Daniela Lima
A revelação de que ato da Mesa Diretora estende a ex-diretores gerais do Senado e ex-secretários Gerais da Mesa o benefício de assistência médica vitalícia causou indignação nos parlamentares. A existência do documento, divulgada com exclusividade pelo Congresso em Foco, agravou a crise que atinge a gestão administrativa da Casa. “O Senado foi privatizado para atender aos interesses de alguns”, protestou o senador Renato Casagrande (PSB-ES), ao ser informado sobre a existência do ato.
Mesmo vigorando há nove anos, a norma não era conhecida pela maioria dos parlamentares. “Isso é inacreditável. Assistência de saúde vitalícia a ex-senadores já é um desvio, na minha opinião. Mas isso é demais. Graças a Deus essa crise está acontecendo. Se não, como é que eu ia saber de um ato publicado no ano 2000”, opinou Casagrande, que tomou posse em 2007.
Como ressaltou reportagem deste site, o ato era guardado a sete chaves. “Isso é lamentável. Não mais o que dizer. É um instrumento primário em matéria de favorecimento”, disse o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Ele também assegurou que irá consultar sua assessoria jurídica para verificar a possibilidade de tornar nulo o ato da mesa.
Mesmo estando em vigor há nove anos, o ato era desconhecido pelos parlamentares ouvidos pela reportagem. “Eu não sabia da existência disso. Cheguei há no Congresso há nove meses, e, por conta dessas coisas, pedi à minha equipe atenção redobrada aos temas ligados à administração da Casa”, contou o senador Jefferson Praia (PDT-AM), que assumiu a vaga do falecido senador Jefferson Peres.
“Dentro do contexto atual, de crise econômica, o Senado tem obrigação de dar a sua contribuição evitando desperdícios. A questão é: esses benefícios podem, devem ser estendidos?”, questionou o senador amazonense. “Temos que ter uma comissão responsável por avaliar todas essas questões. As decisões tomadas no passado precisam ser revistas. O presidente da Casa, a Mesa e cada um de nós senadores, têm obrigação de tratar isso com transparência. Usamos dinheiro público”, concluiu Praia.
Atualmente, o beneficiário do ato 18 é o ex-secretário geral da Mesa, Raimundo Carreiro, hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Mesmo com um salário de R$ 24,5 mil, o ministro pediu e obteve ressarcimento de R$ 3.043 do Senado para despesas com dentistas, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).
“O país me pagou pouco”
Carreiro foi nomeado em 1995 por José Sarney (PMDB-PA), que naquela época também era presidente da Casa, secretário-geral do Senado, e permaneceu no cargo por 12 anos. À reportagem, ele disse que o país tem uma dívida com ele, e que portanto, o ressarcimento é justo. “Foram quase 13 anos no cargo e tive desgastes muito maiores do que os senadores. O país me pagou pouco”, afirmou.
No ano passado, o ex-secretário e ministro acumulou ressarcimentos do Senado com os do Tribunal de Contas da União. Ele reembolsou um total de R$ 13.877,32 em gastos médicos pagos pelo TCU, de acordo com o Siafi. Segundo ele, não houve irregularidade porque o tribunal não ressarce despesas com dentistas.
Crise
Outro que passará a ser beneficiado com a medida é o ex-diretor geral do Senado, Agaciel Maia. Ele foi afastado do cargo depois da denúncia de que omitiu uma mansão da sua declaração de renda. “Precisamos rever o senado por inteiro. Do jeito que as coisas iam, até diretor de copo d’água entraria na lista de beneficiários. A Casa eternizou um grupo e foram feitas concessões a ele. Está na hora de perdemos os anéis para conservarmos os dedos”, defendeu o líder do PSDB na Casa, senador Arthur Virgílio (AM). Em sua fala, o senador ironiza levantamento do próprio Senado que mostrou que a Casa conta com 181 diretorias: mais do que o dobro do número de senadores.
O clima no Senado é de constrangimento. A Casa vem sofrendo desgastes ininterruptos desde o início deste ano. “Existe uma chance real de o país, a opinião pública, desacretidar o Congresso. E isso seria uma perda enorme para a democracia. Essa instituição terá que superar essa crise com soluções reais. Qualquer solução de factóide será percebida pelo povo”, complementou Virgílio.
Conforme também revelou o Congresso em Foco, o Senado liberou R$ 1,19 milhão do total de R$ 1,6 milhão reservado no orçamento para ressarcir despesas médicas e odontológicas de 45 ex-senadores e outros dez dependentes de ex-parlamentares apenas em 2008. Entre os beneficiários, aparece um suplente de senador que exerceu o mandato por apenas 45 dias. A assistência médica e odontológica dos parlamentares e servidores do Senado custou R$ 61,35 milhões à Casa em 2008. Para este ano, a previsão de despesas nessa área é de R$ 61,66 milhões.