Edson Sardinha
Convocado ao custo de R$ 100 milhões para dar prosseguimento às investigações do mensalão e analisar uma agenda com mais de 90 proposições, o Congresso corre o risco de passar o período de 16 de janeiro a 14 de fevereiro em branco. Quando retomarem as atividades de plenário na terceira semana de 2006, os parlamentares encontrarão uma pauta obstruída por duas medidas provisórias (MPs) na Câmara e quatro no Senado.
Mas a perspectiva é ainda mais desoladora: até o início do ano legislativo, pelo menos outras seis MPs vão obstruir as votações. “Claro que há o risco de não votarmos nada por conta dessas MPs. O presidente Lula tenta desmoralizar o Congresso. Essa convocação é um equívoco, de responsabilidade dele e da mesa diretora do Congresso, que não sabe se impor ao Executivo”, critica o líder da oposição na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA).
Por força constitucional, as medidas provisórias têm prioridade no plenário. Com isso, só após analisá-las os parlamentares poderão examinar propostas consideradas importantes, como a que institui o Fundo de Educação Básica (Fundeb), a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa e a que regulamenta a exploração das florestas públicas. “Lula edita MP atrás de MP e ainda tem coragem de pedir ao Congresso para aprovar o Fundeb. É um absurdo”, critica Aleluia.
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Conflito à vista
Vice-líder do governo na Câmara, o deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE) reconhece as dificuldades, mas diz que o Planalto conta com o apoio da oposição para liberar a pauta para votar propostas consideradas prioritárias para o país. “Quem é contra (as MPs), que vote contra. Mas manter a obstrução em período de convocação é uma loucura. Creio que a oposição se convenceu de que contribuiu para impedir a votação de projetos importantes este ano e vai colaborar”, diz o líder comunista.
O otimismo de Renildo, porém, esbarra na resistência do líder oposicionista. “Não somos colaboradores deste governo. Oposição não existe para colaborar, é para fiscalizar e fazer oposição mesmo ao governo. O excesso de MPs e a convocação não prejudicam apenas a imagem do Congresso mas a do presidente também”, afirma Aleluia ao Congresso em Foco.
A possibilidade de o Congresso continuar paralisado durante a convocação reforça o desgaste criado pelos gastos extras com a suspensão do recesso parlamentar. Graças à convocação, cada parlamentar vai receber cerca de R$ 100 mil entre dezembro e fevereiro. As presenças em plenário, no entanto, só serão cobradas a partir do próximo dia 16.
Crédito, só em MP
Das 12 MPs que entrarão na pauta da convocação, pelo menos oito liberam crédito extraordinário ao Orçamento da União, num total de R$ 4,63 bilhões. É dinheiro para recuperação de estradas, reajuste dos servidores do Legislativo e das Forças Armadas, combate à febre aftosa, atendimento dos atingidos pela seca no Norte e compensação aos estados exportadores. Mas a liberação de recursos costuma tumultuar a votação da proposta orçamentária. Bancadas insatisfeitas com os valores reservados no Orçamento costumam obstruir as votações das medidas provisórias como forma de pressionar o Executivo.
“Todos esses créditos são polêmicos e nenhum deles deveria ser tratado por medida provisória, mas por projeto de lei”, diz Aleluia. A dificuldade em aprovar essas propostas é reconhecida pelo vice-líder do governo. “Hoje não há mais matéria que não seja polêmica no Congresso”, admite Renildo.
Repasse para estados
Desde o último dia 25, a pauta da Câmara está obstruída pela medida provisória que reserva R$ 673,6 milhões para os ministérios da Integração Nacional, dos Transportes e das Cidades. Até a volta dos deputados, outra MP trancará a pauta da Casa: a que transfere do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) para o Ministério da Fazenda a administração do seguro de crédito à exportação.
Ainda na primeira semana de trabalho do ano, os deputados terão de examinar o texto que abre crédito extraordinário de R$ 1,5 bilhão para os ministérios da Educação, Saúde e Defesa. Até 15 de fevereiro, quando começa oficialmente o ano legislativo, outras quatro MPs trancarão a pauta. Entre elas, está a que autoriza a União a destinar R$ 900 milhões a estados, Distrito Federal e municípios como forma de compensar a desoneração das exportações.
Segundo a MP, a União vai liberar uma parcela de R$ 450 milhões agora em dezembro e outra, também de R$ 450 milhões, em janeiro de 2006. O anúncio foi feito menos de um mês depois de o governo dizer que repassaria aos estados apenas metade dos R$ 900 milhões acertados com governadores para compensar perdas provocadas pela Lei Kandir.
Dificuldade no Senado
À medida que forem aprovadas na Câmara, as MPs seguirão para o Senado, onde o governo não dispõe de maioria para aprovar propostas de seu interesse. Os senadores dificultaram, este ano, a aprovação das mais de 30 MPs editadas pelo Planalto. Aprovaram 18 e devolveram 11 à Câmara, com modificações.
Os senadores terão de analisar pelo menos quatro medidas provisórias para poder examinar a pauta prevista na convocação extraordinária. Um desses itens é a medida que concede abono de 13% para os militares das Forças Armadas. O percentual é equivalente ao reajuste que o governo pretendia conceder, por meio de projeto de lei, aos militares entre os meses de outubro e novembro. Como a proposta não avançou a tempo, o governo acabou editando a MP para minimizar a pressão da categoria.
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