrado. Ele defende que, a exemplo do que existe parcialmente nos Estados Unidos, todas as doações sejam feitas on-line no país. “Quem tem conta bancária tem cartão magnético e poderia fazer doação por meio de transferência imediata.”
O MCCE é composto por 40 entidades, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) à Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), passando pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A idéia do movimento é acompanhar a atuação do TSE e sugerir adoção de medidas que favoreçam a lisura do processo eleitoral.
Aberração
Além de acreditar que a doação oculta é uma forma de evitar o “custo do não”, o professor Leonardo Barreto, da UnB, diz que a internet não é, por enquanto, a solução para o problema. Segundo o cientista político, é preciso fazer uma discussão mais aprofundada. “O nosso sistema é uma aberração, temos que jogar luz dentro dele”, opinou.
Para o especialista, mesmo que a declaração seja feita exclusivamente on-line, o caixa 2 vai continuar enquanto a legislação não for fortalecida. “Precisamos de uma discussão ampla. Temos de endurecer a legislação penal, já o caixa 2 não causa risco para o mandato e para a empresa que contribui ilegalmente”, disse.
O Congresso em Foco entrou em contato com os casos mais representativos apresentados na reportagem. Somente a assessoria do deputado Mauro Mariani (PMDB-SC), que disputou a prefeitura de Joinville (SC), retornou. Segundo assessores do parlamentar, o uso da rubrica comitê se justifica por uma “facilidade contábil”. Dessa maneira, fica mais fácil, afirmam os assessores, repassar a verba doada a candidatos a vereador.