Depois de ficar sabendo pela imprensa que a Assembleia Legislativa de Pernambuco pagava dois salários extras por ano a seus deputados, a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de Pernambuco, resolveu agir. Primeira entidade a questionar judicialmente o pagamento de 14º e 15º salários nas assembleias legislativas do país, a OAB-PE ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que tramita no Tribunal de Justiça de Pernambuco, onde aguarda decisão. A assembleia legislativa do estado ainda é uma das 16 casas parlamentares que pagam a seus deputados subsídios extras.
Em entrevista ao Congresso em Foco, o presidente da OAB-PE, Henrique Mariano, explica que a verba é uma forma disfarçada de se burlar a Constituição Federal para aumentar os vencimentos salariais dos parlamentares, já que tem natureza remuneratória. “Ela serve para ressarcir o deputado de alguma despesa que ele tem para o exercício da atividade parlamentar, e nós questionamos porque entendemos que qualquer pessoa de mediana inteligência reconhece que por trás disso existe uma forma dissimulada de se pagar o 14º e 15º salários para os deputados. Não há nenhuma categoria de trabalhador no Brasil que tenha esse tipo de privilégio, de regalia”, argumenta Henrique.
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Para ele, além de ser um pagamento ilegal, pois contraria preceitos da Constituição Federal e do estado de Pernambuco, é também um pagamento “absolutamente imoral”. “Isso é um acinte à sociedade e aos trabalhadores brasileiros”. Henrique afirma que é preciso haver uma mudança cultural no sentido de mostrar à sociedade quem paga os salários de seus representantes.
Um projeto de decreto legislativo que tramita no Senado poderá acabar com o pagamento dos dois salários extras no Congresso Nacional. Apesar de o pagamento dos subsídios parlamentares não serem vinculados ao que é pago pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, Henrique acredita que o argumento amplamente usado pelas casas legislativas de que seguem as regras do Congresso, será destruído. “Eu não acredito que todas seguirão, mas eu acho que, indiscutivelmente, no momento em que o Senado extingue esse pagamento, isso vai destruir completamente o argumento que algumas assembleias usam de que pagam tendo como paradigma o Congresso Nacional”, disse. No entanto, o fim dos 14º e 15º salários, acredita ele, só acontecerá por meio de pressão social e vontade política.
Leia abaixo a íntegra da entrevista com Henrique Mariano, presidente da OAB-PE:
Congresso em Foco – A OAB-PE foi a primeira a questionar o pagamento do 14º e 15º salários no país. Por que resolveram recorrer ao Judiciário?
Henrique Mariano – Nós entramos com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que está tramitando aqui no Tribunal de Justiça de Pernambuco. O estado ainda paga, infelizmente. Nosso argumento é legal, constitucional. A OAB tem como função não só defender os interesses corporativos da classe dos advogados, mas também ela tem a obrigação legal de defender a Constituição Federal. Esse pagamento, chamado auxílio-paletó, viola alguns preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado de Pernambuco no sentido de que as duas constituições são taxativas no sentido de determinar que nenhum parlamentar pode receber nenhuma verba remuneratória além dos subsídios que ele recebe no exercício da atividade parlamentar. A Constituição Federal proíbe qualquer complementação de verba nesse sentido. Então, nós entendemos que essa verba é uma forma disfarçada de se burlar a Constituição Federal e a Estadual para aumentar o vencimento, ou seja, a verba remuneratória dos parlamentares. Porque isso é uma verba que é paga durante os quatro anos de mandato em datas pré-fixadas, ou seja, no início da atividade parlamentar e no final de cada ano legislativo, em datas pré-determinadas e no valor exatamente igual ao montante do subsídio que eles recebem na data do pagamento. Então, está patente que isso é uma verba que tem natureza remuneratória, e não indenizatória, e a Constituição é taxativa no sentido de impedir que qualquer parlamentar receba qualquer auxílio remuneratório além do que já é fixado para a atividade parlamentar.
Qual foi a motivação para iniciar o processo judicial?
Aqui em Pernambuco, nós começamos esse processo em decorrência de uma matéria jornalística de um jornal local denunciando a existência desse auxílio. Então, com base nessa matéria, nós notificamos a Assembleia Legislativa informando que aquela medida era ilegal, que contrariava a Constituição Federal e a Constituição Estadual e solicitamos, na oportunidade, que a Assembleia manifestasse se tinha interesse em extinguir, por ato próprio, o pagamento desse auxílio. Eles nem responderam. Nem disseram que sim, nem que não. Então, nós entramos com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra os dois artigos do regimento interno da Assembleia Legislativa que gerou o pagamento desse auxílio. Houve uma grande reação dos deputados alegando que a OAB-PE estava se metendo em assuntos que não eram de interesse institucional da entidade. Então, houve uma forte reação. Na imprensa aqui houve vários ataques contra a OAB-PE, dizendo que a entidade não tinha legitimidade para questionar a legalidade desse pagamento. Mas se você verificar no Estatuto da Advocacia, nas atribuições da OAB, é uma entidade que tem como finalidade institucional, dentre outras coisas, o dever de zelar pelo cumprimento da Constituição Federal e do ordenamento jurídico do país.
Como está a tramitação do processo judicial?
A assembleia foi notificada e intimada e já apresentou sua defesa. A procuradoria do estado também foi notificada. Nós já apresentamos também as réplicas, e o tribunal de justiça está aguardando o parecer do Ministério Público do Estado de Pernambuco.
Qual foi a defesa apresentada pela assembleia?
A defesa da assembleia é de que eles não reconhecem que essa verba tem natureza remuneratória. Eles alegam que ela tem natureza indenizatória. Ela serve para ressarcir o deputado de alguma despesa que ele tem para o exercício da atividade parlamentar e nós questionamos porque entendemos que qualquer pessoa de mediana inteligência reconhece que por trás disso existe uma forma dissimulada de se pagar os 14º e 15º salários para os deputados. Não há nenhuma categoria de trabalhador no Brasil que tenha esse tipo de privilégio, de regalia. Então, o entendimento da OAB-PE é que esse pagamento além de ilegal, porque contraria um preceito da Constituição, é um pagamento absolutamente imoral também e isso é assinte à sociedade e aos trabalhadores brasileiros. O trabalhador recebe o seu 13º salário. Como é que um parlamentar vai receber 14º e 15º salário? A natureza indenizatória é um argumento muito frágil, sem nenhum fundamento legal e nem lógico porque, como eu disse, essa verba é paga indistintamente a todos os parlamentares em data pré-fixada em duas vezes por ano durante os quatro anos de mandato. Então, é evidente que isso equivale ao 14º e 15º salários. É uma forma dissimulada de pagamento.
Em 27 de março, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou o projeto de decreto legislativo que visa extinguir o pagamento dos salários extras no Congresso Nacional. Como essa notícia foi recebida pela OAB-PE?
Nós recebemos a notícia com muita satisfação e muita alegria, porque o Senado já tomou essa atitude através da comissão. Por exemplo, a Assembleia do Paraná, no final de 2011, acho que no mês de novembro, extinguiu também o pagamento do auxílio-paletó no estado. Eles reconheceram a ilegalidade desse pagamento e por uma decisão da própria Mesa Diretora, a Assembleia Legislativa extinguiu o pagamento. A Câmara Legislativa do Distrito Federal também extinguiu o pagamento em razão de uma denúncia que saiu na imprensa. O Senado, observando essa movimentação toda, resolveu também enfrentar e deu um passo importante.
Muitas assembleias argumentam que elas apenas seguem o que determina o Congresso Nacional para seus parlamentares.
Esse é um argumento falacioso, porque as assembleias têm autonomia regimental. Outra coisa também que foi fundamental para questionarmos essa situação foi o seguinte: a Constitução determina que um deputado estadual só pode receber o equivalente a até 75% do que um deputado federal recebe. O subsídio, ou seja, o salário que é pago pela assembleia realmente está dentro desse teto, agora se você soma com esse auxílio-paletó que equivale ao valor exato do subsidio mensal daquele mês que ele recebe, já extrapola o teto dos 75% do que é fixado pela Constituição Federal e que é transportado para a Constituição Estadual. Então, isso é uma forma também de burlar o teto que é fixado pela CF e que é reproduzido pelas constituições estaduais.
E uma vez que o Senado acabe com o pagamento dos subsídios extras, haverá um efeito cascata nas assembleias estaduais?
Eu não acredito que todas seguirão, mas eu acho que indiscutivelmente, no momento em que o Senado extingue esse pagamento, isso vai destruir completamente o argumento que algumas assembleias usam de que pagam tendo como paradigma o Congresso Nacional. Se o Senado extingue, eles não terão mais esse tipo de argumento. Claro que isso vai depender, na verdade, da atuação política e do momento dos dirigentes das assembleias legislativas. Agora, eu acho que no momento em que houver, de direito, a extinção desse privilégio, desse auxílio por parte do Senado Federal, a própria sociedade vai cobrar com mais rigor e com mais força e as assembleias legislativas também extinguem isso, porque é o contribuinte que arca com isso. Eu acho que a sociedade brasileira tem evoluído muito nesse aspecto de cobrar mais transparência e isso vemos em vários estados. Por exemplo, em São Paulo e em Goiás os Ministérios Públicos estaduais também já se insurgiram e já estão questionando judicialmente esse pagamento lá nos respectivos estados. Então nós vemos que esse é um movimento que tem crescido no Brasil e a extinção desse pagamento por parte do Senado Federal vai fortalecer essa luta.