Parlamentares de oposição e mais independentes ao Planalto criticaram nesta quinta-feira (22) o presidente Lula, que, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, disse que sempre é necessário fazer aliados num governo de coalizão. “Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão”, afirmou o petista depois de ser questionado sobre suas relações com José Sarney (PMDB-AP), Fernando Collor (PTB-AL) e Renan Calheiros (PMDB-AL).
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) ironizou o presidente da República. Disse que ele chamou seus aliados de Judas Iscariotes. “O presidente Lula disse que no Brasil Jesus faria acordo com Judas. Jesus poderia perdoar Judas, fazer acordo jamais”, criticou o ex-petista em um dos seus sites na internet.
Para Cristovam, a frase é um desestímulo à juventude. “Ele está dizendo para os jovens idealistas se afastarem da politica.” O senador disse crer que Lula pensa que seus eleitores não passam de Pilatos, o governador da Judéia que, na época de Jesus Cristo, nada fez para impedir uma execução injusta.
O presidente do DEM, o deputado Rodrigo Maia (RJ), foi mais duro. Afirmou que Lula está disposto a se juntar ao “pior na política” para eleger sua sucessora, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. “Infelizmente, o presidente apenas vocaliza o que no passado não vocalizava. É um governo pragmático que, para garantir sua sustentação, faz aliança até com o pior traidor”, disse ele à Folha Online.
O presidente do PPS, o ex-deputado Roberto Freire, afirmou que a frase serviu ao presidente da República para justificar os maiores escândalos de corrupção de sua gestão. “A comparação com Jesus Cristo e Judas para quem é católico como ele e cristão, como boa parte da população brasileira, é uma violência para justificar todas as bandalheiras, traições que permitiu que se fizesse em seu governo. Com essa frase ele deixou claro porque ocorreu o mensalão, os aloprados”, afirmou ele à Folha Online.
Leia trechos da entrevista de Lula a Kennedy Alencar, repórter da Folha de S. Paulo
Folha – O sr. apoiou Sarney, reatou relações com Collor, é amigo do Renan Calheiros, do Jader Barbalho e recebeu o Delúbio Soares recentemente na Granja do Torto. Todos eles são acusados de práticas atrasadas na política e até de corrupção. Ao se aproximar dessas figuras, o presidente não transmite ideia de tolerância com desvios éticos?
Lula – O dia que você for acusado, justa ou injustamente, enquanto não for julgado, terá de ser tratado como cidadão normal. Não tenho relações de amizade, mas relações institucionais. As pessoas ganharam eleições e exercem seus mandatos.
O cidadão que admira o Lula e o vê abraçado com essas figuras…
O cidadão que admira o Lula tem de saber que essas pessoas foram eleitas democraticamente. E o eleitor dessas pessoas é tão bom quanto ele.
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Ciro disse que o sr. e FHC foram tolerantes com o patrimonialismo para fazer aliança no Congresso. Ou seja, aceitaram a prática política de usar os bens públicos como privados. “No governo Lula, vi um pouco de novo a mesma coisa”, ele disse em entrevista em fevereiro de 2008. Como responde a essa crítica?
Qualquer um que ganhar as eleições, pode ser o maior xiita deste país ou o maior direitista, ele não conseguirá montar o governo fora da realidade política. Entre o que se quer e o que se pode fazer, tem uma diferença do tamanho do oceano Atlântico. E o eleitor escolheu seus representantes. Quem ganhar a Presidência amanhã, terá de fazer quase a mesma composição, porque este é o espectro político brasileiro. Não é o espectro do Ciro, do Lula, do FHC, do Serra, da Dilma. Coloque tudo isso na frigideira e perceberá que são os ovos que a galinha botou. São com eles que terá de fazer o omelete.
Nunca se sentiu incomodado por ter feito alguma concessão?
Nunca me senti incomodado. Nunca fiz concessão política. Faço acordo. Uma forma de evitar a montagem do governo é ficar dizendo que vai encher de petista. O que a oposição quer dizer com isso. Era para deixar quem estava. O PSDB e o PFL (hoje DEM) queriam deixar nos cargos quem já estava lá. Quem vier para cá não montará governo fora da realidade política. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão.
É isso que explica o sr. ter reatado com Collor, apesar do jogo baixo na campanha de 1989?
Minha relação com o Collor é a de um presidente da República com um senador de um partido que faz parte da base da base. Os senadores do PTB têm votado sistematicamente com o governo.
Do ponto de vista pessoal, não o incomoda? Não lhe dá aperto no peito?
Não tenho razão para carregar mágoa ou ressentimento. Quando o cidadão tem mágoa, só ele sofre. A pessoa que é a razão de ele ter mágoa vive muito bem, e só ele sofre. Quando se chega à Presidência da República, a responsabilidade nas suas costas é de tal envergadura que você não tem o direito de ser pequeno. Tem de ter as atitudes de chefe de Estado. Fico sempre olhando quando a Alemanha e a França resolveram criar a União Européia. A grandeza daqueles dirigentes políticos, ainda com o gosto de sangue da Segunda Guerra Mundial.