Discordando do parecer do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que recomendou a cassação do ex-ministro José Dirceu (PT-SP), a deputada Angela Guadagnin (PT-SP) apresentou voto em separado na reunião do Conselho de Ética.
No texto que o Congresso em Foco reproduz na íntegra, a petista defende o arquivamento da representação por falta de provas contra o colega de partido:
"CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Processo n° 4. de 2005 (Representação n° 38, de 2005)
Representado: Deputado José Dirceu
Relator: Deputado Júlio Delgado
COMPLEMENTAÇÃO DE VOTO EM SEPARADO
Mais uma vez quero consignar minha compreensão de que é ampla a liberdade do parlamentar no conhecimento e conformação do juízo sobre o que é, e o que não é, atentatório ou incompatível com o decoro parlamentar.
Ratifico também que, o que deve motivar o Conselho de Ética, sob pena de incidir em odiosa e injustificável perseguição, é a apuração da verdade. Esse o nosso escopo e qualquer deliberação que fuja dessa premissa incide em evidente incompatibilidade com o decoro parlamentar!
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Em meu voto apresentado na Sessão anulada por descumprimento de ordem judicial, tive a pretensão de demonstrar que o nobre Relator da representação em apreço incidiu em lamentável equívoco, ao basear suas conclusões em “fatos” que não se sustentam mediante sumária verificação, ilações que, obviamente, não se prestam à prova de nada, e indícios que, à míngua de maiores esforços investigativos, não subsistem.
Mais alarmante e que causa indignação é a absoluta falta de isonomia na apreciação dos processos de competência desse Conselho. Vejamos as conclusões no Relatório do Processo n° 5/2005, aprovado à unanimidade. Na oportunidade, após citação de poema de Carlos Drummond de Andrade, resta consignado:
“…Aportado este ponto de nossa argumentação, curial ressaltar que nada obstante o processo disciplinar por quebra de decoro parlamentar ser de índole política (…) o princípio da presunção de inocência, bem como de repartição do ônus da prova (…) tem pleno cabimento in casu.”
Mais adiante:
“(…) vislumbra-se que o mandato político conferido ao Representado, como todos os outros, é oriundo da soberana vontade popular. O aplauso das urnas somente pode ser fustigado em hipóteses excepcionais, quando devidamente comprovado, num processo desenvolvido à luz do devido processo legal, que houve o cometimento de quebra de decoro parlamentar.”
Por concordar plenamente com o supra transcrito, é que não posso admitir que a presunção de inocência valha para um e não para outro. Na frase retro, ainda que a hipótese excepcional fosse o fato do Representado ser o Político José Dirceu, ainda demandaria a comprovação do que se lhe imputa!
Há outros exemplos do critério torpe ora adotado. O que dizer da aplicação no caso presente do afirmado pelo Deputado Edmar Moreira, referindo-se ao Deputado Sandro Mabel, segundo o qual o Representado não recebeu dinheiro de ninguém, apenas está sendo acusado de oferecer a outrem, sem comprovação do ocorrido. O Deputado José Dirceu não ofereceu e não recebeu. Segundo a acusação a responsabilidade dele decorre de ter sido o “todo poderoso” e não ter abortado prática que não restou comprovada. Mais que isso, a não comprovação de tal prática foi a motivação da cassação do Sr. Roberto Jefferson!!!
Ainda comparativamente ao caso que o Conselho deliberou pelo arquivamento, pesou favoravelmente ao Representado a “retirada” da Represebtação pelo PTB. No caso do ora Representado isso não só de nada serviu como ainda agravou a interpretação dos colegas, que viram na busca pela prestação jurisdicional – direito fundamental do cidadão – afronta à autonomia de quem já condenou.
Ainda no que diz respeito aos precedentes, no âmbito do Conselho de Ética, o Deputado Mendes Thame registrou opinião no sentido de que a condenação nesse foro se daria mediante “prova cabal”, cuja “robustez” não deixasse pairar dúvida. Convenhamos, não se vislumbra isso no presente caso.
Também chama atenção, para além do solene desprezo à máxima jurídica in dúbio pro réu, o fato da condenação ao Deputado José Dirceu se amparar à presunção de fatos, à toda evidência, extra-autos. Vale dizer, a possibilidade de vir a interferir no Poder Legislativo graças ao seu apontado “imenso poder e influência”, que decorre muito mais de desejo de quem aponta do que de demonstração. Também é máxima jurídica que o que não está nos autos não está no mundo, mas, obviamente, tal obediência à princípios inviabilizaria a ânsia condenatória.
Na oportunidade do julgamento das Representações 32, 33, 34 e 35, todos de 2005, manifestei meu entendimento pela absolvição dos acusados, tendo em vista a não caracterização da culpa. Também no caso da citada Representação n° 40 (Processo n° 5/2005), pela mesma razão.
Pois bem, para além de todas as considerações já consignadas no Voto apresentado na oportunidade anterior, quero ratificar que as acusações feitas ao Deputado José Dirceu carecem de demonstração de sua responsabilidade, quando não passam ao largo de conduta que pudesse ser caracterizada como incompatível com o decoro parlamentar.
Assim é, dentre outros já exaustivamente analisados, no caso da afirmação de que o Representado teria beneficiado o banco BMG com a legislação de crédito consignado, bem como o Banco Rural, mediante aplicação dos Fundos de Pensão. A opinião pública já teve acesso às informações e parece-me uma impostura a manutenção dessas acusações no Relatório.
Se, por um lado, os próprios envolvidos vieram à público refutar a leviana acusação de investimentos irregulares por Fundos de Pensão, que obedecem à rígida regulamentação nesse particular, de outro mantém-se fundamento absolutamente inverídico quanto à tramitação de proposição no Congresso Nacional, consignado interpretação de que o Poder Legislativo é mero ratificador do interesse de um único indivíduo, que passa por cima do funcionamento das Casas do Congresso e dos interesses de todos os Partidos e parlamentares!
Persiste mais uma questão intrigante, que entendo insuperável na demonstração de que a Representação em comento foi mera formalidade para chancelar decisão pretérita e açodadamente tomada. É que o Deputado Jairo Carneiro, ao relatar o procedimento disciplinar contra o ex-Deputado Roberto Jefferson, concluiu que a acusação de existência de “esquema de aluguel de consciências de parlamentares”, denominado “mensalão”, NÃO RESTOU COMPROVADO. Como então pedir a cassação de alguém pela administração de algo que NÃO RESTOU COMPROVADO???
Coerente com minhas manifestações anteriores, em paz com minha consciência e firme em meus princípios, ratifico que, afora a incontida indignação do Relator pela relevância política do Representado, consignada em várias passagens de seu Relatório, nenhum elemento de prova que configure ato incompatível com o decoro parlamentar foi apresentado, não há nos autos demonstração da responsabilidade do Representado por ato que se possa denominar incompatível com o decoro parlamentar.
Para que não se caracterize abuso da prerrogativa parlamentar, VOTO pela improcedência da Representação, por sua absoluta inépcia e total falta de comprovação das alegações nela contidas.
Sala do Conselho, 03 de novembro de 2005.
ANGELA GUADAGNIN"