Fábio Góis
Uma acareação entre a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira depende do depoimento que esta última dará nesta terça-feira (18), às 9h, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Senadores consultados pelo Congresso em Foco evitaram antecipar opiniões sobre uma eventual acareação – mas quase todos concordam que, caso Lina reitere as acusações contra a ministra, esse será o caminho natural.
Em entrevista concedida no último dia (9) ao jornal Folha de S. Paulo, Lina disse que, em encontro reservado em dezembro de 2008, a ministra lhe pediu para que fosse concluída rapidamente a auditoria que a Receita fazia nos negócios da família Sarney. Dilma tem negado a versão, e chegou a desafiar a ex-secretária a provar o que disse. O presidente Lula também. Em meio às discussões, o presidente da CCJ, Demóstenes Torres (DEM-GO), conduziu na semana passada a sessão em que, durante um cochilo da base governista, foi aprovado requerimento para promover a audiência de hoje.
“Vamos esperar o depoimento. Não acredito que ela traga novidades. Ela é muito segura, me parece que traz muita sinceridade, tranquilidade e credibilidade”, disse à reportagem o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), para quem o confronto presencial de versões entre Dilma e Lina é “inevitável”.
Para Jarbas, que já foi membro da CCJ, um recuo da ministra – hipótese que considera improvável – poderia impedir um depoimento conjunto. “A acareação vai terminar inevitável, a não ser que a ministra recue. Mas ela já fincou o pé e, dentro daquele autoritarismo dela, daquele comportamento prepotente, vai continuar a negar tudo”, acrescentou o peemedebista, para quem a postura de Dilma e a determinação de Lina levarão ao encontro. “Não há outro caminho. Agora, o governo aceitar é outra coisa. Mas a gente tem de formalizar.”
Responsável pela criação da CPI da Petrobras, o tucano Alvaro Dias (PR) acha que a estratégia governista vai ser de esfriar o debate na comissão. Ele diz que o fato de a ministra ser “reincidente” agrava sua situação. Ele se refere às ocasiões em que Dilma foi acusada de mentir sobre seu currículo, sobre a sua isenção acerca do processo de liquidação da Varig, e a respeito do dossiê sobre gastos de cartão corporativo pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
“Há precedentes que recomendam acreditar na Lina. A ministra Dilma tem usado a mentira com muita facilidade para a blindagem de equívocos praticados pelo governo”, acusou Alvaro, dizendo que Dilma também pode usar o mesmo espaço que Lina na CCJ para se defender.
O senador paranaense acredita que as versões conflitantes da ministra e da ex-secretária da Receita podem trazer prejuízo às pretensões eleitorais de Lula, que quer fazer de Dilma sua sucessora na Presidência. “Quanto ao desgaste da ministra Dilma, é inevitável, e exatamente pelos precedentes”, acrescentou Alvaro, defendendo o confronto de versões na CCJ. “Nessas ocasiões, quando há a palavra de uma pessoa contra outra, o instrumento mais adequado é a acareação. Certamente, o governo não vai concordar.”
Membro titular da comissão, o petista Eduardo Suplicy (SP) evita antecipar o que pode acontecer a partir do depoimento de hoje. Para ele, ainda é cedo para dizer se haverá acareação. “Não tenho elementos para responder antes de ouvir o depoimento da Lina Vieira. É melhor ouvi-la, para então fazer uma avaliação melhor”, declarou.
Para que haja aprovação de um eventual pedido de acareação, a oposição precisa de maioria simples na CCJ, que tem 23 membros titulares (confira abaixo a relação dos integrantes). Ao seu favor, os oposicionistas no colegiado – minoria, com 11 representantes – têm a possibilidade de dissidência de nomes como Pedro Simon (PMDB-RS) e, provavelmente, Marina Silva (PT-AC) dentro do bloco de apoio ao governo.
Maioria
O senador Valter Pereira (PMDB-MS) é outro que não arrisca prognósticos a respeito do que pode acontecer depois do depoimento de Lina – que, em princípio, seria realizado na CPI da Petrobras, mas a maioria governista no colegiado evitou a aprovação do requerimento. Para Valter, quem tiver mais membros em uma eventual votação de requerimento de acareação determinará os rumos da questão no colegiado.
“A CCJ depende de quorum. Eu não sei se está tendo mobilização de um lado ou de outro”, disse o senador, que não sabe se estará presente à audiência, uma vez que presidirá, às 10h, uma reunião na Comissão de Agricultura. “Eu não sei até que ponto uma acareação vai resolver o problema. Em alguns casos, é necessária. Em outros, é irrelevante.”
Um dos integrantes da chamada tropa de choque do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o senador Almeida Lima (PMDB-SE) também não arrisca palpites. “A gente precisa ter cautela, e não ficar fazendo previsões”, declarou Almeida à reportagem. “Espero que seja uma audiência esclarecedora, que esclareça os fatos. Vamos ter de ouvir o que ela tem para falar.”
Um senador oposicionista, que não quis se identificar, não acredita que seja realizada uma acareação entre Dilma e Lina. “Você acha que o governo vai permitir essa acareação? A chance de se aprovar isso é igual a zero”, destacou o senador, para quem a hipótese daria munição à “tese de que se quer politizar uma questão pessoal”.
Para o senador, uma acareação só seria realizada se Dilma fosse “cabalmente desmentida” por Lina, por meio de provas. “Qualquer coisa que eu diga a mais é fazer graça para o governo.”
Impasse
Um dos motivos do desgaste de Lina no comando da Receita Federal foi revelado em maio, quando foi noticiado que a Petrobras alterou o próprio regime contábil, provocando a redução de R$ 4,3 bilhões em pagamento de tributos; na ocasião, a Receita emitiu nota mencionando a legislação que, teoricamente, impedia a manobra da empresa. A postura do órgão, por ter deixado em situação delicada a direção da Petrobras, desagradou à cúpula do governo.
Lina foi comunicada de sua demissão em 7 de julho pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que a indicara para o lugar de Jorge Rachid, desligado do órgão em 31 de julho do ano passado. Interlocutores do Palácio do Planalto dão conta de que Lula, logo nos primeiros meses após a nomeação de Lina, vinha reclamando com o próprio Mantega a queda na arrecadação tributária, resultado de ações supostamente praticadas por Lina à frente do fisco.
Da mesma maneira que Rachid, que estava há cinco anos como chefe da Receita, indicado pelo então ministro da Fazenda Antonio Palocci, Lina deixou o órgão sem justificativas oficiais. A motivação política foi um dos ingredientes para a saída da ex-secretária da Fazenda do Rio Grande do Norte, que pôs em campo uma fiscalização mais rigorosa das instituições financeiras – comportamento considerado “rebelde” pela cúpula do Planalto.
Confira a composição da Comissão de Constituição e Justiça:
Bloco de apoio ao governo (PT-PR-PSB-PCdoB-PRB)
Marina Silva (PT-AC)
Aloizio Mercadante (PT-SP)
Eduardo Suplicy (PT-SP)
Antonio Carlos Valadares (PSB-SE)
Ideli Salvatti (PT-SC)
Expedito Júnior (PR-RO)
Pedro Simon (PMDB-RS)
Almeida Lima (PMDB-SE)
Gilvam Borges (PMDB-AP)
Francisco Dornelles (PP-RJ)
Valter Pereira (PMDB-MS)
Wellington Salgado de Oliveira (PMDB-MG)
Bloco da minoria (DEM e PSDB)
Kátia Abreu (DEM-TO)
Demóstenes Torres (DEM-GO)
Jayme Campos (DEM-MT)
Marco Maciel (DEM-PE)
Antonio Carlos Júnior (DEM-BA)
Alvaro Dias (PSDB-PR)
Sérgio Guerra (PSDB-PE)
Lúcia Vânia (PSDB-GO)
Tasso Jereissati (PSDB-CE)
Romeu Tuma (PTB-SP)
Osmar Dias (PDT-PR)
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