Michelle Leite *
Nos últimos dias, em todos os meios de comunicação, foi noticiado o veto integral do presidente da República, Michel Temer, ao projeto de lei que tratava da reestruturação remuneratória dos defensores públicos federais. Muitos economistas, jornalistas e cidadãos, ao comentarem o assunto, destacaram que a decisão representou sinalização positiva do governo ao mercado. Mas qual seria a real economia para os cofres públicos? Vamos aos números. Um pouco de verdade de vez em quando faz bem.
Estamos falando de projeto que representa 0,15% do bolo orçamentário destinado ao reajuste do funcionalismo público federal. Então, Sua Excelência o presidente da República, após sancionar os projetos de lei que tratam da remuneração de 16 categorias e dar seu aval para despesas da ordem de 67 bilhões de reais, rejeita o ínfimo, o absolutamente menor, para se dizer comprometido com o ajuste fiscal?
Para entender o real motivo do PLC 32/16, é importante fazer uma breve retrospectiva. A Defensoria Pública da União foi criada, em caráter emergencial e precário, pela Lei 9.020/95, em cujo diploma há regra expressa de que o Poder Executivo enviaria um projeto de lei para a criação do quadro de carreira de apoio. Passaram-se 19 anos e o projeto nunca foi encaminhado. Após a EC 80/2014, o Defensor Púbico-Geral Federal, que passou a ter a iniciativa de apresentar proposta de lei ao Congresso Nacional sobre a estrutura do órgão, criação de cargos e remuneração dos servidores e defensores, apresentou a proposta de lei para a criação da carreira de apoio em 2014. Há 2 anos o projeto não consegue avançar devido a embaraços criados pelo governo.
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Não bastassem os empecilhos criados para que a instituição tenha os recursos humanos adequados, o Poder Executivo encaminhou projeto ao Congresso, que se transformou na Lei 13.328/16, promulgada em 29 de julho de 2016, dispondo que a Defensoria Pública da União tem seis meses para devolver os poucos servidores cedidos por outros órgãos que colaboram com a instituição.
O PLC 32/16, objeto do veto, nasceu do PL 2747/15. Este foi aprovado na Câmara, mediante concordância de todos os líderes e com o aval do Ministério do Planejamento, após intensas tratativas. Aquele, após ser objeto de resistência do governo nas comissões e no plenário, foi aprovado em votação simbólica, após acordo celebrado entre os senadores da base governista e da oposição para a conclusão da votação da famosa PEC da DRU, que promoveu a desvinculação de receitas da União de aproximadamente 120 bilhões de reais. Conclusão: o mesmo projeto que foi a “moeda de troca” para a aprovação de uma matéria de interesse do governo, agora também está servindo para passar um ilusório recado de austeridade ao mercado.
PublicidadeNão se pode negar a perspicácia do presidente da República: passou uma pseudo sensação de segurança ao mercado em cima do insignificante e disse mais uma vez um não sonoro e incisivo à instituição com a missão de ser a voz da população carente e miserável. Mas, afinal, para que os cidadãos em situação de pobreza precisam de voz?
Para os analistas de economia, fica a advertência: estamos falando de 85 milhões, em 3 anos, dentro de um orçamento trilionário, e após o presidente ter sancionado reajustes no total de 67 bilhões aos demais servidores. Para a população carente e miserável, 143 milhões de brasileiros em potencial, que necessita dos serviços da Defensoria Pública da União, a mensagem também é de arrocho, mas de arrocho de direitos.
Caberá ao Congresso Nacional, nos próximos dias, a análise do veto. E lá se vão os defensores, mais uma vez, recorrer à Casa Alta e à Casa do Povo, únicos redutos que compreendem a relevância da assistência jurídica gratuita e do acesso mínimo a direitos, valores essenciais aos milhões de brasileiros que necessitam da Defensoria Pública.
Mas, afinal, qual o verdadeiro motivo do veto ao Projeto da DPU? É apenas uma questão de coerência do Poder Executivo Federal com suas decisões anteriores quando o assunto é a Defensoria, em uma constante busca pelo enfraquecimento do órgão. Fez-se a opção de sacrificar unicamente a já minúscula instituição composta por 620 defensores, agentes imprescindíveis para o exercício de direitos sociais e cujos percentuais de reajuste implementam regra constitucional advinda da EC 80/14, em prol de uma economia aos cofres públicos incapaz de sequer “fazer cócegas” no mercado.
* Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef).