Ronaldo Nóbrega*
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou no último dia dez de agosto pedido de liminar do PSDB em ação para reaver os mandatos de sete deputados federais que mudaram de legenda. Os tucanos haviam entrado com mandado de segurança no STF contra a decisão do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que também havia negado pedido do PSDB para considerar como renúncia ao mandato a mudança de filiação de deputados que migraram para outras legendas.
Diante dessa decisão, parlamentares eleitos em outubro passado por um partido e que, depois, migraram para outras siglas ganharam fôlego. Disso decorre a confirmação de que a fidelidade partidária é um princípio constitucional.
Entendo que, na realidade, levando-se em consideração a aplicação prática conjunta com o princípio da anualidade, as decisões da Câmara dos Deputados e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não terão aplicabilidade imediata. Acredito que o Supremo faça essa opção pelo conflito de interesses entre os dois Poderes (Legislativo e Judiciário). Não há dúvida de que a decisão da Câmara, que aprovou um projeto de fidelidade partidária que busca anistiar todo o troca-troca ocorrido no passado e também aquele que vier a ocorrer até 30 de setembro deste ano, viola o artigo 16 da Constituição Federal de 1988, mesmo sendo legislação eleitoral. Foi assim na verticalização, quando questionei o seu fim, em 2006.
Destaca-se que o PSDB requereu ao presidente da Câmara que fosse considerada renúncia ao mandato a mudança de filiação partidária por deputados federais eleitos pelo partido. Requerimentos com o mesmo teor foram protocolados também pelo DEM e pelo PPS, que, juntamente com os tucanos, foram os mais prejudicados com as mudanças partidárias.
Os partidos se basearam na resposta do Tribunal Superior Eleitoral a uma consulta formulada pelo Democratas, na qual aquele tribunal respondeu que "os partidos políticos e as coligações conservam o direito à vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda".
Quero inclusive relembrar que o STF historicamente não contraria o TSE em se tratando de questão eleitoral. Mas desta vez foi diferente.
Como se vê, o ministro Celso de Mello teve outro entendimento. Vejamos: "Tenho para mim, considerada a essencialidade dos partidos políticos no processo de poder, que não se pode desconhecer o alto significado que assume, na prática da representação política, o instituto da fidelidade partidária, enquanto valor constitucional impregnado de múltiplas conseqüências".
No decorrer da decisão, o ministro do STF admite, ainda, que "o abandono da legenda pelo representante infiel tem desfalcado, sem restituição, a representação parlamentar dos partidos" e considera necessária a concretização e aplicação do princípio constitucional da fidelidade partidária. "Não obstante todas essas considerações que venho a expor – e embora atribuindo especial relevo à resolução, pelo Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, da Consulta nº 1.398/DF (…) não posso, contudo, deixar de ter presentes, ao menos neste juízo de sumária cognição, as decisões emanadas do Plenário do Supremo Tribunal Federal, no sentido da inaplicabilidade do princípio da fidelidade partidária aos parlamentares empossados".
Com deputados ameaçados de perder o mandato por terem trocado de partido, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de fidelidade partidária que busca anistiar todo o troca-troca ocorrido no passado e também aquele que vier a ocorrer até 30 de setembro deste ano.
Uma brecha para que os parlamentares continuem a mudar de partido segundo suas conveniências partidárias. O texto da lei traz parágrafo que diz que "ficam resguardadas e convalidadas todas as mudanças de filiação partidária constituídas até a data de 30 de setembro de 2007, não incidindo nenhuma restrição de direito ou sanção". Além disso, altera o Código Eleitoral proibindo o TSE de aplicar retroativamente interpretações da legislação.
O delegado nacional do Partido Social Liberal (PSL), advogado José Geraldo Forte, protocolou no último dia 20, no Tribunal Superior Eleitoral, a Consulta (CTA) 1443, com o objetivo de esclarecer dúvidas sobre a força do efeito retroativo em legislação que venha a ser alterada pelo Congresso Nacional.
Vale ser transcrito o texto da consulta do PSL:
"1. Caso o Congresso Nacional, por meio de suas votações, modifique a força ex tunc, própria das respostas às consultas já existentes nesta Corte, dando-as uma força ex nunc (com condições apenas de vincular decisões futuras, a partir da resposta às consultas);
2. Poderá a norma modificada possuir força ex tunc, retroagindo e retirando das respostas às consultas a força ex tunc, inerente e própria de cada uma delas?
3. E, em caso positivo, poderão os parlamentares, os quais participaram das votações, gozarem de tais modificações da norma, já que foram parte do fruto de tal debate?"
Nesse contexto, a Justiça deve considera ser a presente consulta muito pertinente, uma vez que devem ser repensados o equilíbrio e o respeito entre os poderes constituídos em nosso país.
Vamos aguardar o desfecho do imbróglio jurídico.
*Ronaldo Nóbrega Medeiros, 38 anos, é jornalista e acadêmico de Direito do Centro Universitário Euro-Americano (Unieuro) em Brasília. Atuou em Tribunais Regionais Eleitorais e no Tribunal Superior Eleitoral como delegado nacional e secretário nacional de partido político.
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