O trem-bala mascou; mascou por quê?
Muitas poderão ser as explicações: já se disse que foi porque “o mercado brasileiro fechou”; “o modelo de leilão foi equivocado”; “a crise na Europa complicou”, e outras justificações serão apresentadas. Mas, a verdade é uma só: mascou porque não tinha pólvora bastante no projétil, isto é, no projeto. Ou, em português claro, porque não tinha bastante dinheiro público no projeto.
Como assim, não tinha bastante dinheiro público? Todos (desde que não ligados ao governo), diziam que havia previsão de muitos bilhões de subsídio para se tentar motivar “empresários” a assumirem o projeto do trem-bala!
Sem dúvida, havia tal previsão; a questão é que as hipóteses utilizadas para “demonstrar” a viabilidade do projeto são tão frágeis, questionáveis e superficiais que, dado o montante previsto de subsídio, ninguém quis correr o risco. Caso o governo duplicasse, ou triplicasse, ou quintuplicasse o valor do subsídio, certamente apareceriam “investidores”.
Afinal, quanto de subsídio estava previsto? Ninguém sabe, porque o volume dependeria de eventos futuros. No mínimo, R$ 8,5 bilhões; dependendo da inflação, da quantidade de passageiros e de outros fatores que só o futuro dirá, o valor poderia dobrar, ou mais. Pouco dinheiro, nesse país de tantas carências? Não, se esses recursos fossem bem aplicados na saúde, ou na educação, ou em alguma das muitas outras carências gritantes da população, mas sim, pouco dinheiro para tornar “viável” o projétil, digo, o projeto do trem-bala.
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Não se sabe qual o custo do trem, pois não há projeto básico; também não se conhece a receita, pois ninguém acredita na projeção de demanda acatada pelo BNDES. Sem saber qual o custo nem qual a receita, como arriscar? O governo afirmava que o custo seria de R$ 34 bilhões, mas empresas que estudaram o projeto, com o propósito de dele participar, estimavam-no em mais de R$ 50 bilhões! O risco, portanto, era muito grande. Por outro lado, caso o governo se dispusesse a correr os riscos políticos e morais de se oferecer para pagar 100% dos custos e deixar com o “investidor” todas as receitas, não haveria dezenas de interessados? Fica clara, pois, a razão básica de ter o leilão mascado: nem mesmo os bilhões prometidos foram suficientes para dar “viabilidade” ao negócio.
Esta sendo a terceira vez que o leilão fracassa, seria de se esperar que alguém, dentro do governo da presidente Dilma, tivesse o bom senso de indagar e pesquisar, sem pré-julgamento, as razões desses revezes.
Ao contrário desse exercício de espírito público, membros do governo ligados ao empreendimento se apressaram a apresentar à população uma alternativa. Mal rascunhada, nem eles próprios conseguiram explicar, em detalhe, a ideia de dividir o processo de licitação em duas etapas: na primeira, leiloar o direito de fornecer os equipamentos e explorar o trem, por quarenta anos. O vencedor dessa primeira etapa pagaria, por esse direito, um certo montante, que seria usado para pagar o vencedor da segunda etapa, em que se escolheria o construtor da infraestrutura.
Foi dito, também, que, para aumentar a atratividade, poderia haver não uma mudança no projeto, mas sua flexibilização (dá para engolir a desfaçatez desse jogo de palavras?). Sem muita ênfase, foi dito ainda que talvez se venha a conceder, aos construtores, a possibilidade de explorar as oportunidades de investimentos imobiliários ao longo do trecho. Vale dizer, para tornar viável um trem ao qual 95% da população jamais terá acesso, o governo desapropria, financia a juros abaixo do mercado, subsidia e, para elevar os ganhos dos construtores, entrega-lhes quilômetros e quilômetros de terrenos, entre Rio, São Paulo e Campinas, para que eles ergam prédios, shoppings e outros empreendimentos. E insistem em ter a coragem de dizer que isso não é ampliar o subsídio!!!
Assim, vale a pergunta: o fiasco do terceiro leilão é um fracasso do governo? A resposta, bem ponderada, é que pode ser que sim, mas também pode ser que não.
Se insistir no projeto, e se comprometer a aumentar a quantidade de dinheiro dado a empreendimento que já começa tão problemático, terá sido um grande fracasso. Afinal, persistir no erro, mesmo diante de fatos novos que o tornam mais evidente, não é, digamos, atitude elogiável!
Por outro lado, se o governo se aproveitar da oportunidade e, diante do fato novo, reconhecer o equívoco que é o projeto do trem-bala, mais uma vez confirmado pelos fatos, e abandonar a ideia de construí-lo, a presidente Dilma garantirá uma grande vitória para seu governo, e merecerá os agradecimentos da maioria dos brasileiros.