Soraia Costa
Reduzir a taxa básica de juros dos atuais 14,25% para 6,5%, pôr fim à política de superávit primário (economia para pagar juros), isentar de tributação os produtos da cesta básica e revisar a tabela de imposto de renda da classe média. Essas são algumas das medidas defendidas pela senadora Heloísa Helena (Psol-AL) para combater a política neoliberal personificada, segundo ela, por seus dois principais adversários na corrida eleitoral à Presidência da República.
"Desconcentrar a renda será a prioridade governamental desde o primeiro minuto no Palácio do Planalto", garante a candidata. Aos 44 anos, Heloísa Helena está prestes a concluir o oitavo ano de seu mandato no Senado. Nesse período, tornou-se conhecida por atacar a "orgia do capital financeiro", os "delinqüentes de luxo", as "gangues partidárias" e a "patifaria política" e por bater de frente com alguns dos principais caciques do Senado.
Apesar de não poupar críticas a seus adversários, nesta entrevista ao Congresso em Foco a candidata prefere não tocar em questões polêmicas como moratória e revolução socialista. Posição que tem adotado durante toda a campanha para evitar a fuga de eleitores da classe média. Ressalta, porém, que seu governo ouvirá a população para tomar grandes decisões. No caso da dívida externa, por exemplo, afirma que fará uma "auditoria rigorosa" e depois chamará a população para decidir se o pagamento deve continuar ou não.
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Expulsa do PT há três anos, Heloísa Helena herdou parte dos votos de eleitores de Lula que se desencantaram com o governo do Partido dos Trabalhadores. É contra os ex-companheiros que ela dispara os ataques mais letais: "Fui expulsa do PT por não ter me calado diante da acomodação à ordem. Era mais cômodo ter ficado calada e participando do jantar com os poderosos e aceitar que apenas migalhas sejam distribuídas para os pobres".
Enfermeira e professora licenciada da Universidade Federal de Alagoas, Heloísa Helena é divorciada e mãe de dois filhos. Nascida no pequeno município alagoano de Pão de Açúcar, de 28 mil habitantes, às margens do São Francisco, começou a militância política nos movimentos estudantil e sindical. Aos 30 anos, foi eleita vice-prefeita de Maceió pela coligação PSB e PT. Dois anos depois, em 1994, elegeu-se deputada estadual. Chegou a Brasília em 1998, quando se tornou a primeira mulher a representar Alagoas no Senado.
No início da campanha, a candidata chegou a despontar nas pesquisas eleitorais. Mas, com apenas 1 minuto e 11 segundos no horário eleitoral, viu sua candidatura estagnar na terceira colocação, com algo em torno de 9% das intenções de voto. Números que a senadora diz não serem condizentes com a recepção que sente nas ruas. Enquanto seus principais adversários estimam gastar, juntos, mais de R$ 50 milhões na campanha, a senadora declarou ter arrecadado apenas R$ 62 mil para investir em sua candidatura.
Na entrevista a seguir, a candidata diz que entrou na disputa por acreditar ser possível chegar ao poder defendendo apenas os interesses dos trabalhadores e fala de suas principais propostas para a educação, a saúde, a segurança pública, a economia e a política externa.
Congresso em Foco – Quais as principais metas da senhora para a educação?
Heloísa Helena – Educação básica. Hoje uma criança conclui a quarta série sem saber ler e escrever. Todos nós que trabalhamos na área de educação sabemos o custo de um aluno. Se não é possível estabelecer 100% per capita de aluno, deve garantir pelo menos 70% e isso significa mais do que os R$ 4 bilhões do Fundeb, que é municipal e estadual. Para aumentar a meta de atendimento, temos que aumentar os recursos e vai haver dinheiro porque eu não vou renovar a desvinculação de receita da União, que divide mais de R$ 20 bilhões.
E o que a senhora propõe para a saúde?
O Brasil não pode depender completamente do setor conveniado, até para garantir a competitividade. O setor conveniado pode reprimir demanda, ou seja, se recebe para atender dez pacientes, não vai ultrapassar esse limite. Já o setor público não pode ter um teto como é hoje, pois se um hospital recebe por 100 internações, mas a procura é de 300, tem que atender de qualquer jeito, claro com precariedade. Eu defendo que os públicos devem ser remunerados pelos procedimentos feitos e não por teto
O que a senhora propõe para promover o crescimento econômico do país e aumentar a geração de empregos? Qual seria o percentual ideal de crescimento?
Defendemos outro tipo de modelo econômico. A política de juros e superávit está vinculada a uma decisão tomada pelo Conselho Monetário Nacional, que é composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central. Estabeleceram que o Brasil não pode crescer mais do que 3,5%, embora a média mundial seja de 15,5%. Com a redução dos juros, defendemos que a taxa de crescimento seja dobrada, o que ainda é uma média modesta comparada com o crescimento de outros países da América Latina. Defendemos que o juro real fique em torno de 2,5%, e o nominal em 6,5%. Isso não significa risco de inflação. A única forma de ter inflação é se os especuladores, que estão ganhando cerca de R$ 180 bilhões em juros, tirarem todo esse dinheiro para comprar coisas na rua. Outra possibilidade é a fuga de capitais, mas isso não existe. Para mandar dinheiro para o exterior, só há duas alternativas: pegar o dinheiro em real e sair com ele em um navio ou avião, ou trocar por dólar no Banco Central. Em nome da soberania nacional, a instituição financeira não venderia.
O que a senhora pretende fazer para combater a corrupção no país?
Em primeiro lugar, fazer um governo ético, que não se relacionará com o Congresso e com os partidos de forma indecorosa como é hoje. Diminuiremos muito o número de cargos comissionados ocupados por pessoas fora da carreira do serviço público. Fortaleceremos os mecanismos de controle, seja a Controladoria Geral da União, seja abrindo canais de fiscalização pela sociedade civil.
Quais serão as medidas adotadas por seu governo para garantir a segurança pública? Como a senhora pretende reduzir a violência e a criminalidade?
Do jeito que está consolidada a violência no Brasil, não cabe mais investimentos apenas na prevenção. Temos que tratar as causas e fazer repressão implacável dos efeitos. Uma das alternativas é a escola integral, pois em várias periferias que visitei, encontrei mães de jovens assassinados ou presos dizendo que se tivesse uma escola, uma quadra, a realidade seria diferente. Se a criança fica o dia inteiro sem fazer nada, como acontece com mais de 70% no Brasil, ela corre o risco de entrar para o narcotráfico. Tem que ter repressão implacável e 24 horas de monitoramento em alguns casos. Precisamos implantar um Sistema Único de Segurança Pública, piso salarial para os policiais, condições objetivas de trabalho, mecanismos de controle da sociedade. Nós defendemos que o teto dos salários seja o mesmo da Polícia Militar do Distrito Federal.
Em que termos deve se dar a reforma política?
Defendemos a reforma com a permeabilidade das instituições para controle da sociedade, diminuição das assinaturas necessárias para apresentação de projetos, maior participação social em relação ao poder político, inclusive permitindo a candidatura de cidadãos não-filiados a partido algum. Também queremos a reforma eleitoral, porque há um abuso do poder econômico, sem teto para gastos na campanha e mecanismos que impeçam a contratação do cabo eleitoral.
O que a senhora pretende fazer com relação à reforma agrária?
O problema da agricultura brasileira não é apenas a reforma. O último censo agrário revelou que o número de famílias que perderam suas terras para as instituições de crédito é maior do que o número de assentadas. O governo deve estabelecer uma política concreta de assentamento, com zoneamento agrícola, assistência técnica e infra-estrutura. Nossa meta é assentar um milhão de famílias em quatro anos, o que geraria um impacto anual de R$ 3,5 bilhões. Mesmo assim, será difícil coordenar os 15 movimentos espalhados pelo Brasil.
Quais são as prioridades da senhora em termos de políticas sociais? A senhora pretende manter o Bolsa Família ou adotará estratégias diferentes para superar as desigualdades no país?
Não vou acabar com o Bolsa Família, mas ele não deve ser uma condenação do pobre a ser para sempre pobre. Defendo que esse programa seja associado a escola integral, esporte, cultura, capacitação profissional e inserção no mercado de trabalho. Hoje, entre ter a estabilidade do programa social e a instabilidade do trabalho, a pessoa escolhe a bolsa. O Estado brasileiro deve criar possibilidades para a inserção na sociedade.
Como será a relação de seu governo com o mercado internacional? Como a senhora pretende valorizar os produtos nacionais?
A soberania nacional é inegociável e temos que dar prioridade para as relações na América Latina. O fortalecimento dessas relações deve ser feito com base na pauta comercial e das relações econômicas internacionais do Brasil, e não com base em grupos ideológicos. A Alca (Área de Livre Comércio das Américas) é boa para os Estados Unidos, mas não tem nenhuma condição de existir. Queremos relações internacionais em que o país proteja seu parque produtivo.
Quais serão as medidas da senhora em relação à dívida externa?
Auditoria rigorosa e depois chamar o povo para decidir se devemos continuar pagando ou não.
Se eleita, como a senhora pretende reduzir a carga tributária?
A maior carga tributária é do consumo e do trabalho. Temos que isentar a cesta básica de consumo das populações pobres e revisar a tabela de imposto de renda da classe média. No setor produtivo, a desoneração será feita através da redução da carga para que não tenhamos que mexer na legislação trabalhista. A diminuição da arrecadação tem que ser compensada com a redução da taxa de juros.
Qual será sua primeira medida à frente do governo? E quais as prioridades para os próximos quatro anos?
Mudar radicalmente a política econômica governamental, reduzindo a taxa de juros, pondo fim na política de superávit primário. Desconcentrar a renda será a prioridade governamental desde o primeiro minuto no Palácio do Planalto.
A senhora tem conquistado os votos de parte dos petistas que, em 2002, apoiaram Lula. Quais serão as principais diferenças de seu governo em relação ao atual?
Em termos programáticos temos duas candidaturas (Lula e Alckmin) que representam a continuidade da política neoliberal em vigor. Somos uma candidatura alternativa de esquerda, pois queremos outro modelo econômico, que não concentre a renda como o atual. Não governaremos para 20 mil famílias nem manteremos como prioridade uma bolsa-banqueiro volumosa como a atual. No campo ético estamos distantes do toma-lá-da-cá vigente.
A senhora acredita que é possível chegar ao poder sem se render aos detentores do grande capital? Afinal, enquanto Lula defendeu apenas os interesses dos trabalhadores não conseguiu conquistar a Presidência.
Se não acreditasse, não seria candidata. Minha vida e minha postura política demonstram isso. Fui expulsa do PT por não ter me calado diante da acomodação à ordem. Era mais cômodo ter ficado calada e participando do jantar com os poderosos e aceitar que apenas migalhas sejam distribuídas para os pobres.