Roberto Mortari Cardillo *
Relevante e paradigmático acórdão, por votação unânime, foi proferido pela 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), disponibilizado no Diário da Justiça em data de 03 de dezembro de 2013, relatado pelo desembargador Elliot Akel, de cujo julgamento participaram os desembargadores Paulo Eduardo Razuk, com voto vencedor declarado, e Rui Cascaldi.
Trata-se do caso, notório, da singular e veloz ascensão profissional de Fábio Luis Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, objeto de reportagem de capa da revista Veja, datada de 25 de outubro de 2006, com o título “O Ronaldo de Lula”.
Ingressou Fábio Luis com ação pleiteando indenização por danos morais, contra a editora e o repórter, julgada improcedente tanto em primeira instância, por sentença de lavra da juíza Luciana Novakoski Ferreira Alves de Oliveira e, como visto, confirmada em segundo grau.
Independentemente das partes e da atração natural exercida pelo caso concreto, interessa sublinhar, ainda que brevemente, alguns conceitos expendidos nos pronunciamentos judiciais, dentre os quais destaca-se a análise de eventual colisão entre dois princípios constitucionais: a liberdade de imprensa (arts. 5º, inciso IX e 220, Constituição Federal) e a inviolabilidade da honra e da imagem da pessoa (artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal).
Leia também
Em primeiro lugar, a sentença de primeiro grau acentuou que “a liberdade de imprensa é garantia vital à democracia, cujo controle pelo Poder Judiciário é sempre delicado”, “uma vez que não há direitos absolutos e a própria Constituição assegura que não será excluída de apreciação pelo Judiciário lesão ou ameaça de lesão a outros direitos”. No mesmo sentido, o signatário aduzira – a respeito de outro tema – em entrevista publicada no G1 (noticioso da internet da Globo): “É preciso haver ponderação entre dois direitos”, pois “não existe nenhum direito absoluto, mesmo que previsto na Constituição” (edição de 19-10-2013).
Em seguida, com a afirmação de que a responsabilidade dos órgãos de imprensa limita-se à eventual presença de abuso, prestigiou-se a liberdade dos meios de informação, invocando-se a lição de Robert Alexy, com base no “peso” dos princípios, concluindo-se que, no caso concreto, inexistiu qualquer extravasamento do direito/dever de informar.
Outro aspecto digno de realce diz respeito à obrigação não apenas de difundir notícias de relevo, mas de bem informar fatos que ostentam nítido interesse público e que repercutam questões institucionais.
Nesse ponto, é de se enfatizar que o título da reportagem (“O Ronaldo de Lula”) foi também considerado não passível de provocar dano ou ofensa, porque derivado de declaração feita pelo próprio ex-presidente, no programa Roda Viva, da TV Cultura, comparando seu pimpolho ao então “fenômeno” Ronaldo.
Enfim, lembro aqui palavras do jornalista Carlos Alberto di Franco, ao comentar as peripécias de Rosemary Noronha, de que “a defesa do direito à intimidade não pode ser usada para impedir a investigação e revelação pela imprensa de informações de evidente interesse público. O direito à privacidade não pode ser jamais um escudo protetor”.
“A imprensa”, dizia Rui Barbosa, “é a vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam. (…) O poder não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. A política não é uma maçonaria, e sim uma liça. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro. Agrade, ou não agrade, as constituições que abraçaram o governo da Nação pela Nação têm por suprema esta norma: para a Nação não há segredos; na sua administração não se toleram escaninhos; no procedimento dos seus servidores não cabe mistério; e toda encoberta, sonegação ou reserva, em matéria de seus interesses, importa, nos homens públicos, traição ou deslealdade aos mais altos deveres do funcionário para com o cargo, do cidadão para com o país.”
Vê-se , portanto, que a análise de direitos que aparentemente possam contrapor-se parte da premissa de que inexistem direitos que tenham natureza absoluta – nenhum se sobrepõe a outro – devendo ser exercidos em suas respectivas searas. E, para determinar qual deve prevalecer, parte-se da perquirição do “peso” de cada um, atribuindo-se maior envergadura “quando existem razões suficientes para que o princípio tenha preferência em relação ao outro sob o influxo das condições do caso concreto” (Enéas Costa Garcia, “Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação, 1ª ed., pág.135, obra citada na sentença de primeira instância).
Vale destacar ao fim que, no voto do desembargador Paulo Razuk, externa-se, “com tristeza”, que o episódio retratado na demanda referida situa-se dentro do contexto do patrimonialismo, tantas vezes abordado por Raymundo Faoro em seus escritos.
* Roberto Mortari Cardillo é sócio do escritório Cardillo & Prado Rossi Advogados. Procurador da República de carreira, aposentou-se em 1995 como subprocurador-geral da República. Atua na defesa de interesses particulares em questões de desapropriação e postulação de perdas e danos.
Deixe um comentário