Itamar Garcez *
A resiliência da esquerda aos reveses sucessivos que a história lhe desferiu é resultado em parte de sua característica de seita e, portanto, da crença de que detém com exclusividade a verdade única. As derrotas são apenas batalhas perdidas; no final, a guerra será vencida com a redenção do proletariado que, para evitar desvios no itinerário, será conduzido com mão de ferro ao paraíso.
Transposta para a realidade que vivenciamos no Brasil, no limiar do julgamento da presidente Dilma Rousseff (PT), a afastada, o PT se valeu da propaganda política para dissimular o fracasso de seu modelo após 13 anos no comando da Nação com o apoio do status quo. No confronto político restavam poucas opções: reconhecer os erros que levaram o país a pior crise econômica, política e ética de sua história ou adotar uma escapatória.
Ora, o PT não tem como justificar a gestão fiscal fraudulenta da presidente. O PT não tem como justificar as derrapagens administrativa e econômica, carreadas por uma mandatária incompetente e presunçosa, que redundaram em quebradeira, carestia e desemprego. O PT não tem como justificar que boa parte dos delatores da Operação Lava Jato são companheiros ou neocompanheiros, como os grandes empreiteiros.
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O PT não tem como justificar que, no poder, exerceu a política da mesma forma que seus adversários, qual seja, na base da barganha de compra de apoios. O PT não tem como justificar que, eleito com uma pregação de detentor exclusivo da ética, atolou-se nos mesmos desvãos do uso espúrio do erário.
O PT não tem como justificar que seus heróis se transmutaram de militantes por princípio em políticos sem princípios. O PT não tem como justificar que tramou o impeachment dos três antecessores imediatos do lulopetismo. Mais importante, o PT não tem com justificar o golpe com o qual aniquilou a esperança na política. Não se o fizer com sincera autocrítica.
Portanto, para não enfrentar o debate honesto, com choro e ranger de dentes, restou aos companheiros fraudar a história e amparar-se no refrão golpista como leitmotiv. Para tanto, fugiu da lógica comezinha.
Propaganda fraudulenta como lenitivo
O impeachment estribou-se num Judiciário permissivo, que adotou ao extremo a regra in dubio pro réu como na sessão da Corte Suprema de dezembro de 2015, contestada por juristas eminentes. O impeachment sustentou-se na Suprema Corte, cujos membros foram quase todos escolhidos pelo PT. O impeachment foi garantido pela neutralidade silenciosa das Forças Armadas.
O impeachment foi respaldado pela ampla e legítima maioria da população – exaurida pela economia em pandarecos, enojada da corrupção. O impeachment teve a aprovação majoritária do Legislativo, movido, como em 1992, por eleitores desiludidos. O impeachment ancorou-se na Constituição.
Como carece de coerência e sobeja desfaçatez, a narrativa petista – risível diante da hodierna, sangrenta e concreta tentativa de golpe na Turquia – optou por falsear a realidade. Não se trata de ação impensada, mas engendrada em eficiente propaganda política.
Na ânsia de desqualificar o impedimento da mandatária, sustenta-se em estratégia que vai da autoindulgência à sobrevivência. Primeiro, provê conforto à militância atordoada com os crimes conduzidos por suas lideranças. Repetir ad nauseam que o impeachment foi ilegítimo anestesia a decepção.
Segundo, fornece à patuleia simplificação retórica à narrativa que pretende converter a presidente Dilma em vítima. Terceiro, ao adotar discurso monotemático foge do debate direto sobre a débâcle petista. Quarto, tenta constranger néscios e desavisados.
Implacável, a história aplicou reveses sucessivos na esquerda. Os percalços levaram-na a contornar o mais notório déspota comunista, Josef Stalin (que tiranizou seus camaradas), a relevar os gulags, a ignorar a derrocada soviética (simbolizada pela queda do Muro de Berlim), a condescender com a revolução cultural chinesa, a defender a ditadura cubana, a compactuar com os desmandos do comandante venezuelano.
Tudo justificado por dogmas e mitos, como o de que só a esquerda representa os pobres ou do Estado forte e onipresente. A exemplo de uma seita, que tem a conversão dos ímpios e a salvação dos fiéis como alvos, a sigla busca no discurso fraudulento o lenitivo ao fracasso.
* Itamar Garcez é jornalista. Artigo publicado originalmente no Blog do Moreno.