A oposição entrou, nesta quarta-feira (18), com representação na Comissão de Ética da Presidência da República contra o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), para que seja investigada a audiência entre o petista e o advogado da UTC Engenharia, Sérgio Renault, e o também advogado Sigmaringa Seixas, ex-deputado federal pelo PSDB e pelo PT do Distrito Federal. O pedido foi apresentado pelo líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), que questiona o fato de o encontro não ter constado da agenda do ministro. A empresa é uma das investigadas na Operação Lava Jato, que apura esquema de cartel e corrupção em contratos da Petrobras.
Segundo o oposicionista, a reunião entre Cardozo e os advogados feriu a “ética da administração pública federal” por não ter seguido, na avaliação dele, os preceitos do Decreto 4334/02, que trata de audiências concedidas por autoridades a particulares.
“A violação é clara já que não houve pedido formal de reunião com a identificação do requerente e o assunto que seria tratado pelo mesmo, por exemplo. Além disso, o decreto deixa claro que as audiências sempre devem ter caráter oficial, ainda que sejam realizadas fora do local de trabalho, e que o agente público deverá estar acompanhado de, pelo menos, outro servidor público. O que não ocorreu”, justificou Bueno.
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O ministro da Justiça argumenta que a lei determina que quem ocupa o seu cargo deve receber advogados e que não deu qualquer orientação a defensores das empresas investigadas. Alega, ainda, que seus compromissos são todos divulgados na internet, mas que, por uma “falha técnica” os encontros com esses advogados, assim como outras atividades, não constavam dos registros do portal do ministério.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Cardozo disse que só tratou da Lava Jato com advogados da Odebrecht. “Foi realizada dentro do estrito rigor formal. A empresa me narrou que dentro de seu ver haveria duas irregularidades em fatos relacionados à operação. Pedi que formalizassem através de representações. A empresa protocolou formalmente”, declarou o petista.
O pedido de investigação feito por Rubens Bueno se baseia em reportagem da revista Veja desta semana, segundo a qual, o ministro teria orientado os advogados a não aceitarem colaborar com as investigações, alegando que as apurações mudariam de rumo após o Carnaval, com o surgimento de nomes da oposição entre os alvos da operação. “Imagine a gravidade dessa situação: o ministro da Justiça envolvido com advogados de empresas questionadas e investigadas pela Polícia Federal. A que ponto chegamos?”, questionou. Cardozo diz que não tratou da Lava Jato com os advogados da UTC e não deu qualquer orientação a quem quer que seja sobre as investigações.
O líder do PPS fez coro ao ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa e pediu a demissão do ministro. “Essa relação de promiscuidade do PT não tem limite para nada. O ministro da Justiça é quem deveria preservar a lei e, de repente recebe advogados de empreiteiras investigadas no escândalo da Petrobras? Todo mundo apurando e ele toma esse tipo de atitude? Ou assume uma atitude mais digna ou pede para sair do ministério, já que Dilma não demite ninguém”, criticou. Joaquim Barbosa também considerou inadmissível o encontro entre o ministro e defensores das empresas investigadas e cobrou da presidenta Dilma a demissão imediata do ministro.
Ainda na entrevista à Folha, Cardozo afirmou que só “pessoas que ainda têm o pensamento ditatorial” se espantam com o fato de um ministro da Justiça receber advogados.
Veja abaixo a íntegra da representação contra Cardozo:
“Excelentíssimo Senhor Américo Lacombe, Presidente da Comissão de Ética da Presidência da República
Rubens Bueno, brasileiro, casado, Deputado Federal (PPS/PR), com endereço funcional no gabinete 623, Anexo IV, da Câmara dos Deputados, vem, respeitosamente, à presença desta D. Comissão, para formular a presente denúncia em face do Senhor Ministro de Estado da Justiça, José Eduardo Cardozo, pelos fatos e fundamentos adiante expendidos:
O Código de Conduta da Alta Administração Federal tem, entre suas diversas finalidades, a de preservar a imagem e a reputação do administrador público, com vistas a garantir as lisura e ética necessária para quem esteja ocupando cargo na Administração Pública Federal, conforme estabelecido em seu art. 1º, inciso III.
Entretanto, conforme amplamente divulgado pela imprensa, o denunciado tem recebido – de forma informal, sem constar em sua agenda de encontros oficiais – o advogado da UTC Engenharia, Sr. Sérgio Renault, e o ex-deputado Sigmaringa Seixas. A UTC, como noticiado, é uma das empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras, e também está sob investigação pela Operação Lava-Jato.
Com o propósito de acalmar as empreiteiras envolvidas na Operação da Policia Federal, o Sr. José Cardozo, a quem está subordinada a Polícia Federal, garantiu ao advogado da UTC que a investigação mudaria drasticamente de rumo após o carnaval. Além disso, fez algumas considerações com o Sr. Sérgio Renault, desaconselhando-o a aceitar o acordo de delação premiada.
O art. 3º do Código de Conduta da Alta determina o seguinte:
“Art. 3o No exercício de suas funções, as autoridades públicas deverão pautar-se pelos padrões da ética, sobretudo no que diz respeito à integridade, à moralidade, à clareza de posições e ao decoro, com vistas a motivar o respeito e a confiança do público em geral.”
Ora, resta evidente que, ao ditar como será a continuação da Operação Lava-Jato, utilizando-se do cargo de Ministro da Justiça que ocupa, bem como aconselhar o advogado da empresa investigada a recuar no acordo delação premiada, o denunciado está infringindo o Código de Conduta. Isso porque não fica claro a posição deste: como Ministro da Justiça, deveria buscar sempre o cumprimento da lei e a punição dos acusados no maior esquema de corrupção do País; entretanto, como companheiro, opta por conselhos que dificultarão a apuração de crimes e a identificação de responsáveis na Operação Lava-Jato.
Além disso, ressalta-se que houve violação ao Decreto n. 4334/2002, que dispõe sobre audiências concedidas a particulares por agentes públicos.
De acordo com o art. 2º,
“O pedido de audiência efetuado por particular deverá ser dirigido ao agente público, por escrito, por meio de fax ou meio eletrônico, indicando:
I – a identificação do requerente;
II – data e hora em que pretende ser ouvido e, quando for o caso, as razões da urgência;
III – o assunto a ser abordado; e
V – a identificação de acompanhantes, se houver, e seu interesse no assunto.”
Logo em seguida, o art. 3º dispõe:
“As audiências de que trata este Decreto terão sempre caráter oficial, ainda que realizadas fora do local de trabalho, devendo o agente público:
I – estar acompanhado nas audiências de pelo menos um outro servidor público ou militar; e
II – manter registro específico das audiências, com a relação das pessoas presentes e os assuntos tratados.”
No entanto, como admitido pelo próprio denunciado, o encontro com o advogado e o ex-deputado – que foi extraoficial – teve como pauta supostas irregularidades alegadas pelo advogado da empreiteira investigada pela Polícia Federal.
Por fim, conclui-se que o denunciado, ocupante do cargo de Ministro da Justiça, faltou com o decoro e a clareza de posições exigidos pelo Código de Conduta ao ditar os passos a serem tomados pela operação e aconselhar o advogado da empreiteira investigada a recuar no acordo de delação premiada. Violou, também, o Decreto nº 4334/2002, ao reunir-se com particulares extraoficialmente, sem tornar público o assunto a ser abordado e manter o registro específico da audiência.
Ante o exposto, no exercício do direito constitucional de petição (art. 5º, inciso XXXIV, ‘a’) o denunciante vem perante esta Douta Comissão de Ética para narrar os fatos acima descritos e requerer a abertura de processo para a apuração de prática de ato em desrespeito ao preceituado no Código de Conduta da Alta Administração Federal, a fim de que, diante da comprovação de tais violações legais, sejam tomadas as providências previstas no art. 17 do Código de Conduta; inclusive o aconselhamento de demissão do Sr. José Eduardo Cardozo do cargo de Ministro da Justiça.
Pede deferimento.
Brasília, 18 de fevereiro de 2015.
Rubens Bueno
Deputado Federal (PPS-PR)”