Fábio Góis
Em 5 de novembro de 2008, quando o então senador por Illinois recém-eleito presidente dos Estados Unidos (relembre e confira o discurso da vitória) falou de maneira entusiasmada e veemente a milhares de pessoas em Chicago, o mundo vivia o clímax de ter o primeiro negro no comando da principal potência mundial. Hoje (domingo, 20), quando subiu ao púlpito do Theatro Municipal, no centro do Rio de Janeiro, Barack Obama repetiu o tom ameno do discurso feito ontem (sábado, 19) no Palácio do Planalto e, diante de cerca de duas mil pessoas, rasgou elogios ao Brasil (confira tradução abaixo). Ressaltou os avanços democráticos do país, a redução da desigualdade social, o desenvolvimento econômico, a superação das principais dificuldades. E, diplomático, fez elogios ao trabalho realizado pelo governo fluminense em relação às comunidades pacificadas.
?Mais da metade desta nação hoje em dia é considerada de classe média, milhões foram retirados da pobreza?, discursou o presidente, que mais cedo visitou a Cidade de Deus, primeira comunidade do Rio de Janeiro a receber uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). ?Pela primeira vez, a esperança está voltando para lugares onde o medo costumava reinar. Eu vi isso hoje, quando visitei a Cidade de Deus. E não é apenas esse novo esforço de segurança e os programas sociais ? eu quero parabenizar o governador [Sérgio Cabral] e o prefeito [Eduardo Paes] pelo excelente trabalho que vêm desenvolvendo ?, mas é também uma mudança de atitude.?
Leia também: Dilma critica barreira comercial e pede reforma na ONU
Por várias vezes a plateia interrompeu com aplausos o discurso ? que teve menções ao futebol e até a personalidades brasileiras, como o cantor e compositor Jorge Ben Jor. Obama relatou ter tido o primeiro contato com o universo brasileiro por meio do filme Orfeu negro, de Vinicius de Moraes, a que assistiu com a mãe. ?Minha mãe jamais imaginaria que minha primeira viagem ao Brasil seria como presidente dos EUA. Vocês são mesmo um ?país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza?.?
Ao começar o discurso, Obama saudou a plateia em português, provocando o primeiro momento de empatia quando pronunciou ?cidade maravilhosa?, famoso epíteto do Rio. Fez um breve resgate da história da formação dos EUA, pontuou a identidade com o Brasil em relação ao caráter multiétnico de ambos os povos, e voltou a classificar as nações como ?parceiros iguais? que compartilham ?interesses mútuos?. E lembrou que, como se dizia, o Brasil não é mais só o país do futuro, mas também do presente.
Aproximando-se do final do pronunciamento, quando soltou um ?meus amigos?, Obama colheu do próprio povo carioca uma sugestão sobre como os governantes devem perceber as favelas e comunidades carentes. ?É como um residente me disse hoje: as pessoas têm que ver as favelas não com pena, com piedade, mas como uma fonte de médicos, advogados, artistas, pessoas que vão ter soluções?, discursou, novamente ovacionado.
O otimismo e o bom humor foram elementos constantes no discurso ? em um trecho da fala, Obama repetiu a ironia feita ontem quando, olhando para a presidenta Dilma Rousseff no discurso feito no Palácio do Planalto, disse que estava ?infeliz? com a realização das Olimpíadas de 2016 no Rio. ?Vocês sabem que esta cidade não foi minha primeira escolha para os Jogos Olímpicos. Porém, se os jogos não pudessem ser realizados em Chicago, o Rio seria minha escolha?, gracejou Obama, que também deu tom grave ao pronunciamento ao falar da mais recente catástrofe do Japão.
Confira o discurso de Obama no Municipal:*
?Alô, Rio de Janeiro. Alô, Cidade Maravilhosa. Boa tarde todo o povo brasileiro.
Desde o momento em que chegamos, o povo desta cidade tem mostrado para a minha família o calor e a receptividade de seu espírito. Quero agradecer a todos por estarem aqui, pois sei que há um jogo do Vasco ou do Botafogo. Eu sei que os brasileiros não abrem mão do futebol. Uma das primeiras impressões que tive do Brasil veio de um filme que vi com minha mãe, ‘Orfeu Negro’. Minha mãe jamais imaginaria que minha primeira viagem ao Brasil seria como presidente dos EUA. Vocês são mesmo um ‘país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza’.
Ontem tive um encontro com a sua presidente, Dilma Rousseff. Hoje, quero falar com vocês sobre as jornadas dos EUA e do Brasil, que são duas terras com abundantes riquezas naturais. Ambos os países já foram colônias e receberam imigrantes de todo mundo. Os EUA foram a primeira nação a reconhecer a independência do Brasil. O primeiro líder brasileiro a visitar os EUA foi Dom Pedro II.
No Brasil, vocês lutaram contra a ditadura, pedindo para serem ouvidos. Mas esses dias passaram. Hoje, o Brasil é um país onde os cidadãos podem escolher seus líderes e onde um garoto pobre de Pernambuco pode chegar ao posto mais alto do país. Foi essa mudança que vimos na Cidade de Deus. Quero dar os parabéns ao prefeito e ao governador pelo seu excelente trabalho. Porém, não se deve olhar para a favela com pena, mas como uma fonte de artistas, presidentes e pessoas com soluções.
Vocês sabem que esta cidade não foi minha primeira escolha para os Jogos Olímpicos. Porém, se os jogos não pudessem ser realizados em Chicago, o Rio seria minha escolha. O Brasil sempre foi o ?país do futuro?. Mas agora esse futuro está aqui. Estou aqui para dizer que nós, nos EUA, não apenas observamos seus sucessos mas torcemos por ele. Juntos, duas das maiores economias do mundo podem trazer crescimentos. Precisamos de um compromisso com a inovação e com a tecnologia.
Assim, queremos ajudá-los a preparar o país para os jogos. Por isso somos países comprometidos com o meio ambiente. Por isso a metade dos carros daqui podem circular com biocombustível. E, portanto, estamos buscando o mesmo nos EUA, para tornar o mundo mais limpo para nossos filhos. Sendo o Brasil e os EUA dois países que foram tão enriquecidos pela herança africana, temos que nos comprometer com a ajuda à África. Também estamos ajudando os japoneses hoje. Vocês, aqui no Brasil, receberam a maior imigração japonesa no mundo.
Os EUA e o Brasil são parceiros não apenas por laços de comércio e cultura, mas porque ambos acreditam no poder da democracia, porque nada pode ser tão poderoso. Milhões de pessoas , que subiram da pobreza para a classe média, o fizeram pela liberdade. Vocês são a prova de que a democracia é a maior parceira do progresso humano. A democracia dá a esperança de que todos serão tratados com respeito.
Nós sabemos, nos EUA, como é importante trabalhar juntos, mesmo quando não nos entendemos. Acreditamos que a democracia pode ser lenta, mas ela vai sendo aperfeiçoada com o tempo. Também sabemos que todo ser humano quer ser livre, quer ser ouvido, quer viver sem medo ou discriminação. Todos querem moldar seu próprio destino. São direitos universais e devemos apoiá-los em toda parte.
Onde quer que a luz da liberdade seja acesa, o mundo se torna um lugar melhor. Esse é o exemplo do Brasil, um país que prova que uma ditadura pode se tornar uma próspera democracia e que mostra que um grito por mudanças vindo das ruas pode mudar o mundo.
No passado, foi aqui fora, na Cinelândia, que políticos e artistas protestaram contra a ditadura. Uma das pessoas que protestaram foi presa e sabe o que é viver sem seus direitos mais básicos. Porém, ela também sabe o que é perseverar. Hoje ela é a sua presidente, Dilma Rousseff.
Sabemos que as pessoas antes de nós também enfrentaram desafios e isso une as nossas nações. Portanto, acreditamos que, com a força de vontade, podemos mudar nossos destinos. Obrigado. E que Deus abençoe nossas nações.?
*Tradução extraída do portal G1.
Deixe um comentário