A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou nota hoje (sexta, 7) em defesa da aprovação do recall, instrumento que permitirá ao eleitor revogar o mandato de representantes eleitos pela sociedade para os poderes Legislativo e Executivo. A entidade pretende centrar seus esforços na aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 73/2005, apresentada nesse sentido pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e que tem como relator o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) – clique aqui para ver a íntegra da proposta.
Ela prevê a possibilidade de revogação dos mandatos do presidente da República e dos membros do Congresso Nacional, depois de transcorrido um ano “da data da posse nos respectivos cargos”, mediante realização de referendo solicitado por no mínimo 2% do eleitorado.
No plano nacional, o referendo possibilitará à população decidir pela revogação do mandato do presidente da República ou pela dissolução da Câmara dos Deputados, com realização de eleições “no prazo máximo de três meses”. A PEC prevê ainda que um senador seja destituído pelo eleitorado do seu estado. De acordo com a proposta, a “maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional” também pode convocar a realização de referendo para a revogação do mandato do presidente da República.
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Referindo-se à crise no Congresso Nacional, o presidente nacional da OAB, Cezar Britto, disse há pouco ao Congresso em Foco que “esta legislatura está comprometida” e que “o ideal”, no seu entender, seria a renúncia de “todos os parlamentares envolvidos em acusações”: “A renúncia é um ato individual, é um ato de subjetividade. Seria o ideal, mas é uma decisão de cada parlamentar. O que estamos defendendo não é a renúncia, e sim o recall, que permitiria, numa situação de crise, revogar os mandatos e submeter os parlamentares ao processo eleitoral”.
O que é o recall
Lembrando que vários países, parlamentaristas ou não, já adotam há algum tempo a prática de antecipar eleições legislativas, Cezar Britto afirmou que a atual crise no Senado e episódios recentes, como as revelações feitas por este site sobre a farra das passagens aéreas, demonstram que o Brasil precisa adotar o recall. O mecanismo existe tanto em nações com longa tradição democrática (como os Estados Unidos) quanto em países latino-americanos, por exemplo, com história mais curta de estabilidade institucional e de convivência com a democracia.
Em última instância, o instituto do recall remonta aos primórdios da democracia ocidental, na Grécia antiga, naquilo que é visto até hoje como a primeira experiência de participação democrática direta (embora incompleta, já que, por exemplo, mulheres e escravos não tinham direito a voz na vida política da polis). O seu pressuposto é que, se os cidadãos podem eleger alguém, também podem cassá-lo quando o comportamento do represente eleito afronta os interesses da sociedade (por corrupção, falta de decoro etc.), sobretudo quando o sistema político ou o Judiciário se revelam incapazes de estabelecer as sanções reclamadas pela população.
No recall, embora a palavra final seja dos eleitores, que cassarão ou não cargo conquistado nas urnas, prevê-se a existência de contraditório, permitindo-se aos mandatários sob questionamento amplo direito de defesa da sustentação dos mandatos individuais ou coletivos.
A nota da OAB
Em nota divulgada mais cedo, o presidente nacional da OAB também criticou a presença de suplentes de senador no Conselho de Ética da Casa e disse que “o Senado está em estado de calamidade institucional”.
Além da PEC do Recall, a OAB defende dois projetos de lei em andamento no Congresso: o PLS 1/2006, que regula a realização de plebiscitos e referendos, aumentando a participação popular na definição dos destinos do país; e o PL 6997/2006, que abre espaço para o cidadão propor ação civil contra o responsável por atos de improbidade administrativa.
Segue a íntegra da nota do presidente nacional da OAB:
“O Senado está em estado de calamidade institucional. A quebra de decoro parlamentar, protagonizada pelas lideranças dos principais partidos, com acusações recíprocas de espantosa gravidade e em baixo calão, configura quadro intolerável, que constrange e envergonha a nação. A democracia desmoraliza-se e corre risco.
A crise não se resume ao presidente da casa, embora o ponha em destaque. Mas é de toda a instituição – e envolve acusados e acusadores. Dissemina-se como metástase junto às bancadas, quer na constatação de que os múltiplos delitos, diariamente denunciados pela imprensa, configuram prática habitual de quase todos; quer na presença maciça de senadores sem voto (os suplentes), a exercer representação sem legitimidade; quer na constatação de que não se busca correção ética dos desvios, mas oportunidade política de desforra e de capitalização da indignação pública.
Não pode haver maior paradoxo – intolerável paradoxo – que senadores sem voto integrando o Conselho de Ética, com a missão de julgar colegas. Se a suplência sem votos já é, em si, indecorosa, torna-se absurda quando a ela se atribui a missão de presidir um órgão da responsabilidade do Conselho de Ética.
Em tal contexto, urge fornecer à cidadania instrumentos objetivos e democráticos de intervenção saneadora no processo político. A OAB encaminhou recentemente ao Congresso Nacional, no bojo de proposta de reforma política, sugestão para que o país adote o recall – instrumento de revogação de mandatos, aplicável pela sociedade a quem trair a delegação de que está investido.
Trata-se de instrumento já testado em outras democracias, como a norte-americana, com resultados positivos. O voto pertence ao eleitor, não ao eleito, que é apenas seu delegado. Traindo-o, deve perder a delegação. Não havendo, porém, tal recurso na legislação brasileira, prosperam discursos oportunistas, como o que sugere a extinção do Senado. A OAB é literalmente contra a extinção do Senado.
O Senado não pode ser confundido com os que mancham o seu nome. Precisa ser preservado, pois é o pilar do equilíbrio federativo. Diante, porém, do que assistimos, a sociedade já impôs à presente representação o recall moral. O ideal seria a renúncia dos senadores. Como não temos meios legais de impor esse ideal – único meio de sanear a instituição -, resta pleitear que se conceda algum espaço à reforma política, senão para salvar o atual Congresso, ao menos para garantir o futuro”.